sábado, 27 de fevereiro de 2010

Pesquisa eleitoral: mercadoria à venda

Lúcio Flávio Pinto

Editor do Jornal Pessoal

É um absurdo, todos sabem que ele ocorre, mas ninguém toma uma providência para eliminar essa anomalia. As pesquisas eleitorais só são fiscalizadas com maior rigor pelo TRE 90 dias antes da eleição. Até esse período elas costumam ser manipuladas. Se a manipulação é bem feita, os seus resultados podem ser divulgados massivamente e o instituto tem um conceito nacional, é possível que elas induzam o eleitorado, fazendo os indecisos assumirem o candidato que lidera a pesquisa (ou cresce sempre) e outros mudarem as opções que pretendiam fazer, graças a um hábito nacional enraizado: brasileiro não gosta de perder. Prefere entrar na onda de quem está em ascensão e com a perspectiva de vencer. Ou melhor: já é dado como vencedor.

É claro que quem tem exerce o controle do executivo ou outra função pública de expressão pode encomendar mais pesquisas e explorar esse terreno baldio, propício às manipulações da opinião pública. Quanto mais poder o candidato tiver, de mais recursos poderá lançar mão para promover essas pesquisas dirigidas, de forma direta ou indiretamente, através de entidades agregadas, dependentes ou afins. E aproveitando para combinar as pesquisas eleitorais com outros tipos de sondagens, que engrossam o faturamento dos institutos de opinião pública, deixando-os mais suscetíveis a esse tipo de fraude, escorada no princípio de que a estatística é o reflexo da realidade no momento em que ela é aferida e que os números não mentem jamais.

Essa prática, favorável aos detentores do poder e lesiva à democracia, finalmente começa a ser questionada e, talvez, dependendo da reação que as críticas provocarem, venha a ser abolida, em proveito da fidelidade aos fatos. A brecha para esse questionamento foi aberta pelos pequenos institutos de pesquisa, que passaram a se mobilizar para denunciar as encomendas com propósitos pré-definidos. O serviço só beneficia os grandes institutos de pesquisas, que são “muito bem pagos para realizarem pesquisas governamentais e outras que derivam de sindicatos comprometidos com o governo, como a realizada pelo Sensus para a CNT”, diz o dono de um dos institutos nanicos.

Ele exemplifica com o Vox Populi, que faz uma pesquisa semestral para aferir a eficiência das concessionárias de energia. O pacote envolve 30 concessionárias, cabendo a cada uma cota de mais de 80 mil reais. O serviço resulta em mais de R$ 2,5 milhões por uma pesquisa com menos de 500 entrevistas em todo Brasil. A Aneel (a agência que controla o setor de energia elétrica) exige que a pesquisa seja feito todos os semestres, mas não que haja licitação pública para a contratação do executor da sondagem. O Vox Populi foi indicado diretamente, sem se submeter a qualquer processo seletivo.

A mesma fonte se refere à recente pesquisa de intenção de voto para presidente da república, realizada pelo Instituto Sensus para a Confederação Nacional dos Transportes, que registrou um notável crescimento da candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff. Em pouco tempo ela já conseguiu empatar tecnicamente com o pré-candidato do PSDB, o governador de São Paulo, José Serra. O surpreendente resultado foi propagandeado por todo país, “mas esqueceram de analisar a metodologia do trabalho, desenhada cirurgicamente para favorecer a candidata oficial”, observa a fonte.

O dono do pequeno instituto diz que não pretende fazer a desqualificação da pesquisa por razões partidárias, mas sim alertar “sobre os riscos que uma pesquisa manipulada pode trazer para as eleições que se aproximam, e ao mesmo tempo, questionar o papel do Tribunal Superior Eleitoral que faz vista grossa para esse tipo de alquimia, pois, segundo ele, a lei só é rígida com as empresas de pesquisas 90 dias antes das eleições”.

Segundo a análise do técnico, a concepção da amostra da pesquisa do Instituto Sensus privilegiou pequenos municípios brasileiros em detrimento das grandes capitais, onde o voto urbano é mais representativo. Por exemplo, no Rio Grande do Norte, foram pesquisados 22 eleitores, sendo 9 em Natal (a capital com cerca de 508 mil eleitores) e 13 no município de Sítio Novo (com 4 mil eleitores). Em Santa Catarina foram ouvidas 17 pessoas, com 4 entrevistas em Florianópolis (com 306 mil eleitores) e 13 em Guaraciaba com (7,7 mil eleitores). No Espírito Santo, foram ouvidas 21 pessoas, 4 na capital, Vitória (245 mil eleitores) e 17 em Venda Nova do Imigrante (14 mil eleitores).

O responsável técnico pela pesquisa, Ricardo Guedes, argumentou que o Sensus usou a técnica Probabilidade Proporcional ao Tamanho, conhecida por PPT, “mas pelo que se viu o tamanho deve ter sido geográfico ao invés de população eleitoral”, contradita a fonte. Para esse técnico, privilegiar pequenos municípios “está, sim, favorecendo o candidato oficial, pois neles residem parcelas expressivas de eleitores aquinhoados com a bolsa família”.

Garante que esse tipo de manobra técnica “com toda certeza revela um quadro totalmente descolado da realidade. Pesquisa é uma amostra da realidade, e a realidade do processo eleitoral é outra. As capitais sempre registram mais votos que os pequenos municípios brasileiros, porém o Instituto Sensus pode fazer de outra forma” para ser fiel à realidade.

Outro texto que circula pela internet reforça o questionamento desse tipo de pesquisa. Comprova, com dados, que o PT, detendo 10% das prefeituras no Brasil, “teve a sorte” de, na pesquisa CNT/Sensus, serem escolhidas 17,8% de cidades dirigidas pelo partido. A conclusão dessa seleção amostral é que o PT teve uma “sorte” de 78% a mais do que o normal. Já o PSDB e o DEM, que comandam 23% das cidades brasileiras, tiveram apenas 14% das cidades por eles dirigidas selecionadas para compor a amostra da pesquisa CNT/Sensus. “Tiveram um azar de quase 40% a mais do que o normal”, conclui o texto, mostrando que, entre todos os partidos, “ninguém teve mais sorte do que o PT. E ninguém teve mais azar do que o DEM e o PSDB”.

Mera casualidade? Os dados, apurados em extensão, indicam que não. Já é mais do que chegada a hora de ampliar o prazo de controle efetivo das pesquisas eleitorais dos atuais 90 dias para qualquer período em que elas forem realizadas. A checagem teria que ser feita não apenas pelo TRE, mas também por entidades da sociedade civil especializadas. A democracia brasileira se tornaria mais do que um instrumento na mão dos “mais iguais”.

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