quarta-feira, 5 de maio de 2010

Brigas, lágrimas e uma reportagem premiada

Larissa Brainer
Da equipe Manual dos Focas

Desejo de todo estagiário de redação é ter uma sugestão de pauta aceita pelo chefe. Desejo maior é que essa pauta tenha destaque e um bom espaço, de preferência página limpa, com direito a matéria principal, vinculada, arte, foto e tudo o mais. Para a vida desse estagiário (nem só do estagiário, diga-se) se tornar perfeita, só se, além de ter um ok nos dois itens supracitados, o chefe der um bom tempo para apuração e redação disso tudo.

Fui atrás do primeiro item. “Chefe, vamos fazer uma matéria sobre consumo de água. Vemos todos os dias as pessoas desperdiçando, os vazamentos na cidade, acho que era muito importante… E nesses tempos de debates ambient-” – aqui, se minha vida fosse filme e tivesse trilha sonora, se ouviria o barulho do disco arranhando – “Qual é o gancho? Isso a gente vê todo dia. O que há de novidade?”, Zero. Eu não tinha nada. “Volte para falar comigo quando arrumar um gancho”.

Meses depois, fui pautada para uma coletiva de imprensa na operadora de abastecimento de água de Pernambuco. Uma conversa pós-coletiva com um diretor da companhia me deu o gancho para a matéria que eu já estava quase perdendo a esperança de fazer. A empresa tinha um projeto-piloto para regular o abastecimento no estado e reduzir os vazamentos. O chefe topou, me deu uma página limpa. Seria uma principal, uma vinculada e uma arte grande. Sonho. Mas tinha um problema. Era terça-feira e ele queria a matéria pronta na quinta para ser publicada na sexta.

Entre um parágrafo e outro da matéria da terça, fiz ligações para adiantar personagens, entrevistas, fontes. Para confirmar se o tal projeto-piloto que tinham me falado procedia, fui ao bairro no dia seguinte. Meu tempo era curto, fui na hora do almoço. Bati de porta em porta perguntando há quanto tempo o morador vivia ali, como era o abastecimento, como estava agora, os hábitos de consumo, se sabiam o que tinham feito no bairro deles. Quando consegui o melhor personagem, corri pra redação.

Baixei da internet um número incontável de documentos relacionados a recursos hídricos. Em um deles, encontrei um dado que me deu o lide da matéria principal. Apurei tanto que tinha a sensação que ia morrer afogada.

Cheguei na redação, na quinta, às 8h e saí às 23h30. O caderno fechava às 21h, no máximo 21h30. Só consegui terminar tudo, depois de gritos, às 22h. Atrasei a edição. Fui embora arrasada. No dia seguinte, levei uma chamada gigante. Tentei argumentar que tive pouco tempo, mas não adiantou. Bronca coletiva dos três editores. Eu tava tão exausta que não consegui dizer mais nada e só fiz escutar e chorar.

Hoje, olhando para aquele dia, vejo que meu maior erro foi ter “apurado demais”. Tinha informações para uma hidrelétrica de Itaipu, mas só precisava encher uma lagoa. Ou seja: parti sem foco. Sem isso, me perdi no meio do aguaceiro. Tinha informação demais, possibilidades de enfoque demais e espaço de menos. Lição aprendida.

Dias depois, inscrevi a matéria em um prêmio de jornalismo que tinha justamente o tema do consumo de água. Na semana passada, quase seis meses depois da publicação da reportagem que arrancou água dos meus olhos, recebi um e-mail dizendo que fui premiada. Dei um grito e muitos pulos. A emoção que dá quando conquistamos algo assim com o nosso esforço é indescritível. Depois que me pus em ordem novamente, respirei fundo e pensei: “Valeu a pena”. Sempre vale a pena.

P.S. A matéria que gerou esse relato está disponível aqui.

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