Não faz tanto tempo assim: do mesmo jeito que os torturadores eram conhecidos quase sempre como "coronel Ubirajara", os censores eram a "doutora Solange", aquela que protegia os pobres, inocentes e sofredores brasileiros do noticiário que, embora verdadeiro, embora importante, eles julgavam inconveniente. Havia uma ditadura, os generais mandavam no país, a censura prévia era não apenas inscrita em lei como defendida, em nome da segurança nacional (e para evitar a divulgação dos malfeitos do Governo), pelos ideólogos do autoritarismo.
Hoje estamos numa democracia, os generais obedecem ao poder civil, a censura prévia é proibida pela Constituição, todos são contra a censura aos meios de comunicação. Todos? Não: o prefeito de São Bernardo do Campo, SP, o ex-ministro Luiz Marinho, do PT, conseguiu censurar um jornal, o Diário do Grande ABC, que mostra fatos verdadeiros e documentados de sua administração. O petista Marinho segue os passos do filho do ex-presidente Sarney, que conseguiu censurar O Estado de S.Paulo. Sarney e Marinho, aliás, já foram grandes adversários. Mas suas posições convergiram, e não apenas no campo da censura aos meios de comunicação que querem informar o público.
Marinho conseguiu em primeira instância o bloqueio de reportagens sobre o descarte de carteiras escolares em bom estado de conservação, que eram enviadas para reciclagem; conseguiu também que o Diário do Grande ABC seja multado todos os dias caso publique alguma reportagem sobre o tema.
Este colunista, que escreve duas vezes por semana no Diário do Grande ABC, revive os velhos tempos, quando trabalhava no Jornal da Tarde, que também sofria censura prévia.
A opinião da imprensa em geral é clara: a medida que atingiu o Diário do Grande ABC, diz a Associação Nacional dos Jornais, equivale à censura prévia e é inconstitucional.
Quanto ao prefeito censor, foi ouvido antes da publicação da primeira reportagem, e suas explicações ocuparam um terço do espaço da matéria (mesmo assim, pediu à Justiça o direito de resposta). Mas, talvez percebendo que na batalha das informações não tinha como ganhar, Marinho preferiu buscar a censura.
E agora?
Já com dois jornais sob censura (fora os outros, que são estrangulados economicamente), está na hora de uma reação coletiva - talvez uma ação direta no Supremo, para que fique claro que ninguém pode se substituir às doutoras Solanges e aos censores militares para evitar a publicação de notícias. Ou então que se revogue de vez a Constituição. Se não é para valer, para que está lá?
A hora da ação 1
O fato é que, quando sente seus interesses econômicos prejudicados, a imprensa atua na hora e em bloco. A Associação Nacional dos Jornais, ANJ, reagiu rapidamente à entrada do grupo português Ongoing no mercado brasileiro de veículos de comunicação, e representou à Procuradoria-Geral da República. O Ongoing abriu um jornal, o Brasil Econômico, está concluindo a compra do grupo jornalístico carioca O Diae já se anuncia que pretende abrir dois jornais em São Paulo, um esportivo e um tablóide de leitura rápida.
De acordo com a Constituição, estrangeiros podem possuir até 30% do controle de empresas de comunicação; e não podem dirigir a parte de conteúdo. O grupo Ongoing alega que sua empresa é controlada, no Brasil, por Maria Alexandra Mascarenhas Vasconcelos, brasileira nata - e esposa de Nuno Vasconcelos, o empresário português que comanda o grupo.
A hora da ação 2
Representação idêntica, embora menos rápida, foi apresentada à Procuradoria-Geral da República pela ANJ e pela Abert, que reúne emissoras de rádio e TV, contra o portal Terra. O Terra veicula notícias; e, segundo a acusação, sua empresa controladora, a Terra Networks Brasil, pertence à Telefónica espanhola.
É briga grande: muitos anos atrás, Samuel Wainer, criador da Última Hora, sofreu dura campanha por não ser brasileiro nato (na realidade, nasceu na Bessarábia, e veio criança para o Brasil). Depois, houve campanhas contra a Rede Globo, por seu acordo com a Time-Life, e a Editora Abril, por ter estrangeiros entre seus proprietários. A lei hoje é mais flexível, mas a guerra continua feroz.
O caso do repórter
E, por falar em Abril, o debate do momento, nos meios jornalísticos, é o da demissão dos quadros da editora de Felipe Milanez, editor da National Geographic, depois de ter feito duras críticas à revista Veja (entre os termos que utilizou, estão "escrota" e "idiota"). O Sindicato dos Jornalistas se opôs à demissão, há comentários contra e a favor na Internet. Discute-se se a liberdade de opinião foi ou não violada.
Comecemos com uma constatação: se a empresa tem o direito de demitir o empregado sem justa causa, pagando-lhe uma determinada quantia, a discussão legal está encerrada. Isto não vale apenas para jornalistas, mas para todas as profissões.
O segundo ponto tem a ver com comunicação. Imaginemos alguém que trabalhe, digamos, na Coca-Cola. Um executivo da Coca não pode ser visto tomando Pepsi (e vice-versa). Imaginemos um executivo da De Soto circulando num Honda e dizendo que o Plymouth, que foi produzido pela empresa em que trabalha, era inseguro. Em termos de mensagem à opinião pública, por que um dos carros fabricados pela empresa seria inseguro e os outros não?
E, finalmente, se a empresa é tão ruim que a principal revista da casa é "escrota", por que ficar nela? O melhor é se afastar o mais rapidamente possível.[Coluna publicada originalmente no site Observatório da Imprensa, em 18 de maio de 2010.]
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