Editor do Jornal Pessoal
A Albrás e a Alunorte, das maiores indústrias de alumínio e alumina do mundo, são nipo-norueguesas desde o mês passado, quando foram transferidas pela Vale para a Norsk Hydro. O negócio foi de quase US$ 5 bilhões, mas ninguém parece ter-lhe dado importância. Importância que é fundamental.
A Albrás é a 8ª maior fábrica de alumínio do mundo, e a Alunorte, a maior planta internacional de alumina. Representaram no ano passado um faturamento bruto conjunto de 4,2 bilhões de reais e um lucro de R$ 385 milhões. Seus ativos somam R$ 9,4 bilhões, o patrimônio líquido é de R$ 6,5 bilhões e o capital social alcança R$ 4,1 bilhões. São as duas maiores empresas do Pará. No dia 2 elas foram completamente desnacionalizadas: passaram a ser de propriedade norueguesa e japonesa. A Vale anunciou que, por quase cinco bilhões de dólares, transferiu suas ações nas duas empresas para a Norsk Hydro, que já era sua sócia na Alunorte. O negócio incluiu o controle da jazida de bauxita de Paragominas, das maiores do mundo, a ser consumado no futuro, e o projeto de uma nova planta de alumina, da CAP, em Barcarena, do tamanho da Alunorte, ou maior.
O negócio pegou de surpresa a opinião pública e o próprio mercado. Embora as negociações tenham durado seis meses, segundo o comunicado da Vale, nada – ou quase nada – vazou dos ambientes de conversação. Foi uma façanha. Tão surpreendente foi o pouco interesse que a revelação causou. Depois de uma cobertura burocrática da imprensa nos primeiros dias, o assunto saiu completamente da pauta – nacional e paraense.
Tempos atrás um processo de desnacionalização tão súbito e profundo quanto este provocaria acesa polêmica. O silêncio atual se explica pela globalização da economia, que atravessou e eliminou as barreiras nacionais? Em parte, talvez. Mas só em pequena parte. Uma razão maior pode estar na convicção de que a Albrás nunca esteve realmente sob o controle da empresa nacional, embora a antiga Companhia Vale do Rio Doce detivesse a maioria das ações nas duas empresas do distrito industrial de Barcarena, a 50 quilômetros de Belém.
A inspiração do projeto foi japonesa, impulsionada pelas profundas transformações que o Japão sofreu a partir do primeiro choque do petróleo, em 1973. O empreendimento era de alto risco na época e por isso foi bancado pelos dois governos, como uma imposição dos entendimentos mais amplos que estabeleceram,. Um dos seus itens mais importantes era a viabilização da exploração das jazidas de minério de ferro de Carajás, as melhores do mundo.
Apesar de todas as aparências em contrário, a Albrás era uma fábrica cativa dos japoneses. A Vale detinha 51% do capital e podia comercializar com liberdade o equivalente da produção, mas a empresa nunca chegou a se identificar com a sua controlada. E quando a expansão da Albrás, que estancou em 460 mil toneladas (esticadas a partir da capacidade instalada inicial de 320 mil toneladas), esbarrou em vários problemas, sobretudo o energético, a Vale se exasperou.
Seu presidente Roger Agnelli, que impôs seu estilo agressivo à corporação, chegou a ameaçar desmontar a fábrica e remontá-la em outro lugar do mundo. Depois, conseguiu licença ambiental para uma grande usina térmica a carvão mineral, de 600 megawatts (mais do que a potência de uma das gigantescas máquinas previstas para a hidrelétrica de Belo Monte). Por fim, participou de um dos consórcios que se apresentou ao leilão da usina no rio Xingu, mas foi vencido.
Todas essas iniciativas se anularam pela transferência das duas fábricas. É um passo decisivo para a Vale abrir mão de presença ativa nesse mercado, que poderá se completar com a venda dos 40% que possui na Mineração Rio do Norte, que explora a mina de bauxita do Trombetas, a maior do país em produção (de 17 milhões de toneladas).
Certamente os responsáveis pela transação contra-argumentarão que a Vale passou a deter 22% da Norsk Hydro, um quinhão considerável. Até a operação, a empresa norueguesa era apenas a terceira maior produtora de alumínio da Europa, mas só atuava na ponta da linha, transformando o metal em produto acabado (extrudado e laminado). Começou em 1999 a enfrentar essa deficiência, que se agravaria com o tempo pela intensificação da concorrência mundial. Enfrentando as resistências das outras multinacionais do alumínio, comprou 5% das ações da MRN, passando a ter suprimento de minério; em seguida, entrou na Alunorte, estabelecendo o elo da cadeia, através da alumina; agora é uma indústria integrada, da matéria prima ao produto final. Passa a ter importância mundial.
É justamente essa a posição que a Vale perdeu. A ex-estatal pode ganhar da perspectiva dos rendimentos financeiros, como associada da Norsk em amplitude internacional, mas perdeu a condição de player, como são tratados aqueles que realmente contam, que têm poder decisório no jogo econômico. O Pará, como o principal Estado do pólo de alumínio no país, passa a ser dominado pelos cartéis (inclusive o nacional, do grupo CBA, da família Ermírio de Moraes), completamente desnacionalizado.
É a consolidação definitiva da regressão à condição de colônia mineral e de semi-elaborados. O Brasil poderia ter quebrado o cartel das “seis irmãs” quando o primeiro choque do petróleo inviabilizou para o Japão a produção própria de alumínio, o mais eletrointensivo dos produtos industriais. Os japoneses não hesitaram em se dirigir para o Pará, que oferecia condições ideais para abrigar uma grande fábrica do metal. Mas os brasileiros também podiam aproveitar essa oportunidade para não ficar dependentes das maiores multinacionais, que impunham o preço no mercado. Numa situação mais equilibrada, a parceria nipo-brasileira podia ser a grande oportunidade para verticalizar por completo o setor e quebrar a espinha dorsal do cartel.
Enquanto a Companhia Vale do Rio Doce foi estatal, havia essa perspectiva. A privatização desviou a empresa desse rumo. Sobretudo quando Agnelli chegou, egresso do Bradesco (que, violando a vedação normativa, modelou a venda da estatal), a prioridade passou a ser engordar os números, maximizando os rendimentos. Marcando passo na escala de produção, a Albrás foi perdendo relevância para a Vale, empenhada em resultados mais imediatos e indisposta a empreitadas mais espinhosas, como a de abrir uma nova frente de geração de energia em grande volume. A Alunorte, sem grande necessidade de energia e aproveitando o melhor preço da alumnina, se tornou bem maior do que sua irmã vizinha, apesar de seu produto valer pelo menos quatro vezes menos. Para a Vale, transferir Albrás e Alunorte para a Norsk Hydro foi um bom negócio. Mas não para o Brasil e o Pará. Muitíssimo pelo contrário.
A empresa norueguesa deverá dar um grande salto, que alcançará as bolsas de valores, com seu novo perfil, de indústria integrada, com acesso a uma valiosa reserva de bauxita (com garantia de suprimento por pelo menos um século) e à maior fábrica de alumina do mundo. Deverá aumentar os rendimentos dos seus sócios, dentre eles, agora, a Vale. Ao mesmo tempo, a participação do governo norueguês experimentou uma sensível queda, de 43,8% para 34,5%, não só para abrir espaço para a mineradora brasileira como prevenir alguma área de atrito e tensão por causa da desnacionalização da Albrás e da Alunorte.
Mas o Pará, que podia se tornar um personagem no cenário mundial, se conseguisse deixar de permanecer empacado na produção apenas de metal primário, volta ao rabo da fila. Em mais este capítulo, vira colônia. Sem dar um ai sequer. Ao contrário do que fez o governo norueguês nesta transação (como já fizera o governo canadense numa situação inversa, três anos atrás, quando a Vale comprou a Inco), o governo brasileiro não se manifestou sobre a questão nem nela atuou. Passou batido. Afinal, para ele, a Amazônia talvez seja como Marte: fica muito distante.
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