Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
Em 1985 o desembargador Nelson Amorim (já falecido), quando era corregedor geral de justiça do Pará, determinou a todos os oficiais de registros imobiliários que suscitassem dúvidas sempre que lhes fossem apresentados para matrícula e registro títulos de propriedade de imóveis em nome de Carlos Medeiros. Era uma providência necessária para proteger o patrimônio público e alertar terceiros de boa fé contra a ação da maior quadrilha de grilagem da história do Pará, da Amazônia, do Brasil e, talvez, do mundo. Graças a vários tipos de ardis, ela se apossou de uma vasta área de terras, com tamanho de 9 a 12 milhões de hectares, espalhadas por 32 municípios, representando quase 10% de todo o território paraense. E desandou a revendê-la sem parar (ver edição anterior do Jornal Pessoal).
A fraude começou em 1975 e só alguns anos depois foi descoberta e começou a ser combatida. Mas a voracidade dos grileiros não foi intimidada. Não só em virtude da extrema lentidão da justiça na apreciação da questão como porque - e mais importante - os advogados e negociantes reunidos no bando contavam com a conivência de magistrados e servidores do judiciário.
O provimento do corregedor aos cartorários, despachado uma década após o início da grilagem, tentava produzir um efeito concreto e eficaz enquanto a justiça não expedisse uma sentença final. Mas foi inútil: os tabeliães continuaram a fazer as matrículas e registros dos imóveis atribuídos a Carlos Medeiros, mesmo sendo público e notório que esse cidadão não existe, é um fantasma.
Em maio deste ano, o juiz federal Osmane Antônio dos Santos mandou fazer o cancelamento, atendendo a uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal contra dois compradores de propriedades rurais inscritas em nome de Medeiros. Um, a Fazenda Diamante, em São Domingos do Capim, com três mil hectares. E outro, de 741 hectares, em São Domingos do Capim.
As áreas foram adquiridas em 1990 e 1986 de um dos prepostos de Medeiros, o administrador de empresas Flávio Augusto Titan Viegas, filho de um advogado do mesmo nome, já falecido, que seria o criador da fraude. Para essas áreas os novos donos conseguiram que o Ibama expedisse, em 1991 e 1990, autorização para Planos de Manejo Florestal Sustentado, também anulados pela sentença do juiz.
Assim, a justiça federal faz o que a justiça estadual não completa há 35 anos: a anulação da maior de todas as fraudes fundiárias praticadas contra o Pará. Ela começou quando o advogado Flávio Viegas conseguiu extrair uma carta de adjudicação do inventário dos bens deixados pelos comerciantes portugueses Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza, constituído na década de 20 do século passado. Os bens eram títulos de sesmaria expedidos pelo rei de Portugal.
Em seguida o advogado fez juntar aos autos do inventário uma ação declaratória que reconheceria a legitimidade dos bens integrantes do patrimônio. A ação foi acolhida pelo juiz Armando Bráulio Paul da Silva, que expediu uma carta de sentença, com a qual os grileiros passaram a fazer os registros imobiliários. O juiz foi posteriormente flagrado pela polícia recebendo propina em outra ação e colocado em disponibilidade pelo poder judiciário, aposentando-se.
Misteriosamente, os autos do inventário e todos os seus penduricalhos, mesmo com oito volumes e 2.685 páginas, sumiram do cartório em Belém. Os advogados pediram e conseguiram a restauração dos autos, deferida pela juíza da 2ª vara cível (depois desembargadora, já aposentada) Rosa Portugal Gueiros.
As grosseiras manobras foram combatidas pelo Iterpa (Instituto de Terras do Pará), que recorreu da decisão, pedindo a nulidade absoluta da sentença do juiz Armando Bráulio. A medida foi concedida por uma das câmaras cíveis do tribunal de justiça, contra o voto do relator, desembargador Calistrato Alves de Matos (também já falecido), que não reconhecia o pedido. Mas prevaleceu o entendimento do revisor, o mesmo desembargador Nelson Amorim. Ele mostrou que o juiz Armando Bráulio jamais podia ter declarado a legitimidade dos bens, que para se tornarem perfeitamente legais precisavam apenas da expedição do título de propriedade.
O desembargador advertiu que o juiz não tinha competência "de declarar legitima uma posse para que seja considerada propriedade. Para que fosse feito tal julgamento, o juiz teria que presidir uma audiência de demarcação, apreciar as confrontações, os limites. e dentro dos ditames da lei que naquela altura previa que ninguém podia adquirir propriedade de terras devolutas com mais de 4.000 hectares".
Na sua ação civil pública perante a justiça federal, o procurador Felício Pontes disse que "o que mais nos causa espécie nesse episódio todo é que a sentença da Dra Rosa Portugal Gueiros foi cumprida pelos Cartórios, apesar de não ter transitado em julgado, resultando no registro de milhões de hectares de terras publicas em nome de Carlos Medeiros".
Mas também o acórdão que declarou a nulidade absoluta dos registros não foi cumprido: a ação judicial até hoje se encontra em tramitação, em grau de novo recurso na justiça estadual. Carlos Medeiros é um fantasma que tem fôlego de gato, com uma incrível habilidade para circular com desenvoltura pelo teto de zinco quente do judiciário paraense.
Um comentário:
E pensar que o Brasil ja é a sexta economia do mundo, mas com um judiciario de republiqueta da africa
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