Josias de Souza
Infantaria Dilma-2010 lembra a artilharia Alckmin-2006
Há quatro anos, agressividade fez tucano cair nas pesquisas
Moacyr Lopes Jr./Folha
O palco foi o mesmo: os estúdios da Rede Bandeirantes. De novo, o primeiro debate presidencial do segundo turno. Novamente, petê de um lado e peéssedebê do outro. Em outubro de 2006, coube a Geraldo Alckmin socar o baço.
Já na primeira pergunta, quis saber de Lula: "De onde veio o dinheiro sujo" que os “aloprados do PT” usaram para tentar comprar o “dossiê fajuto" contra tucanos? Neste outubro de 2010, foi Dilma Rousseff quem esmurrou o fígado.
Na questão inaugural, acusou o comitê de José Serra de alvejá-la com “calúnias, mentiras e difamações”. E pespegou: “Você considera que essa forma de fazer campanha, que usa submundo, é correta?”
Há quatro anos, Lula saíra pela tangente. Dissera que ele é quem tinha interesse em esclarecer o "trambique todo" do dossiêgate. Um “plano maquiavélico” que só rendera dividendos à “candidatura do meu adversário".
Serra também tangenciou a resposta. Disse que o “caluniado” da campanha é ele, não Dilma: “Até blogs com o seu nome fazem ataques à minha família, aos meus amigos”. Declarou que a rival confunde “verdades e reportagens com ataques”. Citou o ‘Erenicegate’ e a polêmica do aborto.
“Você disse, [em sabatina] na Folha, filmada, que era a favor da liberação do aborto. Depois disse o contrário. As pessoas cobram coerência. Não é estratégia, se trata de não ter duas caras”, fustigou. “Você não tem duas, mas mil caras”, Dilma devolveu.
Em 2006, Alckmin repetiu a mesma pergunta à saciedade: “De onde veio o dinheiro?” A certa altura, Lula abespinhou-se: "Não sou policial, sou presidente da República". Insinuou que seu contendor tinha "saudades do tempo da tortura".
E Alckmin: "Não teve nem a curiosidade de perguntar para seu churrasqueiro?" Uma alusão a Jorge Lorenzetti, um dos “aloprados” pilhados no malfeito de R$ 1,7 milhão. Dilma também martelou a polêmica do aborto a mais não poder.
E, a exemplo de Alckmin, levou aos holofotes uma personagem da cozinha de Serra. “Sua esposa, Mônica Serra, disse o seguinte: ‘A Dilma é a favor da morte de criancinhas’.” Serra não desmentiu a passagem, ocorrida numa favela do Rio.
Dilma manteve-se no ataque por duas horas, o tempo de duração do debate. Lembrou que, como ministro da Saúde, Serra “regulamentou” o aborto nos hospitais do SUS, para os casos em que a gravidez decorre de estupro.
Serra respondeu que apenas disciplinou procedimento previsto em lei desde 1940. E Dilma: “Normatizou e eu concordo. A questão é: Vamos para a hipocrisia e fingir que não vemos as 3,5 milhões de mulheres que praticam o aborto em condições precárias e vão para o SUS? Vamos tratar ou prender?”
Espreme daqui, esquiva dali, Serra soou assim: “Nunca defendi liberação aborto. Você defendeu. De repente passa a dizer o contrário e a se vitimizar com isso. Com relação a Deus, a mesma coisa. Antes, disse que não sabe bem se acredita. Depois, vira uma devota”.
Sempre que precisou sair das cordas, Serra esfregou Erenice Guerra na face de Dilma. Uma, duas, três vezes: “A chefe da Casa Civil, seu braço direito, organizou um grande esquema de corrupção. E você não tem nada a ver, é tudo alheio a você”.
Numa resposta sobre segurança pública, Dilma injetou um tema incômodo para o tucanato. Disse que, em vez de falar de Erenice, Serra “deveria responder sobre Paulo Vieira de Souza, seu assessor que fugiu com R$ 4 milhões de sua campanha”. Serra fingiu-se de morto. E tome Erenice.
Antes de soar o gongo do terceiro bloco, Dilma ensaiou: “No que se refere a Erenice, fico indignada com a contratação de parentes e amigos com critérios que não sejam técnicos. Gostaria de discutir detalhadamente isso no próximo bloco”.
Sobreveio o intervalo comercial. No retorno, Dilma esqueceu a promessa. Nada de Erenice. Privilegiou o ataque à defesa. Do pescoço para baixo, só enxergou canela em Serra. Colou a imagem de FHC no peito do rival.
Mimetizando o Lula de 2006, grudou em Serra a pecha de privatista. Insinuou que planeja privatizar as reservas do pré-sal. Pior: a própria Petrobras. Acusou-o de interromper, em São Paulo, “dois bons programas” do antecessor Geraldo Alckmin.
Pôs em dúvida a promessa de Serra de dar continuidade aos principais pojetos sociais de Lula: Bolsa Família, Prouni e Minha Casa, Minha Vida. Serra defendeu FHC e as privatizações da era tucana. E repetiu que manterá o que estiver dando certo.
Afora a atmosfera bélica, outro detalhe igualou 2010 a 2006. O debate deste domingo teve como pano de fundo a primeira pesquisa Datafolha feita no segundo turno. Considerando-se os votos válidos, Dilma soma 54%. Serra, 46%.
No debate realizado há quatro anos, o primeiro Datafolha registrava placar idêntico: Lula, 54%. Alckmin, 46%. Diferença de oito pontos percentuais. Três dias depois, em nova pesquisa, o Datafolha detectou uma oscilação de Lula para o alto: de 54% foi a 56%. Alckmin deslizou para baixo: de 46% para 44%.
Nas sondagens seguintes, Lula tomou o elevador. Alckmin obteve nas urnas menos votos do que amealhara no primeiro turno. O marqueteiro de Alckmin, Luiz Gonzalez, o mesmo de Serra, atribuiria o infortúnio de 2006 ao excesso de veneno de Alckmin.
A toxidade de Dilma resultará no mesmo efeito bumerangue? O tucanato acha que sim. O petismo avalia que sucederá o oposto. Resta aguardar pelas próximas pesquisas.
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