sábado, 2 de outubro de 2010

O Pará eleitoral é um deserto de lideranças?

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal

O Pará é um deserto de homens? A julgar pela lista de candidatos à eleição do dia 3, sem dúvida. Há pouca renovação e, dos nomes novos que se apresentam, raríssimos são os que estão fora do cabresto da bipolaridade de poder a que o Estado foi condenado há muitos anos. São os mesmos os que se sucedem no mando público. Dentre eles, em escala crescente, pessoas da mesma família.
Dos cinco candidatos a governador, apenas dois foram apontados nas pesquisas com possibilidade real de vitória. Ambos são também os únicos que se apresentaram à frente de uma coligação de partidos. A maior delas, com 14 agremiações, tenta a reeleição da governadora Ana Júlia Carepa, do PT. No seu mandato de quatro anos, que está expirando, o que a marcou foi o maior índice de rejeição de um governador desde que há esse registro.
A rejeição, que já se aproximou de 70%, hoje está em 42% e é, de longe, a maior dentre todos os candidatos. Nem o calor da imensa popularidade do seu maior cabo eleitoral, o presidente Lula, nem os múltiplos recursos da máquina oficial conseguiram reduzir a um patamar mais confortável a predisposição do eleitor contra ela. Se os resultados da pesquisa estão corretos, resta a Ana Júlia procurar atravessar para o 2º turno e, no novo confronto, absorver mais energia do poder, que o seu partido controla no país e no Estado.
Não é tarefa de todo impossível, mas está muito longe de ser fácil. Enquanto os candidatos petistas aos executivos estaduais, especialmente os que disputam o segundo mandato, estão no topo ou disputando para valer a vitória com poucos concorrentes, a governadora do Pará conseguiu a verdadeira proeza de ser o azarão. Só por alguma circunstância não detectada até agora, ela conseguirá ir para o 2º turno e, por uma dessas surpresas próprias da computação dos votos depositados pelo eleitor, conquistar mais um quatriênio.
Para fazer o quê? A parte majoritária do eleitorado parece não acreditar que Ana Júlia possa ser diferente do que foi até agora: um verdadeiro desastre, independente de intenções e discursos. Por isso, o favoritismo de Simão Jatene, do PSDB, veio mais por gravidade, pela decepção dos eleitores que deram a vitória à coligação PT/PMDB de 2006, do que pela pregação do ex-governador. Tendo rejeitado a continuidade dos tucanos por mais quatro anos, o eleitor os quer de volta, o que não é de espantar, considerando o que fizeram os petistas no poder.
O eleitor de 2010 está confirmando sua desaprovação ao médico Almir Gabriel, que atropelou o propósito do então governador Simão Jatene de exercer o mesmo direito do seu antecessor, em 2006, como candidato nato à reeleição. Bem diferente de Ana Júlia, Jatene tinha saldo positivo no conceito da população, apesar das muitas – e procedentes – críticas que recebeu. Seria o favorito se se apresentasse. A volta de Almir, passados quatro anos, parecia um despropósito e um abuso. O povo optou pela mudança.
Mas ela não veio. O que se confirmou foi o que muitos anteciparam quando a manobra sagaz de Jader Barbalho tornou possível a vitória de Ana Júlia: ela se tornaria sua maior adversária dela mesmo. Seu carisma e sua efetiva militância partidária lhe possibilitaram uma triunfante carreira política, porém sempre solitária. A necessidade de comandar uma administração pública com equipe reduzida, sectária e sem maior expressão político-eleitoral a levou a sucessivos desastres.
Uma vez ultrapassada a tolerância do eleitor, mesmo o mais desinformado, a reconquista é tarefa para grandes políticos. Não é o caso de Ana Júlia. Se as expectativas se confirmarem, seu papel pioneiro de primeira mulher no comando do executivo paraense se restringirá a um mandato.
Quem quer votar num governador à altura do que se considera necessário e justo ao Pará ficou sem alternativas. Mais simbólica dessa pobreza, porém, é a disputa para o Senado, a instância do sistema bicameral brasileiro que mais oportunidade de participação oferece às unidades federativas, concedendo três cadeiras a cada uma delas, independentemente de sua grandeza demográfica ou econômica.
Para as duas vagas em disputa, apenas 11 candidatos se apresentaram, talvez a menor relação vaga/candidato de todos os tempos. Somente cinco desses candidatos podem ser votados sem qualquer restrição. Três tiveram seus registros indeferidos pela justiça eleitoral, um renunciou e dois participam da eleição graças a recursos que apresentaram contra o indeferimento pelo TSE.
Dos cinco “fichas limpas”, apenas quatro (dois do PSTU e dois do PSOL) não têm nada desabonador – penal e civilmente – em seus currículos. O candidato do PSDB, Fernando Flexa Ribeiro, o 2º mais citado na última pesquisa, já passou pelo constrangimento de ser preso e algemado sob a acusação de desvio de dinheiro público.
A mais importante renovação na disputa senatorial – e, de resto, em todo processo político estadual – virá caso o Supremo Tribunal Federal confirme a plena vigência da lei da ficha limpa já para esta eleição, tirando do páreo o maior líder político atual do Estado, o deputado federal Jader Barbalho, do PMDB, além do terceiro mais cotado, o petista Paulo Rocha. Ambos desmentiram suas anunciadas renúncias e garantiram que suas campanhas irão até o fim, serão eleitos e depois empossados. No entanto, a incerteza ronda suas cabeças e a espada da justiça permanece suspensa em sua direção.
Mesmo que tenha inconsistência interna, produzida pelo oportunismo do político de quem a remendou no Senado, a lei da ficha limpa tem uma ação moral aprovada pela esmagadora maioria da população. Indiferente ao preciosismo formal dos juristas e revoltado com a irresolução da mais alta corte do país, o povo aprova o expurgo, mesmo que feito ao atropelo do melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial. Em sua mente, soa melhor o ditado de que Deus pode agir bem por linhas tortas.
Muitos dos fichas sujas deviam se livrar da punição se a lei fosse aplicada conforme as regras legais, o que daria razão aos cinco ministros que questionaram a sua constitucionalidade no STF. Também é verdade que esses maus políticos já deviam ter sido punidos em outras ocasiões, conseguindo escapar graças aos bons e caros advogados contratados, ou a algum detalhe formal, agora é elevado à condição de quintessência da justiça.
A cisão entre o rigor formal da lei e o clamor nacional é uma das responsáveis pela inusitada situação em que o STF ficou, de chegar ao fim da apreciação e votação da matéria sem decidi-la, como a sugerir que agora só resta interceder junto ao bispo (ou ao próprio Deus). O impasse excêntrico revelou as virtudes e as fraquezas do Brasil, as conquistas da democracia atual e suas falhas, tudo isso fluindo para uma constatação: ainda falta muito para que ela se torne um bem consolidado.
Se houve esperteza de alguém no Senado para inocular o vírus da inconstitucionalidade num projeto de gestação popular, acreditando que o mal se revelaria insanável quando da votação, a pressão pública funcionou como contrapressão. Foi uma surpresa, para a qual os mais espertos se prepararam.
Não se pode deixar de destacar o fato de que os três grandes partidos (PMDB, PSDB e PT) apresentaram apenas um candidato para as duas vagas. É uma tática oportunista, que acabou favorecendo o candidato – digamos assim – dotado de maior audácia. Fernando Flexa Ribeiro fez a dobradinha mais explícita com Jader Barbalho e, beneficiando-se do impacto negativo do risco de cassação da candidatura de Paulo Rocha, passou à frente do petista.
Jader Barbalho, além de ser candidato único, ficou sem seus dois suplentes: Ann Pontes foi impugnada e João Nazareno da Silva renunciou. O que, na hipótese de ter seu registro indeferido, lhe possibilitará escolher a dedo quem o substitua. Poderá ir além na composição com um dos grupos que ficará na gangorra, sem contar com o trunfo do seu candidato ao governo, Domingos Juvenil, que não impressionou o eleitor como José Priante nas duas últimas eleições.
Seria esta a forma de Jader reduzir o tamanho do prejuízo que se lhe apresenta no judiciário, o que demonstraria mais uma vez a sua argúcia política. Mas nem toda experiência e influência, que vinham mantendo sua confiança na confirmação da sua candidatura, o livrarão do desgaste. A perda de eleitores começou mesmo antes do pronunciamento definitivo da justiça, com a queda na sua preferência e indicações de que sua votação deverá ficar abaixo dos dois milhões de votos, que era sua meta inicial. Pela voz do povo, o poder do coronel Jader Barbalho estará em xeque antes que a instância legal dê o veredito final.
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