sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O acidente da Hungria e a realidade no Pará

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal


No dia 4 de outubro, rompeu-se a barragem do lago de rejeitos de uma fábrica de alumina instalada na vizinhança do povoado de Kolontar, na Hungria, que vinha vazando havia pelo menos quatro meses. Pela fissura, de 50 centímetros de largura, passaram mais de um milhão de metros cúbicos de lama vermelha (ou 100 milhões de litros), que se espraiaram por uma área de 40 quilômetros quadrados (ou quatro mil hectares). Foi o maior desastre ecológico da história da Hungria e um dos mais graves ocorridos recentemente na Europa. Nove pessoas morreram afogadas e 150 ficaram feridas.
O acontecimento podia ter interessado os paraenses. A 50 quilômetros de Belém funciona a maior fábrica de alumina do mundo, a Alunorte, hoje sob o comando da norueguesa Norsk Hydro, que adquiriu o controle acionário, até então em poder da antiga Companhia Vale do Rio Doce. A Alunorte também despeja num reservatório semelhante o rejeito da lavagem química do minério de bauxita, da qual resulta a alumina (ou óxido de alumínio), de aparência semelhante ao açúcar. Submetida a um processo eletrolítico, a alumina se transforma em metal, o alumínio.
Nos últimos anos as empresa de alumina têm se empenhado em mudar a imagem dos rejeitos que geram. Quase não utilizam mais a expressão lama vermelha, por seu impacto imediato, logo associado ao perigo e ao risco de contaminação por produtos químicos tóxicos. A intenção era mudar a expectativa, destacando que o rejeito é praticamente inerte. Pode até ser usado para a fabricação de tijolo, como é feito em Barcarena.
O acidente húngaro pode inutilizar esse esforço e fazer as autoridades voltarem a tratar a lama vermelha como uma ameaça, caso os reservatórios em que é acumulada não recebam tratamento rigoroso e eficaz. Isso pode ter ocorrido na Hungria, na sucessão de transformações ocorridas no país desde o fim do comunismo, em 1989, com as privatizações das empresas estatais que atuavam em setores importantes, como os do ciclo do alumínio.
Maior rigor no tratamento dos resíduos industriais parece não ter havido na Hungria. Mal ocorreu a enxurrada, ficou claro que as aglomerações humanas vizinhas da barragem estavam expostas aos danos de um acidente. Exaurida a lama, que cobriu todo um bairro de Kolontar, onde viviam 800 pessoas, começou a construção de um dique de cinco metros de altura entre o reservatório da fábrica e o outro vilarejo, que não foi atingido e escapou ao destino trágico do bairro ao lado: inviabilizado o retorno dos seus habitantes, terá que ser todo demolido e provavelmente jamais será reconstruído.
A proteção fora prometida aos moradores, mas nunca chegou a ser executada. Teria reduzido bastante os danos causados. Além dos prejuízos no local, que acarretaram multa de 102 milhões de dólares e a temporária estatização da fábrica pelo governo húngaro, o efeito mais nocivo do rompimento da barragem seria a contaminação do rio Danúbio, o segundo maior e um dos mais belos da Europa, e o assoreamento ou a perda de vida em drenagens da bacia.
Os técnicos do governo e da empresa asseguraram que esse impacto não ocorrerá, mas ainda são incertos os efeitos no longo prazo da penetração da lama tóxica, com componentes químicos como a soda cáustica. Apesar das mensagens tranqüilizadoras, quem trabalhou na recuperação e salvamento usou máscaras, luvas, botas e macacões impermeáveis. A lama é cáustica e um pouco radioativa, podendo queimar a pele.
O problema não está só na massa líquida. Com o ressecamento, o barro vermelho começou a ser levantado pelo vento e espalhado pelas redondezas, afetando a qualidade do ar. O pó é considerado cancerígeno.
Pode ser que o acidente tenha sido descrito com cores mais fortes do que as realísticas, mas o fato foi suficientemente grave para recolocar em debate as medidas de proteção e de fiscalização das fábricas, sobretudo das que geram rejeitos tóxicos. Se os europeus vão rever as situações, cabe-nos também voltar a considerar as mesmas providências em relação ao distrito industrial de Barcarena, o mais importante do Pará.
Quando houve um vazamento na Alunorte falou-se na necessidade de elaborar e colocar em prática um plano diretor para toda a área, onde já é grande a concentração de grandes unidades industriais de alumínio, alumina e caulim. O acidente da Alunorte não chegou a provocar um grande impacto ecológico e humano nem a causa do acidente pode ser atribuída à negligência ou falha da empresa. O que provocou o transbordamento dos diques foi uma chuva excepcionalmente intensa: em hora e meia de um único dia a precipitação foi de 105 milímetros, equivalente a 30% do total médio histórico para todo mês de abril, que é o mais molhado do ano, conforme a empresa então explicou. Teria sido apenas "um fenômeno da natureza" e não falha humana.
Houve transbordamento - mas não rompimento, como aconteceu na Hungria - de um canal que conduz água e resíduos de bauxita, contaminados por soda cáustica (usada no processo industrial), para tratamento e despejo na drenagem natural. Os efluentes caíram diretamente no rio Murucupi, antes de serem submetidos a tratamento para neutralizar seu pH e impedir danos à natureza e ao ser humano. Não houve "qualquer risco para a saúde das pessoas ou uma evidência forte para ocorrência de mortandade de peixes", garantiu a Alunorte na época.
Logo depois do acidente a Alunorte contratou dois consultores para monitorar as águas em paralelo ao seu próprio acompanhamento do processo industrial, e não encontrou elementos para caracterizar um desastre ambiental ou danos significativos. Mesmo assim, foi multada, tanto pelo órgão federal, o Ibama, quanto pelo estadual, a Sema.
A empresa rejeitou a acusação que lhe fizeram, mas a pergunta que imediatamente se podia fazer era se a margem de segurança para as barragens que abrigam ou drenam os resíduos era correta. Os técnicos argumentavam que era. Mas quando concediam entrevista coletiva, não dispunham de números sobre séries históricas de observação das precipitações pluviométricas para comprovar que a chuva do dia 26 de abril estava fora dos padrões históricos, por isso extrapolando a margem de segurança das obras de engenharia.
O presidente da Alunorte, Ricardo Carvalho, prometeu então que a empresa formularia um projeto para a formação de um condomínio ambiental com as outras unidades do distrito industrial, o que possibilitaria rever e adequar suas instalações de uma forma global. No momento em que comemora 15 anos de funcionamento, fazendo festa e lançando um livro sobre a sua história, a empresa podia transformar a promessa em realidade. Este seria o melhor presente seria para a comunidade. E para todo país.

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