Lúcio Flávio Pinto:
Belém- Na primeira das muitas vezes em que fui mandado para o gabinete do diretor pelo conselheiro, o mineiro ranzinza (e meu adversário personalíssimo) Efigênio Passos, o que devia ser um carão acabou se convertendo numa agradável surpresa. O padre Guido Tonelotto, que nessa época estava completando 40 anos de idade, se surpreendeu com os meus rudimentos de francês e decidiu que conversaríamos na língua de Molière, por ele traçada com gosto e competência, com o bico mais caprichoso possível para as vogais finais.
Enquanto o padre conselheiro imaginava que minha demora com o diretor se devia a qualquer castigo aplicado, eu estava era lendo alguma coisa em francês ou, quando meu interlocutor saía, assistindo a um programa da TV Marajoara, que tateava na engenhoca. O diretor tinha um aparelho Philco cujo atrativo era o tubo de imagem móvel, que girava de um lado para outro. Tínhamos em casa outra dessas fontes de atração de “televizinhos”.
Tornei-me um dos “peixes” do diretor do Colégio Salesiano Nossa Senhora do Carmo, onde permaneci por cinco intensos anos, do admissão à quarta série do ginásio. Acumulei alguns prêmios e muitas suspensões. No último ano foram 10. Com três, devíamos ser expulsos, mas o diretor relevava. A fim de desfazer a má vontade do padre responsável pela disciplina e pela limpeza no apresentar-se (dos outros), padre Guido me indicou para participar de um programa da televisão, “Na batalha da vida só vence quem estuda”, apresentado – se não me falha a memória – pelo tonitruante José Sarraf Maia.
Guido Tonelotto se destacava dos outros salesianos por sua cultura e seu jeito sofisticado de ser. Nascido em Veneza, começara sua vida sacerdotal em Pádova, num circuito italiano de intensidade cultural. Quando deixei o Carmo, e ele ainda ficou por lá algum tempo, imaginei que voltaria à Itália para cultivar suas aptidões. Retornou, de fato, a Verona (minha cidade favorita), mas por pouco tempo. Estava apaixonado pelo Brasil e pela assistência aos pobres e necessitados.
Os últimos 25 anos de sua missão, ele as viveu em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde morreu, em 29 de outubro, aos 89 anos. Senti a perda como se nos tivéssemos encontrado dias antes, no saudoso Colégio do Carmo. Guido Tonelotto, mais que diretor ou guia espiritual, concedeu ao moleque irrequieto, naquela passagem dos anos 50 para os 60, o privilégio da sua amizade. Profícua e imorredoura.
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