Lúcio Flávio Pinto
Paraense não sobe escada, não entra em galeria e não cumprimenta. Quanto aos dois primeiros (maus) hábitos, o problema costuma ser apenas comercial. Quem quiser vender que atente para esses detalhes. Se pudesse, o paraense iria montado no seu carro (que maneja nas ruas como se fora uma canoa: buscando o canal de passagem) até o ponto de destino, qualquer que ele fosse: dentro de uma loja, no altar da igreja, no supermercado.
Quanto ao último, é uma questão social relevante. Em suas origens mais remotas, é possível que essa notória falta de educação seja mais uma das evidências sobre a desigualdade social no Brasil, que desafia o crescimento econômico. Os párias sociais não podiam tomar a iniciativa de se dirigir à pessoa considerada superior. Precisavam esperar por uma provocação, que podia se materializar numa pergunta ou numa ordem. Até esse momento, deviam guardar silêncio ou se manter em alerta para a manifestação do doutor.
Acho que essa é a matriz do inconsciente coletivo, do silêncio ao cumprimento das pessoas da base da pirâmide social desta terra profundamente injusta ao cumprimento. Não saúdam porque não lhes compete a primeira palavra. Respondem, mas em geral em voz baixa, surpreendidas, certas do “seu lugar”. Liberadas, revelam sua amistosidade, prestatividade, solidariedade, seus dons naturais. Por isso mesmo, perdem preciosas oportunidades de relacionamento por essa prática de cruzar com as pessoas como se elas não estivessem ali ao lado.
Essa teoria não se aplica aos donos do topo da estratificação social. Estes costumam ser mal-educados, arrogantes, indiferentes, daquela indiferença mortal que o jovem Alberto Moravia caracterizou no seu primeiro romance, justamente com esse título (Os Indiferentes). Mesmo que sem se dar conta, esses senhores ainda querem manter a diferença de berço (o herdado ou, cada vez mais, o roubado).
No fundamental, esse hábito é um estorvo para a civilidade, a regra básica da convivência na cidade, que ameniza os inconvenientes da vida coletiva e finca normas de aplicação comum. Por isso, cabe como luva a uma das necessidades de Belém uma campanha para estimular as pessoas a se cumprimentarem, rompendo preconceitos individuais ou condicionantes históricas subterrâneas. Uma campanha que podia ter um título parecido com “Fale: a vida será melhor”.
Será mesmo. Nas minhas caminhadas, já fiz esse teste várias vezes. Cumprimento as pessoas que cruzam comigo, mesmo aquelas de aparência indiferente ou hostil. O resultado é altamente superavitário. Há os que estão sempre de mal com a vida, mas são minoria. Olho para trás e constato um rio de satisfação no meu rastro.
Algumas pessoas demoram a reagir, mas reagem, mesmo quando já dei alguns passos no outro rumo. Parecem sentir-se valorizadas. Sua surpresa é agradável. Imagine-se se outdoors estivessem espalhados pelas cidades e suas emissoras de rádio e televisão veiculassem a mensagem de incentivo ao cumprimento. O principal: folhetos, historinhas e brincadeiras nas escolas demonstrando que a boa convivência, mesmo que rápida ou única, é um dos caminhos para a cidadania positiva. Sem a qual a nossa cidade não se libertará das amarras do mau humor e da agressividade.
Custa tentar?
Um comentário:
Companheiro, parabéns pela abordadem lúcida e bem fundamentada do assunto em tela
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