Ruth Rendeiro*
Os parisienses dizem que a Torre Eiffel tem duas personalidades bem distintas. De dia é uma senhora que não consegue ocultar sua idade. Basta olhar com mais atenção pra perceber suas rugas, ranhuras, pés de galinha e oxidações, mas que mesmo assim a todos encanta e seduz. Ela realmente é de tirar o fôlego Foi assim que fiquei: sem voz, pálida e com as lágrimas escorrendo pelo rosto. Explodi, para a surpresa e preocupação dos companheiros de excursão e não conseguia conter nem mesmo os soluços. Pode parecer exagero, mas eu tinha certeza que seria assim. Se esse dia se materializasse, seria exatamente assim. E foi !
A vi primeiro como uma nobre senhora, séria, imponente e não tão bela como imaginara. Mas nem por isso menos sedutora. La dame vieux, mais super élégant !,
Voltei à noite e lá estava la belle dame como se ostentasse todas as jóias do mundo, reluzente, brilhante, ofuscante. Se a luz do dia não consegue disfarçar seus mais de cem anos, à noite é apenas beleza, jovialidade, encantamento.Remoça quando o sol se vai.
O que tanto me atraia nessa torre de 300 metros de altura que mais a antena chega a 320,75 (estava escrito no folheto que entregaram na entrada!)?. Fomos só até a primeira plataforma, a mais baixinha. Muito frio (0 grau!), muito vento e por segurança ninguém podia ir mais além. Nem acredito que algum corajoso topasse ir mais adiante. Mal conseguíamos ficar na sacada onde é possível ver Paris lindamente iluminada aos nossos pés. Confesso que o medo tirou um pouco do brilho.
De fato a Torre Eiffel tem um significado todo especial para mim, Ainda muito jovem, aos 13, 14 anos eu me apaixonei pela língua francesa, pela França. Estudava no Colégio Estadual Visconde de Souza Franco e enquanto meu professor de inglês era um senhor idoso, ranzinza, em fim de carreira, que me levou a abominar o inglês até hoje, meu primeiro professor de francês era um jovem padre francês que acabara de chegar ao Brasil e que tinha o maior orgulho de sua pátria. Monsieur Paul falava arrastado, o R na garganta, o biquinho no u e me apresentou o merci, revoir, bonjour. Depois dele tive o privilégio de ter a doce e meiga professora Risoleta Bandeira (mãe do Chembra, do Walter, da Lúcia.). como a segunda professora de francês. Fiquei mais apaixonada ainda ao ouvir suas histórias e ambos sempre falando da Torre. Essa mesma que vi ao vivo.
Durante três, quatro anos cursei, ora com bolsista ora com a vovó Alzira bancando, a Aliança Francesa. Uma casa de franceses que queriam nos fazer nos apaixonar pela França e nem precisaram se esforçar muito no meu caso, pelo menos. Lembro até hoje a primeira lição ainda naqueles eslaides gastos com um rolo com a gravação que às vezes não conversavam entre si. – Ahhh voilá um taxi ! Taxi !! taxi !! e o moço saia correndo para apanhá-lo. Cheguei à conversação, entendia bem. Mas lá se foram mais de 40 anos e o idioma francês se perdeu entre tantas coisas que ficaram pelo caminho.
Consegui, mesmo com grande dificuldade, me comunicar com os nativos. Percebe-se seu orgulho quando usamos o francês. Não tentam nos consertar e se esforçar por nos entender.
- À quel moment ferme ce restaurant ? (a que horas fecha este restaurante?)
- Où puis-je trouver un public internet ? (Onde posso encontrar uma interne pública ?)
Mas voltando à Torre Eiffel. Eu a vi dezenas, centenas de vezes naquelas imagens quase apagadas pelo tempo no audiovisual da Aliança. A construção que há mais de cem anos foi considerada revolucionária para a época e até hoje é um dos mais importantes monumentos de Paris, da Europa, freqüentou meus sonhos adolescentes, mas mesmo com a maior criatividade que pudesse ter, nunca conseguiria de fato imaginá-la como ela é.
Sabia que iria me emocionar. Paris entrou no roteiro de nossa viagem por insistência minha. Minha filha queria apenas Londres, resultado que se assemelha à minha paixão pela França, afinal ela cursa há seis a Cultura Inglesa. Mas não imaginara que fosse perder o controle e sem nenhum motivo aparente para os que estavam a nossa volta. Todos descem do ônibus, superempacotados protegendo-se do frio, olham para cima e eu olho para baixo. Na verdade olho para a filha como que pedindo socorro. Estava pagando um mico, um king kong e não conseguia me controlar. Não lagrimava, soluçava. As lágrimas corriam livremente e na minha cabeça um filminho passava rapidamente.
Eu estava aos pés da belle jeune !! Eu já a conhecia tão bem, mas nunca a vira. Impossível não chorar, não recordar a dura infância e adolescência quase sem perspectiva e agora, ao lado da jovem filha, aquele gigante de ferro torna-se quase um bibelô frágil, intocável, mas real.
Eu vi, subi, toquei, fotografei e chorei aos pés da Torre Eiffel !! Emoção para poucos. Compreensão para menos ainda. Mas a vida me ensinou que a intensidade da emoção é algo só seu. Há os que se encantam com o desabrochar de uma flor e outros nem percebem que o botão abriu. Realizei um dos maiores sonhos de minha vida. A Torre Eiffel é ainda mais linda do que nos filmes, nos livros e nas minhas lições de francês de tantos anos atrás.
*Jornalista, paraense hoje radicada em Ribeirão Preto (SP)
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