sexta-feira, 18 de março de 2011

A Amazônia antes dos europeus

Eduardo Neves
National Geographic/Brasil
Ao longo da desembocadura do rio Tapajós, ao redor do ano 1000, no mesmo local em que hoje está Santarém, havia talvez outra cidade, parcialmente destruída pelo próprio crescimento de sua equivalente moderna. Se pensarmos sob esse aspecto, Santarém é a cidade mais antiga do Brasil e talvez a única cujas origens remontam a nossa história pré-colonial. Nesse sentido, ela se junta à companhia ilustre de Cusco, no Peru, antiga capital do Império Inca, ou da Cidade do México, erguida sobre a Tenochtitlán dos astecas. As semelhanças com essas duas cidades, no entanto, dizem respeito a suas histórias: Cusco e Tenochtitlán eram capitais de impérios ou Estados centralizados que abrigavam a nobreza, os sacerdotes e uma burocracia organizada.

Esse não foi o caso de Santarém. Até o momento, não se identificaram ali, ou em qualquer outro lugar da Amazônia, estruturas que indicassem algum grau de centralização política ou desigualdade social compatíveis com Estados ou impérios. Mesmo assim, a arqueologia de Santarém mostra um registro bem diferente que a hipótese de limitações ecológicas nos levaria a supor: as populações que ali viviam, conhecidas como tapajônicas, permaneceram séculos
no mesmo local. Eram, portanto, sedentárias.

Embora em estilo diferente, os tapajônicos produziram cerâmicas tão sofisticadas quanto as marajoaras. Nessa mesma região, na margem oposta do rio Amazonas, próximo às cidades de Óbidos e Oriximiná, perto da foz do rio Trombetas, há sítios onde se encontraram cerâmicas parecidas, embora não idênticas, às tapajônicas. Esses sítios são, também, ricos em outros achados: raríssimas estatuetas de pedra polida, de até 50 centímetros de altura, com representações de seres humanos e animais, sugerindo algum tipo de transe xamânico. Restam poucas estatuetas desse tipo conhecidas. Algumas estão em museus brasileiros, como o Emilio Goeldi, em Belém, o Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. A maior coleção, ou talvez a mais bela, está longe do Brasil, embora muito bem guardada - no Museu das Culturas do Mundo de Gotemburgo, na Suécia. Foram coletadas e enviadas para lá na década de 1920 pelo etnólogo alemão Curt Nimuendajú.

As estatuetas da região de Oriximiná, além de sua beleza, têm outro atributo intrigante: a forte semelhança com as estruturas megalíticas encontradas na região de San Augustín, nos Andes colombianos. San Augustín fica a milhares de quilômetros de Oriximiná, embora se encontre tecnicamente próximo às cabeceiras do rio Caquetá, um afluente do rio Solimões. As estátuas de San Augustín são grandes, podem ter 2 metros de altura. Como explicar tais semelhanças, uma vez que nada parecido foi encontrado ao longo dos rios Caquetá, Solimões e Amazonas?

Até o momento, o tema não foi estudado com cuidado. As semelhanças indicam uma possibilidade interessante: o fato de que, nos últimos séculos anteriores à colonização europeia, ocorria intensa circulação de ideias, pessoas e bens atravessando fronteiras culturais, políticas e étnicas pela América do Sul. As semelhanças na iconografia de objetos produzidos em locais tão distantes poderiam ser entendidas com base nessa hipótese. Fora da Amazônia, no sul do Brasil,
é sabido que aventureiros portugueses, como Aleixo Garcia, ainda no século 16, acompanharam índios guaranis em ataques a guarnições incaicas no distante território da atual Bolívia.

É também na região de Santarém que se encontraram o que talvez sejam as cerâmicas mais antigas das Américas, nos sítios de Taperinha e da Caverna da Pedra Pintada, com datas que podem chegar a 6000 a.C., mais antigas que as encontradas na foz do Amazonas. Tradicionalmente, arqueólogos correlacionam o início da produção cerâmica com o advento da agricultura. Na América do Sul, tal correlação não é tão simples: na Amazônia e em outras partes, parece claro que o início da domesticação de plantas antecedeu o início da produção de cerâmica. Em Caral, o centro cerimonial mais antigo das Américas, no litoral do Peru, construído cerca de 5,5 mil anos atrás, dispõe-se uma série de estruturas monumentais de pedra - evidências de agricultura no vale do rio Supe, próximo do qual está o sítio -, mas não há cerâmica associada.

 
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