Guilherme Guerreiro Neto
O Nélio Corrêa tem capacidade para 246 passageiros. São 11 camarotes para duas pessoas, com ar condicionado e banheiro. E vagas para redes nos convés principal e superior e no passadiço, que equivalem a primeiro, segundo e terceiro pisos, respectivamente. Na saída de Santarém, o barco estava superlotado. A contagem da tripulação identificou cerca de 310 passageiros.
Quando o sol dá as caras, os banheiros ficam concorridos. Atrás de cada porta de alumínio há um cubículo azulejado com o chuveiro posicionado praticamente na direção do sanitário. Ao lado dos banheiros, espera por vaga nas pias.
Às 7h45 de sábado, a embarcação aporta no município de Almeirim. Vendedores aproveitam a freguesia de ocasião para oferecer queijo. Dez reais o quilo. Entre os que desembarcam no trapiche semidestruído pela última enchente estão Maria da Cruz Sousa, Maria Ivone Barbosa, Nilda Gomes, Maria Euciclei de Sousa e Franceli Reis. Elas ficam para prestar concurso público municipal no dia seguinte.
As cinco são freiras da Congregação das Irmãs Franciscanas Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria. Mantêm os votos de pobreza, obediência e castidade. O que ganham como professora, enfermeira ou auxiliar administrativa, por exemplo, vai para a Congregação. Apenas Nilda e Maria da Cruz usam hábito – vestido bege e véu branco sobre os cabelos. Franceli, a mais encabulada, foge enquanto converso com as outras.
Quatro irmãs vindas dos Estados Unidos na década de 1960 fundaram a Congregação em Santarém. Primeiro abriram a Maternidade Sagrada Família. Só em 1988 receberam permissão para formar noviças e freiras.
Lá se vão 20 anos desde que Maria da Cruz, com 55, fez voto perpétuo. Ter ensino médio completo é requisito para iniciar os estudos como postulante a freira. Conseguir, para ela, não foi pouco. “Minha mãe era analfabeta, meu pai era analfabeto. Não tenho vergonha de dizer isso. E meus irmãos mais velhos foram trabalhar pra gente estudar.”
As mais novas vivem os dilemas da juventude. Maria Euciclei tem 21 anos, está no noviciado. Ainda é menina de voz doce e cabelos ondulados. Enfrentou a desaprovação inicial do pai quando decidiu seguir carreira religiosa. Viu as colegas de escola casarem e terem filhos. Mas não se arrepende da escolha que fez.
Se tem uma coisa que Nilda, de 26 anos, sente falta é de dançar. Não, não que ela fosse festeira. “Eu dançava em casa mesmo. As minhas irmãs tão de prova”, tenta se explicar depressa, baixando a cabeça e levando a mão ao rosto para disfarçar o acanhamento. Maria Ivone, responsável pelas irmãs no Brasil, percebe que a procura de moças pelo noviciado diminuiu. “A maioria não quer ter mais esse tipo de compromisso.”
As missões religiosas contemporâneas na Amazônia também são capitaneadas por Igrejas Evangélicas. O município de Porto de Moz, no Pará, é a casa de Timóteo Kubacki, missionário da Igreja da Vinha – Vineyard, em inglês. Há quatro anos, ele e a família deixaram a vida de Ohio, nos Estados Unidos, para fincar raízes na floresta tropical brasileira.
Médico, Timóteo trabalhava como diretor de emergência em um hospital. Largou tudo para, como diz, “ajudar pessoas com vida mais difícil”. Não pode exercer a medicina no Brasil. Nas comunidades onde trabalha, ensina inglês, entrega filtros d’água e encoraja o relacionamento das pessoas com Deus.
Aos 49 anos, exibe pele branca avermelhada pelo sol, sandália alpercata nos pés e um português falado com esforço e algum sotaque. Às vezes, ser visto como estrangeiro o deixa pouco à vontade. “Quando nós viajamos, com certeza. Porque somos claramente gringos, um pouco diferentes. Mas onde nós moramos, não. Eles nos aceitam muito, entende?”
Timóteo tem quatro filhos: duas moças, dois rapazes, todos adolescentes. Estão muito bem ambientados na região. Os meninos vão com ele no barco. Benjamin passa o tempo sossegado na rede enquanto o irmão mais velho, Luke, faz investidas para cima de moçoilas acobreadas que saracoteiam pelo convés. Os três, pai e filhos, descem em Almeirim, de onde seguem para Porto de Moz ao encontro das mulheres da família.
Permanecem no navio outros estrangeiros. O holandês Vincent Bronkhorst, engenheiro de tráfego, aproveita as férias na América do Sul com a família. Esteve entre 2002 e 2003 no continente, mas esta é a primeira vez no Brasil. Um grupo de universitários de Tóquio, no Japão, está em meio a uma volta ao mundo. A aventura começou em setembro e vai até março de 2010. Antes do Brasil, passaram por países como Índia, África do Sul, Quênia, Dinamarca, Egito e Venezuela.
Universitários japoneses
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