André Borges
Valor Econômico
Entre  as várias ações compensatórias exigidas para a liberação da  hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), há uma de completa  urgência que, até agora, nem o governo nem o Consórcio Norte Energia  conseguiram entregar: a informação correta e objetiva à população local  sobre como suas vidas e a região serão afetadas pela maior obra  energética do país.
Durante  uma semana, o Valor conversou com ribeirinhos, representantes  indígenas, diretores de associações, donos de comércio e simples  habitantes da região.  A reclamação de falta de clareza sobre a obra e  seus impactos é unanimidade entre os habitantes das principais cidades  que margeiam o Xingu.  Embora o governo e empresários insistam na tese  de que Belo Monte é o projeto de hidrelétrica mais estudado da história,  com 35 anos de análises, polêmicas e alterações, a realidade mostra que  até agora pouco desse conhecimento foi de fato traduzido para a  população, uma situação que só faz aumentar os conflitos em torno da  obra.
Na  sexta-feira, o governou oficializou a criação de um grupo para liderar  as ações sociais ligadas a Belo Monte.  Durante a cerimônia do chamado  "Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do  Xingu" - que reúne a Casa Civil, o governo do Pará e os prefeitos dos  onze municípios que serão atingidos pela construção da usina, além de  uma série de ONGs e associações - cerca de 50 manifestantes entraram no  centro convenções de Altamira para protestar contra a criação do comitê e  a maneira com que o governo federal tem conduzido o projeto.  
Houve  gritaria, choro, dedos apontados para a cara de prefeitos e cartazes de  protestos.  A Polícia Militar e a guarda municipal foram chamadas para  acalmar os ânimos.  Com faixas espalhadas pela sala, os manifestantes  afirmavam que a "tropa de choque do governo federal vai gerenciar a  morte da Amazônia".  O governo da presidente da República, Dilma  Roussef, que já foi ministra de Minas e Energia, foi chamado de  "ditador, prepotente e autoritário".
Pouca informação foi levada à população, uma situação que só faz aumentar os conflitos em torno de Belo Monte
Para  evitar bate-boca, os representantes do comitê deixaram que os  manifestantes do Movimento dos Afetados por Barragem (MAB), lideranças  indígenas e do Movimento Xingu Vivo para Sempre se pronunciassem.   Moisés da Costa Ribeiro, porta-voz do MAB, disse que Belo Monte foi um  projeto "feito nas gavetas de Brasília", que o povo da região não será  beneficiado pela obra e que a usina não é um fato consumado.
Os  protestos foram aplacados com a resposta dos prefeitos e deputados  presentes.  Odileida Sampaio (PSDB-PA), prefeita de Altamira, disse que  "está na hora de o projeto de Belo Monte ser tratado de maneira séria e  não passional".  Esse alegado sentimentalismo que governo e empresários  tanto querem evitar, no entanto, nada mais é que o resultado da escassez  de informações que chegam à população, e muitas vezes confusas e  distorcidas, comenta Doto Takak-Ire, líder caiapó na região do Xingu  médio e coordenador da Funai em Altamira.
Quando  o governo anunciou que o Ibama havia liberado a licença de instalação  de Belo Monte, na quarta-feira da semana passada, a informação correu  feito pólvora entre as milhares de casas erguidas sobre as palafitas dos  igarapés em Altamira e região.  Até agora, não se fala em outra coisa  entre os barracos espalhadas nas margens.  Todo esse barulho, no  entanto, está impregnado de dúvidas e apreensão.  As quase 20 mil  pessoas que vivem na região sabem que, em algum momento - e esse momento  deve ocorrer em breve - terão de sair dali para serem reassentados em  outro local.  O que elas ainda não sabem é para onde ir, em que  condições, com que tipo de compensação.
Dúvidas também se espalham pelas margens e ilhas do Xingu, onde vivem ribeirinhos que tiram seu sustento do rio
As  dúvidas também se espalham pelas margens e centenas de ilhas que se  formam ao longo do Xingu, onde vivem milhares de ribeirinhos, famílias  que tiram seu sustento do rio.  O relatório de impacto ambiental de Belo  Monte aponta que há cerca de 3 mil pessoas vivendo nessas condições, se  considerada apenas aquelas que habitam a região que será diretamente  impactada pela obra, ou seja, as áreas que não terão mais os ciclos  naturais de cheia e seca, por causa das barragens.
"Acho  que demorou muito para esse negócio acontecer, então ficou todo mundo  meio desacreditado de que a obra começaria algum dia", diz Carlos  Loureiro, dono do restaurante Kalini, lugar onde se come o melhor peixe  de Altamira.  Comprador regular dos peixes fornecidos pelos ribeirinhos,  o Kalini está entre locais que terão de fechar as portas porque a água  vai subir.
"Fazer  o quê?  O progresso tem que vir.  Quando o Estado quer uma coisa, não  tem como ir contra", diz Loureiro, já resignado com a ideia de ter que  levar seu restaurante para outro lugar.
Com  fotos emolduradas que mostram momentos de seca e cheia do Xingu,  fenômeno que faz com que o nível de água oscile em até oito metros de  altura, conforme a época do ano e o humor do rio, Loureiro diz que é  favorável à obra.  "Nossa região precisa melhorar.  E a gente sabe que  quando o governo quer uma coisa, não tem jeito.  Eles vão atropelar a  gente como atropelaram o Ministério Público Federal", diz.  Nos últimos  dois anos, o MPF do Pará tem sido um dos órgãos mais combativos em  relação a Belo Monte.
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