domingo, 14 de agosto de 2011

“Sim!” a quê, cara pálida?

 
João Carlos Bemerguy Camerini*
O Oeste do Pará experimenta um “aparente” consenso acerca da criação do novel Estado do Tapajós. Correntes político-partidárias as mais diversas brandem a bandeira da separação e se reúnem em torno de uma única e singela palavra: “sim!”. Mas sim a quê? Penso que é o que deve ser desde já questionado.
Talvez seja estratégico para os políticos – não, certamente, para a população – conservar, pelo menos por enquanto, essa questão marginalizada e postergar o seu enfrentamento. É que o seu desvelamento implicaria em alto risco de o debate descarrilhar, por um motivo claro e inerente a uma democracia como a brasileira, que vive em eterna crise de representatividade: é muito fácil e rápido aos políticos chegarem a um consenso quanto ao que é bom para eles próprios, como o aumento de seus salários da noite para o dia, ou a criação de um novo ente federativo repleto de cargos políticos vagos, além de outros tantos “toma lá dá cá”. Mas não é tão simples a esses mesmos partidos concordarem quanto ao que é bom para o povo. Aliás, como cidadão, minha tendência é desconfiar de um discurso tão uniforme quanto monossilábico (pois tudo se reduz ao “sim!”) originado de grupos que, na prática, divergem diametralmente em suas concepções do que seja o desenvolvimento regional.
Ocorre que esse silêncio estratégico possui o efeito adverso de abrir margem para as críticas cotidianamente ouvidas, aqui e alhures, de que o grande acordo em torno do “sim!” serviria para mascarar pretensões neocoronelistas de transformar essa região em um curral econômico e eleitoral de um ou outro grupo político.
E quando menciono um curral, digo-o literalmente. Não há dúvidas de que existem aqueles que desejariam ver Santarém transformada numa espécie de “Sinop Amazônica”, bondosa com o agronegócio, mas cruel com as populações nativas e camadas excluídas dessas bolhas de progresso insustentável, extremamente frágeis a qualquer oscilação do mercado de commodities, além de traduzir um sistema econômico altamente mecanizado e gerador de empregos parcos e de má qualidade. Precisam esses grupos entender que campos de monocultivo podem parecer belos para seus padrões estéticos e desejáveis à sua ambição por acúmulo financeiro, mas eles ofendem o espírito amazônico.
De outro lado, estão aqueles que nem mesmo têm um projeto próprio e se limitam a rezar a cartilha do atual Governo Federal populista e nacionalista, que em sua ideologia industrial deseja reduzir a Amazônia a mero insumo de mineradoras transnacionais e expulsar dessa terra comunidades centenárias para dar lugar às empreiteiras que financiam suas campanhas. Para essas elites políticas locais, importa mais se conservar no poder do que empreender uma corajosa luta em prol da construção de alternativas econômicas e sociais independentes. Esse dito governo popular, na prática é autoritário e reatualiza projetos da Ditadura Militar como Belo Monte e a extração intensiva de minério, sem falar que agora planeja crivar a bacia do nosso amado Rio Tapajós com mais de uma dezena de grandes barragens, que não servirão, como nunca serviram, nem para iluminar a várzea do Baixo Amazonas, historicamente carente de eletricidade, nem tampouco para conter as tarifas abusivas impostas ao consumidor mais necessitado.
Portanto, já é hora que colocar as cartas na mesa e esboçar, de modo democrático, um plano de desenvolvimento capaz de dar credibilidade a essa demanda histórica da população oeste paraense, e conferir ao cidadão local a oportunidade de saber com o que, exatamente, irá concordar no plebiscito que se avizinha.
Seria bom esclarecerem, por exemplo, para não ficarmos apenas nas críticas:
O que farão para viabilizar o turismo, além de promover, na época do Çairé, transporte para uma massa local que muitas vezes destrói e desorganiza o potencial turístico da cidade? Essa é uma alternativa econômica inexplorada, que distribui renda e faz girar como nenhuma outra a economia local, do comércio urbano ao artesanato nativo, do setor de entretenimento ao de alimentos, da hotelaria ao agenciamento de pacotes turísticos. Tudo isso disponibilizado a um público com disposição a pagar e sem pressão excessiva sobre os ciclos ecológicos e recursos naturais.
O que farão para que a descida da soja de Blairo Maggi pela BR-163 não traga consigo a desterritorialização das comunidades locais, o êxodo rural e a desfiguração total da geografia e da paisagem oeste paraense? Definitivamente, o caminho não parecer ser o corte dos investimentos na agricultura familiar e o atual abandono dos assentamentos existentes, que não dispõem de incentivo e infraestrutura mínima para a produção.
Como garantir o uso sustentável de nossas florestas, se a lei que prevê a preferência à concessão de florestas públicas para manejo comunitário madeireiro e não-madeireiro não sai do papel, e todas as concessões acabam beneficiando grandes empresas, que são as únicas capazes de satisfazer as intermináveis exigências burocráticas do Governo? Se o aproveitamento múltiplo e racional da floresta em pé não for priorizado, continuaremos entregues à exploração ilegal de madeira que prolifera diante da ausência do Estado, algumas vezes utilizando mão-de-obra semiescrava.
Enfim, qual a proposta desse movimento pelo Estado do Tapajós de modelo energético adaptado a uma Amazônia não-urbana, cortada por grandes e lendários rios, sem agredir e impedir a vida das comunidades ribeirinhas? Não se pode mais continuar com essa lógica ambientalmente injusta que distribui desigualmente os ônus e os bônus do crescimento econômico. Não se pode mais repetir o discurso de que os impactos serão suportados apenas por poucos índios ou caboclos e beneficiarão milhões de “brasileiros”, pois de meia dúzia em meia dúzia já são mais de um milhão de pessoas expulsas por barragens no Brasil.
Assim, aos fautores do novo Estado, se querem superar as críticas e fortalecer esse processo de luta pela autonomia e pelo desenvolvimento a partir das necessidades endógenas do Oeste do Pará, é melhor levarem a sério essas e outras questões, agora que foi dada a largada desse movimento em direção à emancipação de nossa gente e de nossa terra. A sociedade civil está assistindo.


[1] É advogado, mestre em direito socioambiental. Assessor jurídico da Terra de Direitos Organização de Direitos Humanos.

Um comentário:

Paulo Cidmil disse...

Seu texto é de enorme lucidez frente a euforia quase coletiva que vivenciamos.
O SIM virou uma cortina de fumaça atrás da qual a quase totalidade dos políticos esquiva-se de perguntas como as que você faz e procuram surfar no otimismo geral empunhando a bandeira da rendeção para nossa região.
A imprensa e a sociedade civil precisam sabatiná-los para saber por exemplo qual o plano estratégico de desenvolvimento dos Partidos e Movimento Pró Tapajós.
Logo após plebiscito virá eleição para governador, senado e câmaras. Esse processo plebiscitário, do jeito que esta sendo posto, acaba por criar mitos, dos quais muito tenhamos que lamentar no futuro