Lúcio Flávio Pinto
Foto: http://projetononame.blogspot.com |
Só uma ditadura podia ter imposto à nação uma hidrelétrica como a de Tucuruí, no rio Tocantins, no Pará, construída entre 1975 e 1984. Quando foi inaugurada, em setembro desse ano, seu custo crescera de 2,1 bilhões de dólares para US$ 4,7 bilhões. Ao final, ultrapassaria US$ 10 bilhões, sem que as autoridades se interessassem em buscar as causas de majoração desse porte.
Uma das denúncias feitas foi de ter havido corrupção na obra. Um adido militar brasileiro em Paris chegou a fazer a denúncia contra o então embaixador Delfim Neto, ainda um homem forte no poder. Mas tanto o relatório do coronel Raimundo Saraiva quanto o tema foram esquecidos. Por pura conveniência e conivência de quem podia sair atrás da defesa dos recursos públicos.
A hidrelétrica formou um reservatório que se tornou o segundo maior lago artificial do Brasil, afogando milhares de árvores em 3.100 quilômetros quadrados, onde são estocados 45 trilhões de litros de água. Essa água movimenta 21 gigantescas turbinas. Seis delas suprem de energia os dois maiores consumidores individuais de energia do país, que têm tarifas subsidiadas.
São duas das maiores fábricas de alumínio do mundo, hoje totalmente controladas por multinacionais: a Albrás, em Belém, e a Alumar, em São Luiz do Maranhão. Apenas três turbinas garantem o abastecimento de todo o Estado do Pará. O resto é exportado. O Pará se tornou o terceiro maior exportador de energia bruta do país. Manda para fora a possibilidade de se desenvolver.
Estes dados podiam levar à conclusão de que, hoje, Tucuruí não seria construída? Em tese, sim. Ainda mais porque, encerrado o ciclo dos generais-presidentes, o simulacro Sarney e a fanfarronice onerosa de Collor de Mello, assumiram antigos opositores do regime militar. Primeiro, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Depois, o operário Luiz Inácio Lula da Silva. E, agora, a ex-militante da esquerda armada Dilma Rousseff, sucessora do mestre no terceiro mandato presidencial seguido conquistado pelo PT.
Ao contrário do que se podia prever, porém, eles não mudaram a diretriz dos “grandes projetos” do tempo da ditadura. Em alguns casos, até agravaram seus problemas, com ônus para o tesouro nacional, o povo e a natureza. Mas não é esta a imagem dominante que se projeta desses governos para a sociedade. Provavelmente porque o debate que se trava a propósito das mega-hidrelétricas na Amazônia não tenha a profundidade que se requer. Nem mesmo a que houve no passado.
Não deixa de ser surpreendente verificar, pela leitura do novo livro que estou agora lançando (Tucuruí, a barragem da ditadura), que, mesmo sob o tacão de um governo forte, a polêmica criada em torno da quarta maior hidrelétrica do mundo foi muito intensa e chegou a mais detalhes do que atualmente, em plena democracia. Tão importante quanto esta marca, foi a discussão ter sido provocada através da imprensa, hoje tão domesticada e presa aos próprios interesses, e ter atingido uma massa muito maior do que a atual.
Fui quem mais escreveu sobre o tema, conforme levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Pará, reproduzido no livro. A imprensa paraense teve papel importante no ápice do entrevero da Eletronorte com a opinião pública sobre Tucuruí, quando, pouco antes do enchimento do reservatório, foi realizado um debate em Belém, com a duração de dois dias, promovido pela CPI do Sistema Hídrico da Câmara Federal.
Na época a legislação, ainda tímida, não previa a realização de audiência pública para o licenciamento ambiental da obra, mas a discussão travada foi mais fecunda do que essas sessões, previstas nas regras legais vigentes. A transcrição dos trechos principais desse debate revela a história efetivamente vivida, que estava ameaçada de se perder na sua oralidade efêmera. Esta pode ser uma contribuição valiosa para os que prosseguem na tentativa de fazer parte dessa história nos nossos dias, agora com Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e, já na agulha, Teles Pires.
Nas bancas e livrarias a partir do dia 4.
Um comentário:
Oi Lúcio.
Seu texto me faz voltar no tempo.
Decorria o ano de 1984 e o então deputado federal Coutinho Jorge(PMDB), de quem eu era assessor, teve a coragem de realizar essa audiência, em Belém, no auditório da Sefa.
Lembro do depoimento do Dr. Ker, sobre Brocopondo e do pessoal do consórcio Engevix/Temag sob intensa crítica do auditório.
Naquele tempo, em Belém, os jornais cobriam fatos importantes, independente do tilintar das moedas em seus cofres.
Me lembro muito bem das tuas intervenções que, felizmente, estão nos anais da UFPA.
Um grande abraço,
Miguel Oliveira
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