Paulo Bemerguy
Jornalista santareno, editor do site Espaço Aberto
Jornalista santareno, editor do site Espaço Aberto
Então é assim.
A campanha do plebiscito tem virado o mundo da política paraense de ponta-cabeça.
De cabeça pra baixo.
Eleição especialíssima, em que os sentimentos de apego ao torrão natal talvez falem mais alto do que elementos objetivos para justificar posições contrárias ou favoráveis à criação dos Estados do Tapajós e de Carajás, o plebiscito de 11 de dezembro mistura de tal forma os discursos que, às vezes, não se sabe ao certo quem é quem.
No debate de ontem, por exemplo, isso ficou bem claro nos enfrentamentos verbais travados, sobretudo, entre os representantes da Frente Contra e a Favor de Carajás, respectivamente o deputado federal Zenaldo Coutinho (PSDB) e o deputado estadual João Salame (PPS).
Salame, vice-líder do governo, sentou a pua, meteu o pau, baixou o malho no governo do qual é aliado na Assembleia Legislativa e que tem por obrigação, é claro, defender.
Sim, sim, lá pelas tantas, inclusive quando provocado diretamente a dizer o que pensava da figura pública do governador Simão Jatene - que também passou a levar cipoadas da Frente do "Sim" nos últimos dias -, Salame foi muito claro e incisivo: "Sou aliado, e não puxa-saco do governador".
Claro, assim é que deve ser em qualquer circunstância da vida, porque a bajulação, vamos e convenhamos, quase sempre é uma excrescência.
Mas convém não esquecer que a especialidade, a singularidade de uma escolha como essa, que convoca o Pará a decidir se quer ou não a criação de dois novos Estados, não se esgota no ato de cravar 55 ou 77 no próximo dia 11 de dezembro.
Não.
As cisões, as fissuras, os ressentimentos, as mágoas, o clima de divisão vai continuar, ainda que o "Não" vença.
E quem deve administrar isso não é apenas o governador do Estado - o atual e os futuros, sejam quem forem.
As lideranças políticas também têm responsabilidade nessa, digamos, assim, reconstrução do Estado.
Um Estado que, não resta dúvida, em várias regiões precisa mesmo é ser construído - precisa sair do zero, precisa superar enormes adversidade, precisa ser edificado, precisa começar do começo, do princípio.
Literalmente.
Em sua edição de hoje, por exemplo, O LIBERAL mostra a relação médico-habitante no país inteiro.
Matéria do repórter Thiago Villarins revela que o Estado ostenta, nesse particular, índices africanos, índices dos países mais pobres da África. Os médicos estão concentrados em Belém.
O estudo intitulado "Demografia Médica no Brasil: dados gerais e descrições de desigualdades", do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), aponta que Pará tem a segunda pior marca do País na relação médico por habitante: 0,83 médicos a cada grupo de mil habitantes. Índice pior só no Maranhão - 0,68 médicos a cada mil pessoas.
Esses números têm consequência na vida cotidiana das pessoas.
Há pessoas morrendo em situações em que poderiam ser salvas.
Há pessoas padecendo de dores que poderiam ser minoradas, se houvesse atendimento médico mínimo.
Há pessoas abandonadas à própria sorte nos mais recônditos, nos mais remotos rincões de um Estado continental como este, à espera da presença do Poder Público - mesmo que seja uma presença aquém, muito aquém do que seria de se esperar.
Porque é certo que em muitas regiões do Pará nem se pode dizer que o Estado seja inoperante.
Nem se pode dizer que a presença do Poder Público seja opaca, ineficiente, ineficaz, imperceptível.
Em verdade, não há Estado nessas regiões.
Não há Poder Público nessas regiões.
Não há sinal de governo - nenhum, nada, zero vezes zero - nesses locais.
Políticos que trançam por aí, em época de eleição, já devem ter tomado contato com pessoas humildes, simples, que sobrevivem em locais quase incacessíveis e, portanto, abandonados.
Pois nesses locais, quando os moradores se referem a um espaço territorial que não seja aquele chão onde eles pisam, costumam dizer assim, todas as vezes em que precisam mencionar outro lugar, longe dali:
- Lá no Brasil...
Isso quer dizer o seguinte:
- Lá no Brasil a gente tem médico, aqui não.
- Lá no Brasil a gente tem educação, aqui não.
- Lá no Brasil a gente tem energia, aqui não.
- Lá no Brasil a gente tem segurança, aqui não.
É assim.
O Brasil é uma miragem.
Se o Brasil, imaginem só, já é uma miragem, o Pará também.
O Pará também é uma miragem.
Um lugar distante.
Fictício.
Inacessível.
Quem sabe, seja até um lugar ideal.
É longe dali.
É um lugar que só existe na imaginação daquela gente.
Pessoas humildes, esquecidas por esse Pará continental, perdem a própria referência territorial, perdem a noção de espaço e, certamente, perdem a noção do tempo, tão esquecidas, tão abandonadas, tão desprezadas elas se encontram há décadas, para não dizer há séculos.
É preciso que todos se deem conta disso.
Porque não basta reconhecer que o Pará tem problemas.
Isso não é muito suficiente para conferir uma certa autenticidade a discursos que se mostram cautelosos, para não exibir seus autores como cidadãos insensíveis à realidade.
Por que esse tipo de discurso não é suficiente?
Porque se qualquer pessoa, nesta campanha, viesse a dizer que o Pará não tem problemas, seria confundida com um piadista da pior espécie. E desconsiderada por causa disso.
Por isso, repita-se, não basta reconhecer que o Pará tem problemas.
É preciso reconhecer que, secularmente, nada se faz - nada, absolutamente nada - para atacá-los, para superá-los, para minimizar os seus efeitos.
Nada ou muito pouco se tem feito para que o cara que está no igapó, no interior do interior da comunidade mais remotada do Tapajós e de Carajás, diga assim.
- Aqui no Pará a gente tem saúde.
- Aqui no Pará a gente tem educação.
- Aqui no Pará a gente tem energia.
- Aqui no Pará tem governo.
Mais do que dizer "é claro que o Pará tem problemas, não podemos esconder isso", é preciso que ouvíssemos compromissos claros de que os problemas serão resolvidos.
De que os abandonados serão reinseridos no mundo.
Pelo Sim, pelo Não, é preciso que todos reflitam sobre isso.
Os que defendem e os que não defendem a criação dos Estados de Carajás e do Tapajós.
A campanha do plebiscito tem virado o mundo da política paraense de ponta-cabeça.
De cabeça pra baixo.
Eleição especialíssima, em que os sentimentos de apego ao torrão natal talvez falem mais alto do que elementos objetivos para justificar posições contrárias ou favoráveis à criação dos Estados do Tapajós e de Carajás, o plebiscito de 11 de dezembro mistura de tal forma os discursos que, às vezes, não se sabe ao certo quem é quem.
No debate de ontem, por exemplo, isso ficou bem claro nos enfrentamentos verbais travados, sobretudo, entre os representantes da Frente Contra e a Favor de Carajás, respectivamente o deputado federal Zenaldo Coutinho (PSDB) e o deputado estadual João Salame (PPS).
Salame, vice-líder do governo, sentou a pua, meteu o pau, baixou o malho no governo do qual é aliado na Assembleia Legislativa e que tem por obrigação, é claro, defender.
Sim, sim, lá pelas tantas, inclusive quando provocado diretamente a dizer o que pensava da figura pública do governador Simão Jatene - que também passou a levar cipoadas da Frente do "Sim" nos últimos dias -, Salame foi muito claro e incisivo: "Sou aliado, e não puxa-saco do governador".
Claro, assim é que deve ser em qualquer circunstância da vida, porque a bajulação, vamos e convenhamos, quase sempre é uma excrescência.
Mas convém não esquecer que a especialidade, a singularidade de uma escolha como essa, que convoca o Pará a decidir se quer ou não a criação de dois novos Estados, não se esgota no ato de cravar 55 ou 77 no próximo dia 11 de dezembro.
Não.
As cisões, as fissuras, os ressentimentos, as mágoas, o clima de divisão vai continuar, ainda que o "Não" vença.
E quem deve administrar isso não é apenas o governador do Estado - o atual e os futuros, sejam quem forem.
As lideranças políticas também têm responsabilidade nessa, digamos, assim, reconstrução do Estado.
Um Estado que, não resta dúvida, em várias regiões precisa mesmo é ser construído - precisa sair do zero, precisa superar enormes adversidade, precisa ser edificado, precisa começar do começo, do princípio.
Literalmente.
Em sua edição de hoje, por exemplo, O LIBERAL mostra a relação médico-habitante no país inteiro.
Matéria do repórter Thiago Villarins revela que o Estado ostenta, nesse particular, índices africanos, índices dos países mais pobres da África. Os médicos estão concentrados em Belém.
O estudo intitulado "Demografia Médica no Brasil: dados gerais e descrições de desigualdades", do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), aponta que Pará tem a segunda pior marca do País na relação médico por habitante: 0,83 médicos a cada grupo de mil habitantes. Índice pior só no Maranhão - 0,68 médicos a cada mil pessoas.
Esses números têm consequência na vida cotidiana das pessoas.
Há pessoas morrendo em situações em que poderiam ser salvas.
Há pessoas padecendo de dores que poderiam ser minoradas, se houvesse atendimento médico mínimo.
Há pessoas abandonadas à própria sorte nos mais recônditos, nos mais remotos rincões de um Estado continental como este, à espera da presença do Poder Público - mesmo que seja uma presença aquém, muito aquém do que seria de se esperar.
Porque é certo que em muitas regiões do Pará nem se pode dizer que o Estado seja inoperante.
Nem se pode dizer que a presença do Poder Público seja opaca, ineficiente, ineficaz, imperceptível.
Em verdade, não há Estado nessas regiões.
Não há Poder Público nessas regiões.
Não há sinal de governo - nenhum, nada, zero vezes zero - nesses locais.
Políticos que trançam por aí, em época de eleição, já devem ter tomado contato com pessoas humildes, simples, que sobrevivem em locais quase incacessíveis e, portanto, abandonados.
Pois nesses locais, quando os moradores se referem a um espaço territorial que não seja aquele chão onde eles pisam, costumam dizer assim, todas as vezes em que precisam mencionar outro lugar, longe dali:
- Lá no Brasil...
Isso quer dizer o seguinte:
- Lá no Brasil a gente tem médico, aqui não.
- Lá no Brasil a gente tem educação, aqui não.
- Lá no Brasil a gente tem energia, aqui não.
- Lá no Brasil a gente tem segurança, aqui não.
É assim.
O Brasil é uma miragem.
Se o Brasil, imaginem só, já é uma miragem, o Pará também.
O Pará também é uma miragem.
Um lugar distante.
Fictício.
Inacessível.
Quem sabe, seja até um lugar ideal.
É longe dali.
É um lugar que só existe na imaginação daquela gente.
Pessoas humildes, esquecidas por esse Pará continental, perdem a própria referência territorial, perdem a noção de espaço e, certamente, perdem a noção do tempo, tão esquecidas, tão abandonadas, tão desprezadas elas se encontram há décadas, para não dizer há séculos.
É preciso que todos se deem conta disso.
Porque não basta reconhecer que o Pará tem problemas.
Isso não é muito suficiente para conferir uma certa autenticidade a discursos que se mostram cautelosos, para não exibir seus autores como cidadãos insensíveis à realidade.
Por que esse tipo de discurso não é suficiente?
Porque se qualquer pessoa, nesta campanha, viesse a dizer que o Pará não tem problemas, seria confundida com um piadista da pior espécie. E desconsiderada por causa disso.
Por isso, repita-se, não basta reconhecer que o Pará tem problemas.
É preciso reconhecer que, secularmente, nada se faz - nada, absolutamente nada - para atacá-los, para superá-los, para minimizar os seus efeitos.
Nada ou muito pouco se tem feito para que o cara que está no igapó, no interior do interior da comunidade mais remotada do Tapajós e de Carajás, diga assim.
- Aqui no Pará a gente tem saúde.
- Aqui no Pará a gente tem educação.
- Aqui no Pará a gente tem energia.
- Aqui no Pará tem governo.
Mais do que dizer "é claro que o Pará tem problemas, não podemos esconder isso", é preciso que ouvíssemos compromissos claros de que os problemas serão resolvidos.
De que os abandonados serão reinseridos no mundo.
Pelo Sim, pelo Não, é preciso que todos reflitam sobre isso.
Os que defendem e os que não defendem a criação dos Estados de Carajás e do Tapajós.
4 comentários:
Excelente texto e dados apresentados de forma clara e contundente naquela que é a percepção mais próxima da cidadania do interior a só ter uma explicação para a sensação de abandono pela Capital: "Lá no Brasil tem..."
A criação do Estado do Tapajós com todas as dificuldades e mazelas que possa vir a ter, pelo menos abre ao nosso povo a possibilidade de tentar uma nova alternativa para ter, enfim, sua cidadania resgatada.
Parabéns, Paulo Bemerguy.
Acima do espaço demográfico, ego, orgulho, vaidades e dos votos, estão seres humanos,sofrendo do descasso e ausência do Estado; querendo decidir seu próprio destino, que é assegurado pela "Democracia" Brasileira. O livre arbítrio nos é dado por DEUS.É lamentável assistirmos argumentos desprovidos de clareza, sensatez e bom senso dos defensores do Não. Concordo com a brilhante e inteligente matéria jornalística, Meu Amigo Paulo Bemerguy quiçá voce seja nosso Arauto do SIM 77 Tapajós. Sérgio Campos
ORGULHO BESTA NÃO ENCHE BARRIGA, É PRECISO ACABAR COM A MISÉRIA DO PARÁ
Pelo menos para alguma coisa serviu o passeio da equipe da Rede Globo pelo Pará: para mostrar ao Brasil, em palco tão reluzente, e aos próprios paraenses, o que todos vemos todos os dias, isto é, quadros de aguda e vergonhosa miséria que infelicita este Estado em todos os seus quadrantes.
Miséria encontra-se pelo País todo, mas não na intensidade e na extensão com que se verifica, por exemplo, em Belém. Não existe no Brasil uma cidade deste porte com tamanha exposição de feridas sociais tão desumanas. Metade da população desta cidade vive nas famosas Baixadas, como aqui chamamos as favelas. Milhares de famílias vivem literalmente dentro da lama, na borda dos igarapés imundos, nos ambientes mais infectos imagináveis.
Situações semelhantes, obviamente em ponto menor, observa-se em Marabá, Santarém, Ananindeua, Castanhal, em Breves e em todo o paupérrimo Marajó, assim como em todo o vasto interior. Parece que pouco mudou nesta parte da Amazônia depois de 1835, quando os Cabanos viviam tão explorados e excluídos que, em certo tempo, quando morriam, seus corpos eram jogados aos urubus. Só eram dadas sepulturas aos brancos.
Por que será que, numa região tão rica em bens naturais, a maioria dos seus habitantes amarga uma miséria tão desgraçada assim?
Pois é esse panorama de tristeza e de revolta que está subjazendo à campanha do plebiscito do próximo dia 11 de dezembro. No começo da campanha, os do Não diziam que Carajás era rico e que o Tapajós era pobre. Os de lá diziam que Belém concentrava a maior parte da riqueza do tesouro estadual, o que é verdade, mas não toda.
Nesta última semana Sins e Nãos parecem ter caído na real e passaram a eleger a miséria como cabo eleitoral comum,
VAMOS DEIXAR O ORGULHO DE LADO, É PRECISO TER VERGONHA DESSA MISÉRIA. DIGA SIM AO DESENVOLVIMENTO DO NOVO PARÁ
77 e 77
Orgulho besta é querer fundar um novo Estado sem condições para isso!!!
Abre o olho, povo paraense, abre o olho!!!
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