Lúcio Flávio Pinto
Amanhã completam-se 15 anos da privatização da Companhia Vale do
Rio Doce. Datas como esta nada significam se não forem a oportunidade
para examinar os acontecimentos de uma perspectiva histórica. Com o
auxílio do tempo, podemos ver o que antes não percebíamos e minimizar o
que, na época considerado importante, se revelou, pelo desgaste da vida,
irrelevante, poeira luminosa que fica para trás, desaparecendo. Ilusão
ou fantasia. Miragem.
Não há dúvida que a Vale tem peso muito maior hoje do que tinha em 6 de maio de 1997. Sua estrutura continua a ser a de uma empresa do Estado. Os que a criaram, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, a conceberam não só como uma mineradora. Queriam que fosse uma agência de desenvolvimento. Devia desenvolver o vale onde atuava, o do rio Doce (que ainda era então quase um paraíso natural), entre Minas Gerais, onde estava a primeira mina que lavrou, e o Espírito Santo, local do porto por onde passou a exportar, alcançado pela ferrovia que construiu entre os dois pontos, a Vitória-Minas.
Sua estrutura de agência de desenvolvimento persiste. Não há outra forma de definir uma organização que dispõe de três grandes ferrovias, de dois portos privativos pelos quais transita o maior volume de bens exportados pelo Brasil (e dos maiores do mundo), de uma empresa de cabotagem e outra de navegação, das maiores minas do país e do maior volume de concessões minerais em todo subsolo nacional.
Todo esse conjunto logístico,operacional e produtivo tem como meta prioritária a drenagem de recursos nacionais para o exterior. Não só para terceiros, mas para as empresas que a própria Vale comprou e opera nos cinco continentes. Tornou-se, de fato, a primeira multinacional (e a maior) brasileira.
Em 2005 realizou a maior operação de aquisição feita até hoje por uma empresa latino-americana, ao pagar 18 bilhões de dólares para a Inco, a multinacional canadense que é a segunda maior produtora de níquel do planeta e dona das maiores jazidas desse minério. Um negócio que só se tornou possível pelo fenomenal fluxo de caixa da companhia. Mas também pela elevação do seu endividamento a um patamar preocupante.
Além de haver se descentralizado do Brasil para o exterior (é do Canadá que comanda suas operações de níquel, que têm duas minas em Carajás, no Pará), a Vale se atrelou à China. Foi uma aposta bem sucedida numa visão meramente empresarial. Mas tem o mesmo acerto do ponto de vista de uma agência de desenvovimento?
Com sua poderosa estrutura logística, a Vale atou de uma forma perigosa o Brasil à vontade dos chineses, sem um conhecimento satisfatório sobre o conteúdo dessa relação e seus mecanismos de regulação. Hoje, 60% do minério de ferro (o de melhor qualidade do mercado) de Carajás vão para a China. Com mais 20% para o Japão, 80% do filé mineral ficam na Ásia.
Uma conjuntura excepcionalmente favorecida pelos preços elevados das commodities pode se alterar de súbito. Temos algum controle sobre o processo da formação dos preços? Quem estabelece a escala da produção, que está duplicando, para incríveis 230 milhões de toneladas, em 2015, a atual produção de Carajás?
Atraídos pelo canto da sereia dos preços altos, um dado conjuntural, estamos renunciando a uma ferramenta poderosa de futuro e, com ela, a possibilidade de agregar mais valor ao processo produtivo?
É bom não esquecer que Carajás, começando a produzir em 1984, devia durar 400 anos. A previsão sobre a vida útil da jazida é atualmente inferior a 100 anos. Nessa escala, não vai apenas ser usada no processo produtivo dos compradores: vai lhes servir de estoque e reserva. Foi assim em relação ao primeiro minério de mercado internacional da Amazônia, o manganês do Amapá, meio século atrás. Não evoluímos na matéria?
Não há dúvida que a venda da Vale foi imposta goela adentro da sociedade pelo governo. E através de mecanismos de força, esse fato consumado vem sendo mantido. As sete dezenas de ações populares e outros mecanismos jurídicos que tramitam ainda hoje pelos tribunais permanecem sem deslinde.
Os prejuízos alegados e os direitos apresentados continuam fora do alcance dod cidadãos. Beneficiada pela estrutura estatal que herdou, a um preço vil (3,3 bilhões de dólares), a Vale privada não responde com o outro lado dessa herança, que são os benefícios sociais e a adequação aos interesses nacionais. A Vale é boa para si e os seus grandes clientes. Mas não - ao menos não na mesma medida – para o Brasil.
Esta é a conclusão de demorados estudos e aprofundadas análises empreendidas em cima de fatos concretas. Uma controvérsia fecunda tem que ser estabelecida sobre essa base factual, suscetível de ser demonstrada e positiva num debate aberto e franco, que elimina meros juízos de valor e sentenças dogmáticas preestabelecidas.
É isto o que a data devia proporcionar, a fim de que o povo brasileiro sabe o que tem em sua casa: um inimigo ou um aliado. O ruim, como lembrou o itabirano Carlos Drummond de Andrade num dos seus poemas, é quando o inimigo janta conosco. Com o agravante de que, fornecedores do jantar, ficamos apenas com o resto do banquete.
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Publicado originalmente no site A Vale que vale
Não há dúvida que a Vale tem peso muito maior hoje do que tinha em 6 de maio de 1997. Sua estrutura continua a ser a de uma empresa do Estado. Os que a criaram, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, a conceberam não só como uma mineradora. Queriam que fosse uma agência de desenvolvimento. Devia desenvolver o vale onde atuava, o do rio Doce (que ainda era então quase um paraíso natural), entre Minas Gerais, onde estava a primeira mina que lavrou, e o Espírito Santo, local do porto por onde passou a exportar, alcançado pela ferrovia que construiu entre os dois pontos, a Vitória-Minas.
Sua estrutura de agência de desenvolvimento persiste. Não há outra forma de definir uma organização que dispõe de três grandes ferrovias, de dois portos privativos pelos quais transita o maior volume de bens exportados pelo Brasil (e dos maiores do mundo), de uma empresa de cabotagem e outra de navegação, das maiores minas do país e do maior volume de concessões minerais em todo subsolo nacional.
Todo esse conjunto logístico,operacional e produtivo tem como meta prioritária a drenagem de recursos nacionais para o exterior. Não só para terceiros, mas para as empresas que a própria Vale comprou e opera nos cinco continentes. Tornou-se, de fato, a primeira multinacional (e a maior) brasileira.
Em 2005 realizou a maior operação de aquisição feita até hoje por uma empresa latino-americana, ao pagar 18 bilhões de dólares para a Inco, a multinacional canadense que é a segunda maior produtora de níquel do planeta e dona das maiores jazidas desse minério. Um negócio que só se tornou possível pelo fenomenal fluxo de caixa da companhia. Mas também pela elevação do seu endividamento a um patamar preocupante.
Além de haver se descentralizado do Brasil para o exterior (é do Canadá que comanda suas operações de níquel, que têm duas minas em Carajás, no Pará), a Vale se atrelou à China. Foi uma aposta bem sucedida numa visão meramente empresarial. Mas tem o mesmo acerto do ponto de vista de uma agência de desenvovimento?
Com sua poderosa estrutura logística, a Vale atou de uma forma perigosa o Brasil à vontade dos chineses, sem um conhecimento satisfatório sobre o conteúdo dessa relação e seus mecanismos de regulação. Hoje, 60% do minério de ferro (o de melhor qualidade do mercado) de Carajás vão para a China. Com mais 20% para o Japão, 80% do filé mineral ficam na Ásia.
Uma conjuntura excepcionalmente favorecida pelos preços elevados das commodities pode se alterar de súbito. Temos algum controle sobre o processo da formação dos preços? Quem estabelece a escala da produção, que está duplicando, para incríveis 230 milhões de toneladas, em 2015, a atual produção de Carajás?
Atraídos pelo canto da sereia dos preços altos, um dado conjuntural, estamos renunciando a uma ferramenta poderosa de futuro e, com ela, a possibilidade de agregar mais valor ao processo produtivo?
É bom não esquecer que Carajás, começando a produzir em 1984, devia durar 400 anos. A previsão sobre a vida útil da jazida é atualmente inferior a 100 anos. Nessa escala, não vai apenas ser usada no processo produtivo dos compradores: vai lhes servir de estoque e reserva. Foi assim em relação ao primeiro minério de mercado internacional da Amazônia, o manganês do Amapá, meio século atrás. Não evoluímos na matéria?
Não há dúvida que a venda da Vale foi imposta goela adentro da sociedade pelo governo. E através de mecanismos de força, esse fato consumado vem sendo mantido. As sete dezenas de ações populares e outros mecanismos jurídicos que tramitam ainda hoje pelos tribunais permanecem sem deslinde.
Os prejuízos alegados e os direitos apresentados continuam fora do alcance dod cidadãos. Beneficiada pela estrutura estatal que herdou, a um preço vil (3,3 bilhões de dólares), a Vale privada não responde com o outro lado dessa herança, que são os benefícios sociais e a adequação aos interesses nacionais. A Vale é boa para si e os seus grandes clientes. Mas não - ao menos não na mesma medida – para o Brasil.
Esta é a conclusão de demorados estudos e aprofundadas análises empreendidas em cima de fatos concretas. Uma controvérsia fecunda tem que ser estabelecida sobre essa base factual, suscetível de ser demonstrada e positiva num debate aberto e franco, que elimina meros juízos de valor e sentenças dogmáticas preestabelecidas.
É isto o que a data devia proporcionar, a fim de que o povo brasileiro sabe o que tem em sua casa: um inimigo ou um aliado. O ruim, como lembrou o itabirano Carlos Drummond de Andrade num dos seus poemas, é quando o inimigo janta conosco. Com o agravante de que, fornecedores do jantar, ficamos apenas com o resto do banquete.
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Publicado originalmente no site A Vale que vale
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