terça-feira, 5 de junho de 2012

Estado paga dívida da Celpa junto ao governo federal


Lúcio Flávio Pinto
 
Uma surpresa: o governo do Estado tem que pagar prestação da dívida vencida e não paga pela Celpa. Quase R$ 3 milhões saem dos cofres públicos. A continuar assim, e com o silêncio geral, qual será a próxima má surpresa no processo de recuperação judicial da empresa?

No dia 20 de abril venceu uma parcela da dívida total, em valor original equivalente a 44 milhões de dólares, da Celpa junto ao governo federal. Já em regime de recuperação judicial, concedido pelo juiz da 13ª vara cível de Belém, em 28 de fevereiro, a empresa não pagou a prestação vencida. Imediatamente o Banco do Brasil debitou o valor da parcela – de 2,7 milhões de reais – contra o Estado, em uma agência do Banpará, “devido a não quitação de Dívidas de Longo e Médio Prazo”.

Quem não honrou o encargo foi a Celpa, que é uma empresa privada há quase um quarto de século. Mas quem respondeu pela quitação foi o governo do Estado, na condição de garantidor do contrato de liquidação de dívida assinado pelas três partes (União, Estado e Celpa) em 31 de dezembro de 1997. Pela parte paraense assinaram esse contrato o então governador Almir Gabriel, o secretário da Fazenda do Estado, Paulo de Tarso Ribeiro, e o presidente do Banpará, e seu irmão, Mário Ribeiro.

A Celpa conseguiu três empréstimos junto ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), cada um deles de aproximadamente 45 milhões de dólares. Pagou os dois primeiros. Não pagou o terceiro. A renegociação que fez em 1997 abrangeu sete prestações que venceram entre 1994 e 1997. Na época, elas equivaliam a quase 50 milhões de reais.com a paridade dólar/real do início do plano de estabilização econômica.

A operação foi alcançada pela decretação da recuperação judicial da empresa. A Celpa se valeu da lei criada pelo governo federal como resposta a uma crise empresarial anterior, ainda maior, a da Varig (que nem assim, com todos os benefícios das novas regras, em substituição à antiga lei das falências, conseguiu lograr êxito – e fechou). As condições se tornaram melhores para a empresa em processo pré-falimentar e piores para os seus credores.

Aproveitando-se da suspensão de todas as execuções e cobranças, determinada pelo juiz da 13ª vara, a Celpa não pagou a prestação devida ao BID. Alegando que o contrato mútuo não era atingido pela medida judicial, já que a garantia da quitação era dada por um terceiro personagem e não pela tomadora do dinheiro, a União tratou logo de se ressarcir em cima do Estado.

A quarta cláusula do contrato de 1997 estabeleceu que o governo estadual se comprometia a transferir à União “os créditos que forem feitos à sua conta de depósitos provenientes das receitas próprias, objetos de depósitos perante o Banco do Estado do Pará”. O Banco do Brasil, como agente financeiro da União, executou essa disposição. Simples.

Quando o contrato de confissão de dívida foi assinado, a Celpa ainda era estatal. Mas foi privatizada cinco meses depois. O Grupo Rede foi o vencedor do leilão. Pagou 400 milhões de reais ao governo Almir Gabriel, que tinha investido bastante no preparo da estatal para a venda, inclusive a saneando financeiramente. O dinheiro do BID entrou no caixa da Celpa e foi gasto. Como o grupo Rede não honrou o compromisso, o Estado, na condição de garantidor da transação, vai continuar a pagar. É legal? É justo?

Essas perguntas remetem ao âmago do processo de recuperação judicial, que chega ao seu terceiro mês com toda a aparência de que irá terminar, como no caso da Varig, em falência da Celpa. E, como efeito dessa condição, na sua federalização ou reestadualização. Com alívio para o grupo privado.

De 1998, quando assumiu o controle da Celpa, até novembro de 2005, o grupo Rede transferiu parte do lucro obtido no Pará para as demais empresas do conglomerado, conforme admitiu a sua presidente, Carmem Campos Pereira, em entrevista dada na época ao Diário do Pará. Mas ela garantiu que, a partir dessa data a Celpa não fez mais “qualquer transferência de recursos via mútuo” e que boa parte desses recursos “já foram pagos pelas empresas integrantes de seu grupo econômico”.

Como a presidente não forneceu qualquer número a respeito, impossibilitando uma análise mais profunda sobre o balanço da Celpa no Estado, é de se perguntar se realmente houve o ressarcimento e a devolução do dinheiro repassado às demais empresas do grupo a partir de faturamento no Pará. É questionamento para ser respondido através de perícia contábil na papelada que forma o processo, com mais de sete mil páginas, no maior processo de recuperação judicial (o novo nome da falência) da história do judiciário paraense.

Mas já se pode fazer uma constatação: além de exportar energia bruta para fora do seu território (é o terceiro Estado brasileiro mais sangrado em energia), o Pará se sujeita a ver a renda da exploração interna dos seus bens ser utilizada em outros Estados; no caso da Rede, sobretudo em Mato Grosso.

Parecia que o grupo teria vida longa no Pará. O preço da aquisição foi barato. Tão favorável que o governo Almir Gabriel impôs ao cidadão paraense o maior imposto sobre o consumo de energia do país, com uma alíquota de 25% de ICMS. A intenção era recuperar um pouco as finanças do poder público, abaladas pela política federal, que também era comandada pelos tucanos, estes de maior plumagem. Os pessedebistas inventaram ardis como a lei Kandir, que continua a provocar hemorragia tributária no Pará, de novo nas mãos de tucanos papachibés.

A privação de recursos públicos por causa do aval dado pelo Estado à Celpa devia provocar a atenção da opinião pública. A recuperação judicial foi deferida em menos de 24 horas pelo juiz Mairton Carneiro, que apenas respondia pela 13ª vara, na ausência da titular.

Dificilmente haverá recuperação, como já evidenciaram os numerosos incidentes processuais e a instrução acidentada do processo. Não há um clima de confiança e entendimento. A dívida, inicialmente calculada em 2,4 bilhões de reais, já pulou para 2,9 bilhões. Quase todos os dias novos pedidos de habilicitação (e também de impugnação) de créditos são apresentados à justiça.

O grupo Rede tem sonegado informações ao conhecimento público. Só juntou os documentos da dívida do empréstimo internacional obrigado pelo Ministério Público do Estado. Não foi documento anexado espontaneamente ao pedido de recuperação, indício de que a empresa agiu com alguma malícia. Mesmo assim, suas múltiplas e complexas requisições foram prontamente atendidas pelo juiz não titular da vara.

Mairton Carneiro indicou como seu representante na ação Vilmos Grunwald, que participou do governo Almir Gabriel e atuava no setor elétrico quando da privatização da Celpa. Ele foi destituído da função de administrador pela juíza Filomena Buarque, quando ela reassumiu – e imediatamente depois do longo despacho do seu interino – a vara, e substituído pelo advogado Mauro Santos, da confiança da magistrada. Como o processo da Celpa é o de maior valor que já passou pelas varas das falências na justiça do Pará, o novo administrador tem um das maiores remunerações do mercado: nada menos do que R$ 80 mil por mês.

É um vencimento de causar inveja a qualquer um, mas que se justificaria pela dimensão da questão. Dimensão que não aparece na grande imprensa local. A atenção dispensada ao caso é mínima, talvez porque os dois grupos de comunicação, o dos Maioranas e o dos Barbalhos, devam em conjunto à Celpa mais de oito milhões de reais em contas não pagas de energia. Para fazer um encontro de contas, a Celpa anuncia desbragadamente nos veículos dos dois grupos, o que tem a ver com seu silêncio, quando não conivência com a concessionária.

Mantendo-se essa situação, a opinião pública será surpreendida se os rastilhos de pólvora deixados pelo grupo Rede na condução da Celpa começarem a estourar, levando ao quadro que já se delineia: a falência da empresa, em meio a blecautes, convulsão social e sangria financeira. O Pará, mais uma vez, está desprotegido.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Lúcio
Muito acertada sua análise e comentários sobre este imbróglio.
Mas há algumas questões ainda não verificadas e que talvez não sejam alcançados pela perícia contábil, pelo que li, restritas ao ano de 2007, como é o caso de vendas de bens da concessão feitas antes dessa data. Foram vários bens alienados, com recursos aplicados em que? Fui informado por ex-funcionários da venda de um terreno, local em que seria construída uma subestação, nas proximidades do Av. dos trabalhadores ou do Cristalville, cujo preço para uma possível recompra posterior, subiu 10 vezes de valor.
Discordo de que o preço de venda foi barato - lembre-se de que perto da metade foi vendida. A outra pertencia a donos como a Eletrobrás.
Quanto a ser justo ou legal o Estado pagar a dívida contraída e avalizada enquanto estatal, tenho certeza de que não é justo, mas a legalidade é questionável, já que se não pagasse o estado poderia perder créditos futuros, de valores e importância muito mais altos.
Quanto a recuperação, ela realmente é inviável. Algum credor vai aceitar um deságio de 40% e pagamento em 60 meses? A rádio cipó que transmite em várias frequências, nos corredores da empresa garante que já há movimentação nos bastidores para uma entre duas coisas: a retomada da concessão pela ANEEL e a venda simbólica ao Grupo Equatorial, o mesmo da CEMAR, ou, um novo suporte financeiro ao moribundo Grupo Rede, o qual, sob rédea curta, teria que devolver o que pilhou nos anos anteriores. Esta última opção, dizem, nem a antiga velhinha de Taubaté acreditaria. Enquanto isso, vamos logo nos preparando para a volta do fogão a lenha, ou, como preferem os mais ligados ao ambientalismo - para os fogões solares.
Meu abraço respeitoso.