by Lúcio Flávio Pinto
(Texto escrito na primeira quinzena de maio de 2010. Registre-se que a grande
imprensa, nacional e local, não deu importância ao fato.)
A
Albrás é a 8ª maior fábrica de alumínio do mundo, e a Alunorte, a maior
planta internacional de alumina. Representaram no ano passado um
faturamento bruto conjunto de 4,2 bilhões de reais e um lucro de R$ 385
milhões. Seus ativos somam R$ 9,4 bilhões, o patrimônio líquido é de R$
6,5 bilhões e o capital social alcança R$ 4,1 bilhões. São as duas
maiores empresas do Pará.
No
dia 2 elas foram completamente desnacionalizadas: passaram a ser de
propriedade norueguesa e japonesa. A Vale anunciou que, por quase cinco
bilhões de dólares, transferiu suas ações nas duas empresas para a Norsk
Hydro, que já era sua sócia na Alunorte.
O
negócio incluiu o controle da jazida de bauxita de Paragominas, das
maiores do mundo, a ser consumado no futuro, e o projeto de uma nova
planta de alumina, da CAP, em Barcarena, do tamanho da Alunorte, ou
maior.
A
transação pegou de surpresa a opinião pública e o próprio mercado.
Embora as negociações tenham durado seis meses, segundo o comunicado da
Vale, nada – ou quase nada – vazou dos ambientes de conversação. Foi uma
façanha.
Tão
surpreendente foi o pouco interesse que a revelação causou. Depois de
uma cobertura burocrática da imprensa nos primeiros dias, o assunto saiu
completamente da pauta – nacional e paraense.
Tempos
atrás um processo de desnacionalização tão súbito e profundo quanto
este provocaria acesa polêmica. O silêncio atual se explica pela
globalização da economia, que atravessou e eliminou as barreiras
nacionais?
Em
parte, talvez. Mas só em pequena parte. Uma razão maior pode estar na
convicção de que a Albrás nunca esteve realmente sob o controle da
empresa nacional, embora a antiga Companhia Vale do Rio Doce detivesse a
maioria das ações nas duas empresas do distrito industrial de
Barcarena, a 50 quilômetros de Belém.
A
inspiração do projeto foi japonesa, impulsionada pelas profundas
transformações que o Japão sofreu a partir do primeiro choque do
petróleo, em 1973. O empreendimento era de alto risco na época e por
isso foi bancado pelos dois governos, como uma imposição dos
entendimentos mais amplos que estabeleceram,. Um dos seus itens mais
importantes era a viabilização da exploração das jazidas de minério de
ferro de Carajás, as melhores do mundo.
Apesar
de todas as aparências em contrário, a Albrás era uma fábrica cativa
dos japoneses. A Vale detinha 51% do capital e podia comercializar com
liberdade o equivalente da produção, mas a empresa nunca chegou a se
identificar com a sua controlada. E quando a expansão da Albrás, que
estancou em 460 mil toneladas (esticadas a partir da capacidade
instalada inicial de 320 mil toneladas), esbarrou em vários problemas,
sobretudo o energético, a Vale se exasperou.
Seu
presidente Roger Agnelli, que impôs seu estilo agressivo à corporação,
chegou a ameaçar desmontar a fábrica e remontá-la em outro lugar do
mundo. Depois, conseguiu licença ambiental para uma grande usina térmica
a carvão mineral, de 600 megawatts (mais do que a potência de uma das
gigantescas máquinas previstas para a hidrelétrica de Belo Monte). Por
fim, participou de um dos consórcios que se apresentou ao leilão da
usina no rio Xingu, mas foi vencido.
Todas
essas iniciativas se anularam pela transferência das duas fábricas. É
um passo decisivo para a Vale abrir mão de presença ativa nesse mercado,
que poderá se completar com a venda dos 40% que possui na Mineração Rio
do Norte, que explora a mina de bauxita do Trombetas, a maior do país
em produção (de 17 milhões de toneladas).
Certamente
os responsáveis pela transação contra-argumentarão que a Vale passou a
deter 22% da Norsk Hydro, um quinhão considerável. Até a operação, a
empresa norueguesa era apenas a terceira maior produtora de alumínio da
Europa. Mas só atuava na ponta da linha, transformando o metal em
produto acabado (extrudado e laminado).
Começou
em 1999 a enfrentar essa deficiência, que se agravaria com o tempo pela
intensificação da concorrência mundial. Enfrentando as resistências das
outras multinacionais do alumínio, comprou 5% das ações da MRN.
Assim
passou a ter suprimento de minério. Em seguida, entrou na Alunorte,
estabelecendo o elo da cadeia, através da alumina. Agora é uma indústria
integrada, da matéria prima ao produto final. Passa a ter importância
mundial.
É
justamente essa a posição que a Vale perdeu. A ex-estatal pode ganhar
da perspectiva dos rendimentos financeiros, como associada da Norsk em
amplitude internacional, mas perdeu a condição de player, como são tratados aqueles que realmente contam, que têm poder decisório no jogo econômico.
O
Pará, como o principal Estado do polo de alumínio no país, passa a ser
dominado pelos cartéis (inclusive o nacional, do grupo CBA, da família
Ermírio de Moraes), completamente desnacionalizado.
É
a consolidação definitiva da regressão à condição de colônia mineral e
de semielaborados. O Brasil poderia ter quebrado o cartel das “seis
irmãs” quando o primeiro choque do petróleo inviabilizou para o Japão a
produção própria de alumínio, o mais eletrointensivo dos produtos
industriais.
Os
japoneses não hesitaram em se dirigir para o Pará, que oferecia
condições ideais para abrigar uma grande fábrica do metal. Mas os
brasileiros também podiam aproveitar essa oportunidade para não ficar
dependentes das maiores multinacionais, que impunham o preço no mercado.
Numa situação mais equilibrada, a parceria nipo-brasileira podia ser a
grande oportunidade para verticalizar por completo o setor e quebrar a
espinha dorsal do cartel.
Enquanto
a Companhia Vale do Rio Doce foi estatal, havia essa perspectiva. A
privatização desviou a empresa desse rumo. Sobretudo quando Agnelli
chegou, egresso do Bradesco (que, violando a vedação normativa, modelou a
venda da estatal), a prioridade passou a ser engordar os números,
maximizando os rendimentos.
Marcando
passo na escala de produção, a Albrás foi perdendo relevância para a
Vale, empenhada em resultados mais imediatos e indisposta a empreitadas
mais espinhosas, como a de abrir uma nova frente de geração de energia
em grande volume.
A
Alunorte, sem grande necessidade de energia e aproveitando o melhor
preço da alumina, se tornou bem maior do que sua irmã vizinha, apesar de
seu produto valer pelo menos quatro vezes menos. Para a Vale,
transferir Albrás e Alunorte para a Norsk Hydro foi um bom negócio. Mas
não para o Brasil e o Pará. Muitíssimo pelo contrário.
A
empresa norueguesa deverá dar um grande salto, que alcançará as bolsas
de valores, com seu novo perfil, de indústria integrada, com acesso a
uma valiosa reserva de bauxita (com garantia de suprimento por pelo
menos um século) e à maior fábrica de alumina do mundo.
Deverá
aumentar os rendimentos dos seus sócios, dentre eles, agora, a Vale. Ao
mesmo tempo, a participação do governo norueguês experimentou uma
sensível queda, de 43,8% para 34,5%. Não só para abrir espaço para a
mineradora brasileira como para prevenir alguma área de atrito e tensão
por causa da desnacionalização da Albrás e da Alunorte.
O
Pará, que podia se tornar um personagem no cenário mundial, se
conseguisse deixar de permanecer empacado na produção apenas de metal
primário, volta ao rabo da fila. Em mais este capítulo, vira colônia.
Sem dar um ai sequer.
Ao
contrário do que fez o governo norueguês nesta transação (como já
fizera o governo canadense numa situação inversa, três anos atrás,
quando a Vale comprou a Inco), o governo brasileiro não se manifestou
sobre a questão nem nela atuou. Passou batido. Afinal, para ele, a
Amazônia talvez seja como Marte: fica muito distante.
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