Lucio Flávio Pinto
(Texto escrito em novembro de 2001)
O
Pará está iniciando o quarto ciclo da mineração, que pode lhe permitir
deslocar Minas Gerais da secular posição de maior Estado minerador do
Brasil. Depois dos ciclos do alumínio, do minério de ferro e do caulim,
todos com destaques mundiais, agora é a vez do cobre.
Na
semana passada, a Companhia Vale do Rio Doce fez uma festa em Belém
para o lançamento do primeiro dos cinco projetos que estão previstos
para a extração de cobre das jazidas de Carajás, localizadas a quase 900
quilômetros do litoral do Maranhão, por onde o minério será embarcado
para o mercado exterior.
Só
o projeto da Mineração Serra do Sossego já envolve números
significativos. Ele fará a produção nacional de cobre contido aumentar
cinco vezes. Para isso, a empresa vai investir pouco mais de um bilhão
de reais (o equivalente a 400 milhões de dólares) para produzir
concentrado mineral com 141 mil toneladas de cobre contido, além de 3,5
toneladas de ouro por ano.
A
jazida do Sossego é 60% menor em volume físico do que o depósito
vizinho do Salobo, o mais antigo e pesquisado, mas o teor de cobre é
melhor, possibilitando economia de investimento, o que a fez sair na
frente. A Companhia Vale do Rio Doce acredita na viabilidade do negócio,
apesar da conjuntura internacional ser a pior em muitos anos para o
cobre.
A
queda de 30% nos preços e a formação de um estoque recorde de 500 mil
toneladas fizeram a parceira da ex-estatal, a americana Phelps Dodge,
recuar. A multinacional vendeu a metade que lhe cabia na sociedade à
própria Vale, agora única controladora da empresa.
No
discurso que fez na solenidade de lançamento do projeto, com previsão
de entrar em operação em 2004, o presidente da CVRD, Roger Agnelli,
garantiu que os outros quatro projetos previstos para o aproveitamento
dos demais depósitos do distrito mineral de Carajás serão também
executados.
Se
isso ocorrer, na segunda metade da década, Carajás estará produzindo
anualmente 490 mil toneladas de cobre contido no concentrado, mais 200
mil toneladas de catodo de cobre, e 20,3 toneladas de ouro, depois de um
investimento equivalente a 2,5 bilhões de dólares.
Por
enquanto, os únicos sócios a dividir esse custo com a CVRD são a
multinacional Anglo American, a maior produtora de ouro do mundo, e o
BNDES, em três dos projetos ainda não deslanchados. Mas certamente a
empresa espera atrair outros associados para a área. A esperança da Vale
parece ser a de demonstrar para eventuais interessados que é mais
vantajoso se estabelecer em Carajás do que manter-se em suas bases
atuais.
O
cobre de Carajás passará, então, a ter dimensão nacional e
internacional. O Brasil não produz atualmente mais do que 40 mil
toneladas por ano de concentrado. Como deve consumir algo próximo de 300
mil toneladas, precisa importar o produto, que vem do Chile e do Peru. O
país gasta, anualmente, 400 milhões de dólares com essa importação. Ela
consome o equivalente a 10% do saldo da balança comercial brasileira. É
o segundo dos produtos de origem mineral da pauta de importações
brasileiras, excluído o petróleo.
Mas
ao contrário do que pode sugerir o raciocínio lógico, Carajás, que tem a
terceira maior reserva de cobre do continente, não eliminará essa
dependência. Todo o concentrado ali produzido será exportado. Irá gerar
divisas, mas não acabará com o gasto nas importações de concentrado, que
continuarão a ser feitas. Assim, o Brasil se tornará significativo
exportador de cobre sem deixar de continuar a ser o maior importador da
América do Sul.
Esse
aparente absurdo se explica pelo fato de existir uma única indústria de
cobre no país, a Caraíba Metais, na Bahia, que utiliza o concentrado
produzido igualmente em território baiano por uma mineradora que dela se
desmembrou, mas que só garante menos de um quarto das suas
necessidades.
Seus
interesses não se afinam com os da CVRD, havendo um intrincado jogo de
pressões entre ambas e entre empresas interessadas no mercado
brasileiro. Uma das mais ativas é a Anglo American, que se deslocou da
África do Sul para a Inglaterra e quer ter uma base forte no Brasil.
Ao
complicador nacional agrega-se um elemento perturbador local. Desde
que, em 1979, o primeiro navio embarcou bauxita para o mercado
internacional, fala-se no Pará em “verticalização da produção”, hoje uma
expressão de largo uso entre empresários, técnicos e políticos, embora
seja pouco mais do que retórica.
Com
um rico subsolo, o Pará é o Estado mais “vocacionado” para a mineração
no Brasil. Mas é também um Estado cada vez mais consciente de que só
mineração não desenvolve lugar algum. É preciso avançar no processo de
transformação industrial do bem mineral, verticalizando sua produção e
agregando-lhe valor. É o único antídoto para as relações de troca
desiguais, que têm feito o Pará crescer que nem rabo de cavalo. Ou seja:
para baixo.
O
Estado já é o sétimo exportador da federação e o segundo em saldo de
divisas graças aos bens de origem mineral, responsáveis por 75% de suas
vendas ao exterior. Mas é o 17º em IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano), o segundo mais pobre da Amazônia, no rabo da fila nacional.
Essa
situação só se tem agravado, embora o Pará, com o incremento da
extração das riquezas que estavam escondidas em suas entranhas
geológicas até o início do devassamento de suas riquezas através de
levantamentos detalhados, na década de 70, ostente posições de
prestígio.
Ele
é o terceiro maior exportador de bauxita do mundo. Começou com 3
milhões de toneladas há 20 anos. Em 2003 ultrapassará a marca de 16
milhões de toneladas. Nesse período se formou no Estado o polo de
bauxita, alumina e alumínio mais importante do continente, no qual a
CVRD está investindo US$ 570 milhões para ampliá-lo, mas a
“verticalização” estancou no metal primário.
É
justamente a partir desse ponto que a relação custo/benefício se torna
mais atraente. Há quase 20 anos fala-se em ir adiante na transformação
industrial, mas o que foi conseguido, uma pequena usina de fundição, tem
pouca expressão.
A
utilização da mais rica jazida de minério de ferro do planeta,
localizada em Carajás, vem sendo feita na mesma escala da bauxita: de 15
milhões de toneladas pulou para 35 milhões e ultrapassou há três anos
50 milhões de toneladas anuais, prometendo chegar a 120 milhões até o
fim da década. O máximo de verticalização alcançado foi a produção de
ferro gusa à base de carvão vegetal.
Novamente,
como no caso do lingote de alumínio, é exatamente aí que começam os
ganhos, que só se tornarão possíveis para o comprador desse bem
intermediário. Comprador que está além-mar, usufruindo os ganhos
comparativos.
O
enredo, que está demarcando também a consolidação do polo de caulim sem
papel, irá se repetir no nascente ciclo de cobre? Dos cinco projetos
colocados na prancheta pela CVRD, quatro ficarão na concentração do
minério, que será exportado e, lá fora, transformado em bens de maior
valor.
O
único empreendimento que prevê chegar à metalurgia é, talvez não por
mera coincidência, o mais complicado de todos, o da Salobo Metais
(associação da CVRD com a Anglo American). Começou mais cedo e, se seu
cronograma se sustentar, será o último a dar partida, em 2006,
juntamente com o aproveitamento da mina do Alemão.
Prevê
a produção de 200 mil toneladas de metal (além de 8 toneladas de ouro).
Ao que se sabe, a metalúrgica está sendo considerada porque as
características químicas e físicas do minério impossibilitam sua
comercialização na forma de concentrado.
A
implantação do projeto da Mineração Serra do Sossego e dos outros
quatro empreendimentos do polo de cobre de Carajás terá um grande
impacto na área, no Estado, no país e até no mercado internacional. Não
foi por acaso que o governador Almir Gabriel, do PSDB, convocou para a
solenidade de lançamento todo o seu staff.
A
mineração do cobre veio juntamente com a criação de um fundo, que, ao
final do tempo de vida útil da mina, de 15 anos, chegará a 360 milhões
de reais, controlado pela máquina estadual. Sobretudo em período
pré-eleitoral, os discursos do governador e do presidente da CVRD,
afinados, soaram como música para o esquema de lançamento do candidato
situacionista, ainda um traço nas sondagens de opinião pública.
Nessas
circunstâncias, cai como maná o anúncio de milhões de dólares em
investimento, milhares de novos empregos, obras de infraestrutura,
programas de compras na praça local e outros elementos de ativação
econômica.
Todos
esses elementos imediatos prevalecem sobre a retórica da
“verticalização”, de resultados mais demorados e de adoção mais difícil.
Exatamente como ocorreu nas festas do passado, quando foram celebrados
os inícios dos ciclos do alumínio, do minério de ferro e do caulim. E
que, como ocorreu em todas as partes do mundo, no passado e até hoje,
não conseguiram dar um passo além dos restritos limites da mineração.
O
Pará, ao que parece, seguirá essa tradição. Nada auspiciosa, apesar das
aparências. Alguns anos atrás, lutava-se pela industrialização do
minério. Agora, aceita-se como fato consumado que ele será apenas
enriquecido, do teor natural, um pouco mais ou menos de 1%, para 30% de
cobre contido. O beneficiamento será feito em outro lugar, provavelmente
bem longe. Como sempre.
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