quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A noite da homenagem a Lúcio Flávio Pinto na entrega do Prêmio Vladimir Herzog

Do blog Todos com Lúcio Flávio Pinto.




Lúcio Flávio Pinto recebeu o prêmio pelo conjunto de seu trabalho. Foto: Rose Silveira

O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, recebeu, na última terça-feira (23), o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em cerimônia realizada no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca), na capital paulista. O paraense dividiu a homenagem com o jornalista, professor e escritor Alberto Dines, que comemora 80 anos de idade e 60 de profissão. A premiação, concedida pelo Instituto Vladimir Herzog, contemplou dezenas de jornalistas brasileiros nas categorias artes, criança de em situação de rua (especial), fotografia, internet, jornal, rádio, revista, documentário de TV e reportagem de TV. Foram concedidas menções honrosas nas mesmas categorias, sendo um dos um dos contemplados o também paraense Ismael Machado, do Diário do Pará, pelo Dossiê Curió.
A noite também foi de entrega do Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, que chegou à quarta edição valorizando trabalhos acadêmicos na área de jornalismo. Três equipes de diferentes universidades brasileiras, coordenados por um professor, terão a oportunidade de desenvolver a pauta proposta por eles sob a supervisão de um jornalista profissional.
Ao falar sobre Lúcio Flávio Pinto, Audálio Dantas ( ex-presidente da FENAJ ) ressaltou a importância do Jornal Pessoal que, em 25 anos de publicação, tem sido uma das principais fontes de referência sobre a Amazônia. Segundo ele, para se conhecer profundamente a região nos dias atuais, há de se consultar o que escreve Lúcio Flávio em seu jornal e em seus livros. “É uma instituição amazônica [para] quem quiser saber sobre a Amazônia, principalmente o que a Amazônia tem de riqueza e de pobreza, essa pobreza que se choca com essa riqueza, essa riqueza que é explorada de todas as maneiras, e muitas vezes de maneira ilegal”, afirmou.
E ressaltou: “O Lúcio Flávio é o único que sustenta hoje, no Brasil, um jornal que se pode chamar de alternativo, porque faz esse jornal sozinho há 25 anos desde o momento em que as suas matérias, a maioria das quais de críticas severas contra a exploração desordenada e violenta da Amazônia, não encontravam mais espaço nos veículos da grande imprensa. Então, ele resolveu fazer o seu jornal, que não aceita publicidade, porque ele considera que, ao aceitar, assume compromisso que sua consciência não permite”.
Destacou a coragem de Lúcio Flávio em continuar a exercer seu jornalismo mesmo pressionado pelas ações que estão em curso nos dias atuais. “O Lúcio Flávio é vítima daquilo que chama hoje, no Brasil, de censura togada. São aqueles juízes que, acima da Constituição, mandam jornalistas se calar. Ele nunca se calou e por isso…” Citou especialmente a condenação sofrida pelo jornalista em indenizar os herdeiros do megaempresário Cecílio do Rego Almeida, mesmo tendo sido comprovadas as denúncias feitas por Lúcio da grilagem de 5 milhões de hectares na região do Xingu; e mesmo que a justiça federal tenha determinado o cancelamento de todos os registros de terras feitos de forma fraudulenta, conforme procedimentos apurados e publicados por Lúcio Flávio em seu jornal, em 1999.
“Continua valendo [a condenação], porque ele não tinha o dinheiro para pagar essa indenização. Mas ela produziu, ao mesmo tempo, um formidável movimento de solidariedade que se espalhou por todo o país, principalmente por jornalistas que disseram: ‘Todos nós somos Lúcio Flávio Pinto’. É esse camarada aqui”, apontou para Lúcio Flávio, sendo bastante aplaudido pela plateia. “Isto valia ser dito aqui, porque simboliza um protesto contra essa censura que permanece, aqui e ali, em defesa, na maioria das vezes, de interesses peculiares”, encerrou.

Ao final da cerimônia, Lúcio Flávio e Audálio Dantas autografaram seus novos livros: A Amazônia em questão: Belo Monte, Vale e outros temas (B4! Editores) e As duas guerras de Vlado Herzog (Editora Civilização Brasileira), respectivamente.
O Prêmio Vladimir Herzog foi instituído em 1978 por um conjunto de instituições ligadas ao jornalismo e aos direitos humanos, tendo por objetivo valorizar os trabalhos nas áreas da cidadania e dos direitos humanos; homenagear profissionais que se destacam no setor e, ainda, reverenciar a memória de Vladimir Herzog, jornalista morto nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, durante a ditadura militar.
Confira aqui a lista de todos os premiados.
Discursos
Lúcio Flávio Pinto
Eu sinto-me em casa aqui em São Paulo, onde morei por cinco anos, me formei na Escola de Sociologia e Política – tem até um colega meu de escola aqui presente –, e nasceu minha primeira filha aqui.
Eu estava em Belém, em 1987, já com 21 anos de jornalismo, quando, um dia, fiz, depois de três meses de investigação, uma matéria sobre o assassinato do ex-deputado Paulo Fonteles de Lima, um dos crimes políticos mais graves que já ocorreu no Pará. E essa matéria estava redonda, completa (ela ganhou o Primeiro Prêmio Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas), e eu apresentei à diretora do [jornal] Liberal, que depois moveu cinco ações contra mim, e ela me disse que, infelizmente, não podia publicar porque envolvia dois dos maiores anunciantes da empresa, e um deles era considerado um dos homens mais ricos do Pará e outro, o maior armador fluvial do mundo.
E nós, jornalistas, já ouvimos esta frase várias vezes: “Ah, quer publicar? Faz o teu jornal”. Eu já havia experimentado fazer alguns jornais, disse: “Vou fazer um jornal para publicar essa reportagem”. Um jornal de custo mínimo, uma só pessoa, também sem qualquer possibilidade de dissidência (gargalhadas da plateia) e iria recusar publicidade. Primeiro jornal que recusaria publicidade. Me lembrei do Opinião, onde trabalhei também com Américo Nunes Pereira, e o Opinião disse: “Jamais a publicidade será superior a 20%”. Nunca precisou ter essa preocupação. Então, resolvi eliminar até essa preocupação metafísica.
Eu fiz o jornal, achando que o Jornal Pessoal fosse um jornal alternativo. Se fossem as teorias de Comunicação corretas, ele não precisaria existir, porque nós estamos no período da mais longa democracia da República brasileira. Mas eu vi que, ao longo do tempo – já se vão 25 anos –, o Jornal Pessoal  se especializou, involuntariamente, em publicar o que a grande imprensa não publica sobre a Amazônia. Não publica às vezes porque não sabe; não publica às vezes porque omite ou manipula, e os interesses que a Amazônia provoca hoje são mundiais. Neste momento, o maior trem de carga do mundo está fazendo a sua oitava viagem levando minério de ferro, o melhor minério de ferro do planeta, para a Ásia, 70% dele para a China e 20% para o Japão. É  maior trem de carga, leva quatro minutos, passando por determinados pontos, tem 330 vagões, quatro quilômetros de extensão.
Então, a imprensa não publica e o Jornal Pessoal se mantém porque simplesmente diz a verdade, e a verdade se tornou pecaminosa, tem de ser perseguida em plena democracia! O que acontece com nossa democracia, quando a justiça passa a ser o instrumento de perseguição?
Um grande cientista político alemão, Franz Neumann, analisou os julgados a República de Weimar, antes do Hitler – ele teve que fugir da Alemanha para os Estados Unidos. E ele mostrou que justiça de Weimar, da República Democrática de Weimar, julgava diferentemente as pessoas: os socialistas eram punidos violentamente, os nazistas, não. Nós estamos, no Brasil, numa justiça da República de Weimar e, por isso, a justiça, que é o esteio da democracia, hoje aparece nos sertões, nos limbos do Brasil, como a ameaça.
E entre esses 33 processos que o Audálio Dantas, grande personagem, modelo para todos nós, jornalistas, lembrou o caso de um grileiro, que grilou terras. E eu fui condenado a indenizar o grileiro por chamá-lo de grileiro. A justiça do Estado [do Pará] me condenou, reconhecendo a grilagem, e a justiça federal deu a decisão contra ele. Como eu não tinha dinheiro para pagar, e não tinha mais a que recorrer, porque o presidente do STJ, Ari Pargendler, ele simplesmente pegou as formalidadezinhas da lei e ignorou a substância e as próprias decisões do Superior Tribunal de Justiça. Resolvi não mais recorrer e, em 10 dias, os brasileiros, sobretudo de São Paulo, aderiram à nossa coleta e nós reunimos dinheiro suficiente para pagar.
Agora, o problema é pagar. Não existe nenhuma legislação da justiça brasileira do réu que quer pagar. Todo réu foge de pagamento. Eu quero pagar, porque no dia em que eu for pagar, em nome de 770 pessoas que me deram dinheiro para eu pagar, eu quero dizer: “Essa justiça é iníqua. Essa justiça não tem identidade nenhuma com a nação”. Então, esse pedido único na história do judiciário brasileiro está na mãos do juiz, o juiz não sabe o que fazer para eu pagar a minha indenização. Então, eu acho que, à parte os interesses corporativos, os empresariais, nós, jornalistas, temos que colocar a mão na nossa consciência e dizer: ‘Nós estamos sendo covardes? Nós estamos querendo fugir dos riscos? Nós estamos querendo ficar ao lado do computador, ao lado do telefone, não na linha de frente, olhando as pessoas e vendo o Brasil real?’
Hoje, com este prêmio que muito me emociona, vocês estão dizendo que aquele jornalzinho, lá em Belém do Pará, pequeno, que não tem foto, que não tem cor, não tem mulher nua, não tem colunista social, ele merece viver. Nós merecemos viver. Muito obrigado!

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