LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
O senador Mário Couto, do PSDB,
procurou O Liberal para fazer uma
denúncia que foi parar na capa da edição dominical do dia 18 de novembro do
jornal da família Maiorana e ocupou toda uma página interna. Tudo que o senador
disse, o jornal reproduziu. Mas o que disse o ex-dono de uma banca do jogo do
bicho, que é contravenção penal, não passava de uma versão “por demais absurda,
surreal”, conforme a nota oficial através da qual a Associação dos Magistrados
do Estado do Pará reagiu, em defesa do seu associado.
Mera atitude corporativa? Nada disso.
O senador tucano afirmou ter sido vítima de uma tentativa de chantagem: o
advogado Paulo Hermogenes se apresentou em nome do juiz Elder Lisboa da Costa,
titular da 1ª vara de fazenda pública de Belém. Era o emissário de uma
proposta: o juiz excluiria o parlamentar de uma ação movida contra ele pelo
Ministério Público do Estado em troca de propina no valor de 400 mil reais.
O senador não informou a data do
contato, mas sua descrição sugere que ocorreu há algum tempo. Nesse período não
comunicou o fato à polícia nem foi ao suposto inspirador da missão para
verificar se o intermediário realmente falara em nome do juiz. Limitou-se a
fazer de conta que estava interessado na proposta para ver até onde ela ia (ou
apenas “para deleite pessoal”, como diz a nota da associação) e depois a
esqueceu.
Por “coincidência”, decidiu se
lembrar dela depois que a ação civil pública movida contra ele pelo Ministério
Público foi aceita e o juiz Elder Lisboa determinou o bloqueio dos seus bens e
dos demais denunciados por desvio de recursos públicos através de fraudes nas
licitações da Assembleia Legislativa, além de outros atos de improbidade
administrativa. O cálculo do rombo começa em R$ 12 milhões, mas pode atingir
quase R$ 200 milhões.
“Como merecer credibilidade uma
conversa entre terceiros transacionando dividendos a outrem que sequer tem
contato próximo com quaisquer dos interlocutores? Crendo-se protegido pelo
manto do mandato, o Senador Mario Couto cria um perigoso precedente de se
admitir o achincalhe fabricado”, protestou o presidente da Amepa, Heyder
Tavares da Silva Ferreira. O precedente se tornou ainda mais perigoso por ter
sido integralmente encampado pelo jornal.
O Liberal devia pelo menos ter considerado o fato, de que o seu entrevistado “aguardou,
de forma estranha, a decisão judicial desfavorável para, somente depois de
ofendido em seus bens, passar a defender a suspeição da autoridade judicial.
Indaga-se: qual seria a postura do parlamentar se o magistrado não tivesse
efetivada a decisão imparcial? Quedaria inerte como o fez até a presente data?”
E o jornal?
O Liberal teria ainda que considerar outra contradição apontada pela associação
de classe: a defesa de Mário Couto no processo da Assembleia Legislativa “pauta-se
em um alegado desconhecimento do que era feito por terceiros durante sua
gestão, ainda que estes fossem seus subordinados. Alega não poder ser
penalizado se terceiros usaram indevidamente seu bom nome. ‘Como poderia ser
responsabilizado por desvios de condutas de que não tinha conhecimento?’,
bradou em entrevista a uma rede televisiva”.
No entanto, atribuiu ao juiz
responsabilidade “por possíveis desvios de conduta praticados por terceiros,
que ao contrario de seu caso, não guardam qualquer subordinação hierárquica com
o magistrado”. O juiz não poderia estar sendo vitima nos mesmos moldes alegados
pelo senador?
“Somente por ilustração”, a nota da
Amepa lembra que Mário Couto “sempre foi acusado de subsidiar contravenção
penal de jogo do bicho, mas tal nunca lhe impediu de alçar um dos mais
respeitáveis assentos do regime democrático brasileiro. Não se pode tentar
atingir a honra de quem quer que seja com castelos de areia, com suposições que
jamais se sustentariam de forma real”.
O juiz Elder Lisboa, garante sua
associação, “tem reputação ilibada assegurada por sua conduta de décadas na
magistratura paraense. Ademais, trilha um caminho singular como professor,
mestre e doutorando em universidades europeias, sem registrar qualquer arranhão
na sua história funcional”.
Ao invés de questionar o julgador do processo em que é réu, o senador deveria
vir a público “esclarecer a nuvem negra que paira sobre sua administração no
Poder Legislativo Estadual. Como explicar que uma empresa de tapioca faturasse
desde o cafezinho até passagens aéreas na ALEPA? Que estagiários fossem
transformados em servidores de maneira fictícia? E que o dinheiro público fosse
tratado com tamanho descaso?”.
Ao procurar a imprensa, a intenção do
parlamentar “não é de contribuir para o engrandecimento de instituições.
Caracteriza clara tentativa de tumultuar a apuração para tentar escapar pela
tangente”.
Das palavras à ação, a Amepa exigiu “investigação
rigorosa dos fatos pelo Ministério Público, pela Corregedoria, pela Presidência
do Tribunal de Justiça do Estado do Pará e pelo Conselho Nacional de Justiça”. Anunciou
ainda que o juiz “colocará a disposição da investigação seus sigilos bancário,
telefônico e fiscal”.
Depois da divulgação da nota, o
deputado Edmilson Rodrigues, do PSOL, informou da tribuna que o advogado Paulo Hermógenes, o suposto emissário do juiz, tem “relação
de longa data” com Mário Couto, “inclusive, já fizera campanha para o senador
no município de Muaná, no Marajó, onde sua mãe já foi prefeita e seu irmão é o
prefeito eleito do município, Murilo Guimarães”.
Espera-se que
providências necessárias para esclarecer a questão sejam adotadas cheguem ao
fim, ao contrário do processo instaurado 20 anos atrás contra Mário Couto e
outros chefes do jogo do bicho em Belém, que não teve desfecho.
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