Nesse período de pandemia vem-me
à mente inesquecíveis e prazerosos períodos de minha vida e, grande parte dela,
ligada a pessoas da melhor idade, algumas, até, centenárias.
Há quinze dias, fiz pela
primeira vez nas redes sociais um apelo para que amigos e conhecidos se engajassem
em uma campanha de doação de sangue para a minha avó postiça Raimunda Barbosa,
que sofre de uma doença autoimune e que, àquela altura, necessitava de plasma,
em falta no Hemopa Belém.
Ontem, dona Raimunda voltou
para casa, depois de ser tão bem atendida no hospital Jean Bittar, do SUS. Ela
virou personagem de uma corrente de solidariedade inesquecível. No Hemopa,
assim que os pedidos foram se multiplicando geometricamente, o fluxo de
doadores foi tão grande que a direção do hemocentro precisou tomar medidas
extras de distanciamento. Parecia que ali estavam para atender ao chamado em
favor de uma autoridade ou personalidade.
Mas não. Tanta gente à porta
do Hemopa era para responder ao chamado para ajudar dona Raimunda, essa
serelepe mulher de 92 anos, que aparece sorridente nessa foto comigo, há três anos, em companhia de minha nora Jessika, neta dela e esposa do meu
filho Luã. Então, como diz o título desta crônica, dona
Raimunda também é minha avó!
Luã e Larissa, meus filhos,
ainda tiveram mais sorte que eu. Conviveram com os avós por mais tempo, embora
Luã tenha nascido quando sua avõ materna
já fosse falecida.
Mas como na vida, às vezes, se dá e se
tira, ao mesmo tempo, eu tive muita sorte de ter avós postiças. Aprendi desde
cedo a ter um núcleo familiar muito restrito. Só pai, mãe e irmãos. Não conheci
meus avós. Tios, por exemplo, só os conheci quando fui para faculdade. O jeito
foi me virar praticamente sozinho.
Minha primeira avó
emprestada foi dona Silvia Cardoso. Cametaense, com minha mãe Sarita, ela nos
deixou aos 103 anos. Sempre me acolheu com atenção e carinho.
Já fazia parte da minha
rotina, quando morava em Belém, e até mesmo quando voltava à capital depois de
mudar-me para Santarém, frequentar a casa de dona Silvia, na Cidade Velha.
Aniversários incontáveis, almoços e jantares a qualquer dia da semana. Há, em
arquivo, centenas de fotos e mais outros registros memoráveis celebrando a
nossa amizade.
Dona Sílvia faria aniversário no próximo sábado, dia 6 de junho. Lembro-me que havia antes de cada
festejo uma celebração religiosa, na sala. Eu, sorrateiramente, entrava pela
lateral da casa e esperava a “reza” terminar, na cozinha, beliscando as comidas.
Na hora da foto, lá estava eu colado nela. Quando ela me via, reclamava,
indagando por que eu não tinha ido rezar, mas eu sempre tinha uma resposta
engraçada, que a desconcertava: Sei que a senhora sempre reza por mim!
Ouvia-se, sempre, uma sonora gargalhada, aliás, um de seus hábitos preferidos.
Quando comemoramos seu
centenário, os filhos e netos mandaram fazer um vídeo. Para ilustrar, usaram diversas
fotos de arquivo, muitas quais eu a tinha presenteado. Alguns convidados que me
conheciam, e me viram sempre ao lado dela, nessas festas, após a exibição
vieram me cumprimentar, como seu eu fosse membro da família, tão presente eu
fui mostrado no vídeo. Um colega jornalista, que fez uma matéria dos 100 anos da dona
Silvia, veio até minha mesa se dizer surpreso por me conhecer há tanto tempo
e não saber até aquela ocasião que eu
era filho dela. Respondi: sou neto!
Depois que Dona Silvia fez
sua passagem, há 5 anos, Deus me presenteou com minha segunda avó emprestada.
Essa ai, dona Raimunda, é avó por empatia, mesmo que fisicamente tenhamos nos
encontrado pouco. Mas nessa pandemia, todos os dias, pela manhã, em conversa de
vídeo com meu filho Luã, a primeira indagação é esta: como está a vovó?
Antes da crise que a levou
ao hospital, certa vez, na hora da transmissão, notei um vulto ao fundo do vídeo, como se alguém estivesse preso a uma grade.
Perguntei ao Luã o que era aquilo que aparecia atrás dele. E ele, sorrindo, me
respondeu: _ Pai, é a vovó limpando a grade da área dos fundos da casa!
Só me restou comentar que
aquilo era uma atividade estafante e perigosa para uma senhora de idade
avançada. A resposta veio a galope: _ Pai, o senhor não sabe a metade das
estripulias que a vovó faz, melhor nem ficar sabendo!
A bêncão, dona Silvia, a
bênção, dona Raimunda!
2 comentários:
Feliz por saber que a Vo Raimunda tá superando... em nossa orações esteve presente. Melhor ainda por um dia de maio estar rezando um terço com a família. Sim, agradecer por tudo. Mais ainda por compartilhar com minha amiga Heloisa sua vozinha. Foi minha segunda família. Me acolheram e foi muito bom conviver com toda religiosidade que elas viviam e praticavam. Obrigada dona Sylvia. Saúde dona Raimunda.
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