sábado, 25 de março de 2023

Repórter não é policial, cinegrafista não exerce função de promotor e editor jamais será juiz

Em toda a minha profissional, desde 1980, eu acompanhei, produzi, editei e dirigi reportagem policial, para rádio e jornal e mais recente para portal de notícias. E vi coisas que nada têm de edificante para a categoria. 

A cobertura policial é a mais complicada de todas, e exige muita responsabilidade. E até risco de morte.

Eu já presenciei coberturas bizarras, não só de crimes, mas de atropelamentos por que alguns colegas não respeitam a privacidade nem de corpos dilacerados, estendidos nas ruas. 

Sei de mãe que morreu de infarto ao ser surpreendida ao ver imagens dos pedaços do filho tornadas públicas, já no período de disseminação dos aplicativos de mensagens e redes sociais. 

Conheci também repórter que se julga policial, cinegrafista que se julga promotor e editor que pensa que é juiz. 

Em toda essa polêmica que a medida adotada pelo MPF pode suscitar _[ O MPF acusa emissoras de TV por violação do princípio da presunção de inocência e de outros direitos e garantias fundamentais de pessoas sob a custódia do Estado ]_, há de se reconhecer os excessos. A cobertura não está proibida, o que o MPF quer proibir é o uso indiscriminado das imagens sem permissão de pessoas suspeitas, principalmente as colhidas no interior de delegacia, e não em vias públicas, como supõem alguns. 

Já vi caso de repórter retirar a camisa ou máscara do rosto do suspeito para filmar, como também já vi policial puxar o preso pelo cabelo para que este levante a cabeça e se deixe fotografar, isso antes da entrada em vigor da lei de abuso de autoridade. 

A ação do MPF não mira só a divulgação das imagens sem o consentimento do suspeito. É mais pela forma sensacionalista como ela é apresentada. 

Sei que muitos imaginam ser imprescindível ter a cobertura em porta de xadrez quando, muitas vezes, a fase policial de um crime, seja homicídio ou assalto, por exemplo, é apenas o início de um processo penal. 

A colheita de imagens e informações, em local público ( não confundir com órgão público) não tem restrição de nenhuma legislação. O que se reclama é a “invasão” de hospitais, institutos de perícia e delegacias de polícias para a obtenção de imagens. Pela lei de abuso de autoridade o policial pode ser punido se der essa permissão, mas o jornalista que obtiver a imagem, sem autorização, não pode ser punido pelo estado, mas não estará imune a um processo por uso indevido de imagem de qualquer pessoa, seja ela estando detida ou não. Caberá à justiça decidir.

Se alguém me questionar sobre a ação do MPF acho a mesma necessária, em parte, para coibir os excessos. 

Até porque há de se ter cuidado para que o jornalista ( e aqui englobo os profissionais de comunicação em geral) não venham ser meros repassadores de versões da polícia. 

Ao longo de todos esses anos, sempre desconfiei da versão da polícia, até porque muitos inquéritos são anulados por falhas na investigação e, às vezes, por serem mal elaborados, e servem de biombo para que suspeitos nem sejam denunciados.

Não passo mão na cabeça de bandido, civil ou militar, e por isso não me presto a ir a uma delegacia levantar a bola para delegado inoperante aparecer na mídia.

Porque para alguns policiais é conveniente que  repórteres se atenham à cobertura das prisões em si, do que com o desenrolar da investigação, que, como já frisei, só começa numa delegacia de polícia e tem um longo caminho a percorrer na justiça, que é quem dá a palavra final. 

Por pensar como expus acima, adoto alguns procedimentos nos veículos que dirigi ou dirijo: suspeito é suspeito, denunciado é denunciado, condenado é condenado. E também não publico foto de cadáver. 

Por isso não cubro delegacia, respeito os que fazem esse tipo de cobertura diária mas, pra meu trabalho, isso não é necessário.  

Vou permanece assim, nem que, quase que diariamente, eu tenha que receber críticas de leitores a respeito de manchetes que adotamos na cobertura policial: “fulano de tal, suspeito de...”. Muitos leitores já o condenam, querem que a notícia já o classifique como assassino, assaltante, sem ao menos o suspeito ter sido denunciado pelo Ministério Público, e muito menos ouvido em audiência de custódia por um juiz.


*Miguel Oliveira, jornalista profissional, é editor do Portal OESTADONET

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