Cerca de mil trabalhadores do Complexo Minerador de Carajás e representantes de diversos movimentos sociais assistiram à audiência de instrução da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra a Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) e 42 empresas prestadoras de serviço, na qual é cobrado o direito dos trabalhadores ao recebimento das horas de percurso. Em razão da quantidade de interessados, o juiz da 1ª Vara do Trabalho de Parauapebas (PA), Jônatas Andrade, foi obrigado a realizar a audiência no ginásio do Clube de Diretores Lojistas da cidade.
Na abertura, o juiz leu um resumo do que estava ocorrendo para que os trabalhadores entendessem o processamento da ação. Além dos representantes da Vale e de 39 das 42 empresas acionadas, participaram da audiência representantes da Comissão Pastoral da Terra, do Movimento dos Garimpeiros de Serra Pelada e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Trabalhadores também tiveram direito à palavra. O MPT havia requerido ao juiz uma audiência pública para ouvir os sindicatos e trabalhadores, e o magistrado decidiu realizar a audiência pública no âmbito da audiência de instrução processual.
Segundo relato dos procuradores do Ofício de Marabá (PA), José Adílson Pereira e Francisco Cruz, autores da ação, os representantes da Vale e das demais empresas quiseram ouvir o Ministério Público do Trabalho, embora este não seja o procedimento usual, já que o MPT não é titular do direito pleiteado na ação, por isso não pode confessar nem transigir."Decidimos aceitar o interrogatório, que se transformou num verdadeiro bombardeio de perguntas e questionamentos sobre as provas trazidas na petição inicial, sobre as inspeções que fizemos, sobre as leis que regem o transporte municipal, sobre a realidade local, entre outras indagações", contou o procurador José Adílson.
Segundo os procuradores, após muitos protestos, requerimentos e tentativas de procrastinar a audiência, ficou evidente a tática das empresas rés em tentar desqualificar os procuradores que ajuizaram a ação. José Adílson e Francisco Cruz sofreram verdadeiros "ataques" nas perguntas e foram testados em público quanto a seus conhecimentos sobre os fatos e sobre Direito (Constitucional, Administrativo, do Trabalho e Processual).
Sem aceitar a provocação, os procuradores usaram termos simples e mais acessíveis ao público presente para resumir no que consistia a ação, porque ela foi ajuizada e quais os direitos dos trabalhadores envolvidos na questão, além das conseqüências e benefícios de uma decisão coletiva.
"Nossa participação foi essencial para levar ao juiz, por meio de perguntas feitas aos prepostos das rés e à testemunha levada, elementos de convicção ao magistrado, embora a Vale tenha tentado, por todos os meios, obstaculizar a sessão, enveredando pelo caminho da supremacia da formalidade processual, em detrimento dos princípios que norteiam o Processo do Trabalho", afirmou o procurador José Adílson.
Embora a Justiça do Trabalho reconheça o direito do trabalhador às horas de percurso como tempo efetivamente trabalhado, em acordos coletivos firmados na região de Carajás, os sindicatos abrem mão do pagamento. Por isso, a Vale não paga e não permite que as empresas que lhe prestam serviço computem na jornada de trabalho o tempo que os trabalhadores gastam no deslocamento da portaria até o efetivo local de trabalho (minas de Carajás e Sossego) —aproximadamente duas horas para ir e para voltar.
A Vale insiste em que o local de trabalho é de fácil acesso e servido por transporte público regular, embora inspeção judicial requerida pelo MPT tenha apontado que os trabalhadores são transportados em condução fornecida pelas rés e o local não é urbano, pois está cercado de mata virgem.
Um analista de recursos humanos da Vale confirmou a ingerência da empresa nos contratos celebrados com as prestadores de serviço quanto às normas trabalhistas, jornada de trabalho e transporte. Prepostos de algumas empresas contaram ao juiz que têm arcado com os custos decorrentes do reconhecimento das horas in itinere, uma vez que a Vale não aceita aumentar a remuneração dos contratos para cobrir essa despesa e não aceita, quando contrata uma nova empresa, a inclusão dessa despesa na planilha de custo.
O mesmo analista da Vale reafirmou que o local é de difícil acesso, inclusive com riscos de acidentes com animais silvestres. Segundo ele, se a Vale retirasse o transporte fretado, a empresa de transporte local teria de aumentar sua frota para atender os trabalhadores. Prepostos das empresas contratadas confirmaram a necessidade de fornecer o transporte ao trabalhador pois, do contrário, não teriam como cumprir o contrato com a Vale. A testemunha apresentada pelo MPT —um gerente comercial de uma empresa que prestou serviços para a Vale e que teve seus contratos extintos por decurso de prazo— foi imediatamente contraditada pela Vale. Segundo os advogados da empresa, haveria interesse da testemunha em prejudicar a Vale, depois que perdeu os contratos por rescisão unilateral. A testemunha desmentiu a informação, e o juiz indeferiu a contradita. A testemunha confirmou a ingerência da Vale nos contratos, desde sua formação, impedindo que a despesa com as horas in itinere componha a planilha de custos. Os procuradores do Trabalho estranharam o fato de as empresas não apresentarem nenhuma testemunha.
Os pedidos de novas perícias foram indeferidos pelo juiz Jônatas Andrade. Segundo ele, há provas suficientes para sua convicção, que permitirão a prolação da sentença. Sob protestos, o juiz encerrou a audiência. Nova audiência foi marcada para o próximo dia 14 de maio, às 9h, para apresentação das razões finais e decisão. Como haverá manifestação sobre contestações e documentos apresentados, o juiz deverá recebê-la e marcar data para sentença.
(Fonte: Última Instância)
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