quinta-feira, 10 de abril de 2008

Nepotismo e outras questões da justiça

Do Jornal Pessoal, de Lúcio Flávio Pinto, que chega hoje às bancas de Belém:

"O Coordenador de Imprensa do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Linomar Bahia, enviou uma carta a este jornal a propósito de matérias da edição anterior referentes ao judiciário. Considerando a importância das questões, decidi publicá-la à parte da seção de cartas. Minha resposta segue-se à correspondência do TJE.
De ordem da Presidência do TJE, e em atenção e respeito aos leitores e à sociedade em geral, faço chegar a V. Sa. as seguintes informações, esclarecendo o que consta de matérias publicadas na edição da 1ª quinzena de abril desse periódico.
Não se sustenta na legislação vigente e, assim, muito menos comporta o rótulo de arcaico, o que consta de trecho inserido na matéria de capa, intitulada “Na quadratura do círculo”, sobre o critério adotado pelo Pleno do TJE na votação da lista tríplice para preenchimento da vaga de desembargador destinada, pela Constituição Federal, a advogado constante de lista sêxtupla encaminhada pela OAB-PA.
Todo o processo de votação dos nomes observou rigorosamente a dispositivos constitucionais em pleno vigor para procedimentos dessa natureza, nos quais também repousam os textos dos regimentos do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, ambos igualmente vigentes e observados no evento.
A votação aberta e fundamentada, embora recomendada pelo CNJ, ainda carece de uma decisão definitiva daquele órgão, mediante a competente Resolução, tema que foi objeto, inclusive, de informações que este TJE prestou ao Conselho.
Quanto à matéria “Nepotismo na Justiça?”, à página 4, seu caráter meramente especulativo impede que a denúncia nela insinuada, de natureza grave, possa ser objeto da apuração que, acaso fundamentada, seria prontamente procedida pela Presidência do TJE, esperando-se, para tanto, o fornecimento de indícios que porventura possam propiciar a apuração de responsabilidades.
MINHA RESPOSTA
É direito da presidente do Tribunal de Justiça defender a legitimidade e legalidade do processo de escolha do novo desembargador para o quinto constitucional reservado à OAB. Temos que reconhecer seu ponto de vista. Um entendimento objetivo da questão, entretanto, é facilitado pelo incidente ocorrido durante a posse de Leonam Cruz Júnior. Seu discurso se preocupou exclusivamente em homenagear as duas mulheres de sua admiração e que lhe permitiram assumir o cargo: a governadora Ana Júlia Carepa, que o nomeou, e a presidente do TJE, desembargadora Albanira Bemerguy, que encaminhou a lista tríplice à sanção da governadora. Aparentemente, só com alguma relutância ele incluiu, dentre as mulheres em destaque nesse momento especial da história feminina, a presidente da OAB, Angela Sales.
Entende-se e se aceita: Leonam não era o candidato da íntima preferência da dirigente da Ordem. Mas o novo desembargador é representante dos advogados no tribunal. Logo, devia de alguma maneira partilhar a posição da categoria, expressa pela sua maior representante, ainda que discordando da oportunidade e da forma do pronunciamento. Será que logo poderá estar repetindo atitudes, como a do magistrado que virou de costas quando a presidente da OAB discursava ou das duas desembargadoras que de pronto manifestaram sua reprovação à iniciativa?
Todos exerceram seu justo direito de expressão, mas têm que admitir também que cada um é responsável por suas próprias decisões. E se a presidente da Ordem decidiu falar, a resposta a ela tem que buscar o debate de conteúdo, o diálogo de idéias, e não a mera reprovação formalística, adjetiva, inquisitorial e voluntariosa. A sociedade está insatisfeita com as deliberações do tribunal, que são tomadas sem considerar que a manifestação da justiça só deve ser definida após a produção de provas e a ampla defesa. Não através de um édito do trono. Aos insatisfeitos individuais e aos demandantes nos feitos compete recorrer, conforme as regrar processuais e as ordenações legais. Mas a sociedade tem o direito de expressar-se fora dos autos. E os detentores de cargos públicas têm a obrigação de ouvi-la e considerá-la. Ou então o mundo deixa de existir, a pretexto de que ele não pode extrapolar os limites dos autos.
A discussão sobre a justiça precisa prosseguir até que o esclarecimento se torne satisfatório, aproximando o plano da representação do nível da realidade. A carta da desembargadora Albanira contribui positivamente para esse diálogo.
Quanto às acusações de nepotismo, sugiro à presidente do TJE alguns procedimentos. Ela pode apurar os fatos requisitando as fitas das gravações das quatro câmeras que registram os movimentos das pessoas no palácio judiciário. Verificará se parentes de magistrados estão ou não comparecendo regularmente ao local, como se estivessem no desempenho regular de funções no poder (o que, obviamente, não é mais possível, porque foram demitidos). A verificação talvez produzisse outro efeito lateral positivo: flagrar quem bate o ponto eletrônico e depois vai embora.
Também a presidente do tribunal poderia verificar se há assessores dos gabinetes que recebem seu pagamento, no dia 27 de cada mês e imediatamente sacam a maior parte dos seus vencimentos (em torno de 3,4 mil reais de um total de R$ 5,8 mil, reduzidos a R$ 4,4 mil líquidos), para repassar esses valores em dinheiro vivo. Deixam na conta aproximadamente mil reais, apenas.
Se esses fatos confirmarem os indícios apresentados, creio que surgirão os motivos para apurar as denúncias. Que, como todos reconhecem, são graves, ainda que em tese."

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