Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Ainda existe opinião pública no Pará? É a dúvida que surge quando uma informação relevante é lançada ao vento sem provocar qualquer eco. Foi o caso da notícia publicada na edição passada, anunciando que a Eletronorte iria comprar, por 60 milhões de reais, um prédio para torná-lo sua sede definitiva em Brasília. Significava dizer que a empresa jamais irá se instalar na sede da sua antiga jurisdição, ou, especificamente, no Pará, o Estado da Amazônia no qual extrai 80% da energia que comercializa.
A sociedade paraense permaneceu indiferente ao fato, o que facilitou mais duas providências no sentido de consumá-lo. O conselho de administração da estatal, em reunião realizada no último dia 14, autorizou a diretoria a abrir a licitação para a aquisição da sede. E o novo presidente da Eletronorte, Jorge Palmeira, apesar de paraense, indicado para o cargo por outro paraense, o deputado federal Jader Barbalho, referendou a decisão anterior, do igualmente paraense Carlos Nascimento, para que a empresa não saia da ilharga do poder, na capital federal. Nos Estados que constituem a sua área de atuação, vai apenas instalar representações, certamente para poder se comunicar com os nativos, na típica relação colonial metropolitana, o traço marcante no perfil autoritário da empresa.
Timidamente provocado pelo jornal O Liberal a se manifestar, a novel autoridade saiu-se com este raciocínio, que faria Cecil Rhodes babar de inveja:
“Por que transferir para Belém e não transferir para Manaus? Então, não só o Estado do Pará, mas outros Estados também reivindicariam. Essa, digamos, é a primeira dificuldade. A segunda é de ordem técnica. Em Brasília, fica o pessoal mais especializado, o pessoal que elabora estudos, projetos, o pessoal normativo. Outra questão é como levar esse pessoal – que é extremamente especializado – de Brasília, sem perder mão-de-obra na transferência, seja para que lugar for. E outra questão é de aspecto logístico. Quando a gente começa a fazer conta, verifica que, para sair de Brasília e chegar a Porto Velho, eu chego direto. Mas para sair de Belém e chegar a Porto Velho, eu tenho que obrigatoriamente passar por Brasília. todos os estudos feitos até hoje concluíram pela manutenção da sede em Brasília”.
Inacreditável. Um esforço menos sofismático de raciocínio daria ao novo presidente, homem de longa e discreta carreira na empresa, as devidas respostas. O Pará merece muito mais ser a sede da Eletronorte do que Recife, por exemplo, que é a sede da Chesf, ou o Rio de Janeiro, de Furnas. Que argumentos Manaus ou Porto Velho poderiam apresentar contra as credenciais de Belém, capital do Estado que tem a maior hidrelétrica inteiramente nacional do Brasil, responsável por 9% da energia que circula em todo país?
A restrição técnica é uma ofensa à universidade na qual Palmeira se formou engenheiro e a todos os integrantes do mundo acadêmico e intelectual do Pará. Suponho que ele se sinta na Londres de um século atrás se dirigindo aos súditos asiáticos (e a Índia, em alguns setores, já superou a metrópole, como aconteceu conosco em relação a Portugal). Não passou pela cabeça do presidente que a vinda da Eletronorte pode ampliar e acelerar os efeitos positivos dessa iniciativa, de alguns dos quais a própria empresa já participa, através da Universidade Federal do Pará?
Finalmente: se é mais caro ou custoso triangular entre as cidades da Amazônia e a imperial Brasília, que sejam cancelados os constantes périplos do pessoal da empresa ao planalto central. Seu reduto principal de atuação é a Amazônia, se é preciso lembrá-lo do detalhe, assaz importante. O que não vale para a Eletrosul, na remota Porto Alegre, vale para a escondida Belém do Pará.
Mesmo não havendo mais áreas reservadas a uma única empresa, como antes, o fato de ter permanecido em Brasília, ao lado dos tecnoburocratas que mandam, não deu à Eletronorte nenhuma vantagem nas licitações em andamento para o aproveitamento hidrelétrico do rio Madeira. Sua participação nesse capítulo tão importante da energia na Amazônia tem sido decorativa. E nada garante que ela vá para a linha de frente no caso de Belo Monte, se o projeto para o rio Xingu continuar. Todas as regiões foram abertas à competição, sem reserva de mercado, num sentido inverso ao da posição da Eletronorte, que permaneceu soberana e estática em Brasília, achando que assim se torna mais competitiva. Mera ilusão?
Quanto ao Pará. Ora, o Pará. O Estado parou no tempo. Virou abstração. Ou, quando materializado, assume aquela forma invertebrada dos seres parasitários. Sem liderança à altura, que dê consistência à sua coluna vertebral, o Pará virou butim de guerra. De pirataria, melhor dizendo. Ainda mais exposto à pilhagem pela omissão ou a traição dos que o deveriam defender: seus filhos.
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