Bellini Tavares de Lima Neto
É interessante observar como algumas coisas que para os mais velhos são absolutamente familiares, para as novas gerações soam como grego antigo. Eu sou do tempo da televisão em preto e branco. Na conquista do tricampeonato de futebol no México torcemos em preto e branco. Só em 1974, na Alemanha, começou a aparecer a cor. Infelizmente, o brilho foi embora. De qualquer jeito, coisas que me são corriqueiras parecem incompreensíveis para os jovens. Abotoaduras, camisa de punho duplo, o Karman-Ghia e a televisão em preto e branco são alguns exemplos de coisas que, mencionadas numa roda de jovens, despertam aquelas caras de pontos de interrogação. “Como é, tio?”. Quando me casei, um dos meus padrinhos nos deu um aparelho de televisão portátil. Era todo de plástico, colorido por fora e sem cores por dentro. Foi a nossa TV por um bom tempo. Com o tempo, acabou sendo aposentada, cedendo lugar aos equipamentos modernos. Certa vez, minha filha mais velha, movida pela curiosidade, ligou aquilo. Viu aparecer as imagens e, imediatamente, me chamou: “Pai, como é que coloca a cor”? Eu, que ainda não havia constatado que fazia parte da idade da pedra, respondi com naturalidade que não tinha cor, que era uma TV em preto e branco. Imprudência minha. Ela jamais conseguiu entender a resposta. Embora ela tenha, hoje, uma aparência rigorosamente normal, desconfio que aquilo deva ter causado algum trauma e marcado a sua formação, Devo uma terapia a ela.
Agora que tenho mais tempo (não sou mais diretor jurídico de empresa alguma) posso me dar ao luxo de acompanhar o rádio e suas noticias em tempo real. Nesta semana ouvi trechos do depoimento prestado pelo Sr. José Aparecido Nunes Pires a respeito da incrível história da maçaroca de informações a que alguns chamam de “dossiê”, outros de “banco de dados” e outros não chamam porque dizem que não existe. O homem, como a imprensa tem noticiado largamente, ocupava o cargo de Secretário de Controle Interno da Casa Civil. Pela manhã já havia escutado o depoimento do Sr. André Fernandes, assessor do Senador Álvaro Dias. Tudo isso, como também já está na boca do povo, se trata da CPI dos Cartões Corporativos, instalada porque descobriram (ah, meus Deus, que escândalo!!!) que houve gente do governo (esse da nova ética na política e do “nunca antes neste país”) que andou se confundindo com os cartões e usando um quando deveria usar outro. A tal CPI é presidida pela Senadora Marisa Serrano e o relator é o Deputado Luiz Sergio.
Esse é o elenco ou pelos menos o primeiro time, a linha de frente, a constelação de astros de primeira grandeza que abrilhantam o espetáculo em cartaz no momento. Não tem sido o sucesso de bilheteria e público que foram alguns anteriores, mas vai se segurando na mídia. Mais ou menos como os anteriores, o enredo é cheio de mistérios, intrigas, suspenses. O homem da parte da tarde contou uma história completamente diferente da do homem da parte da manhã. A tarde foi temperada com umas pitadas de turbação psicológica, com o homem dizendo que havia mandado um e-mail ao outro, mas tudo havia acontecido quando ele havia sido acometido por uma perturbação dos sentidos. Aí chegou a vez da grande revelação do espetáculo, o Sr. Luiz Sergio. Eis que, demonstrando perspicácia, argúcia, contundência, sagacidade, acuidade ou seja lá o que se queira, o Sr. Sergio identificou um detalhe da mais alta relevância exatamente na troca de e-mails entre os dois inquiridos do dia, E, então, sem qualquer condescendência, complacência ou comiseração, alfinetou o Sr. Aparecido: “Observei que todos os e-mails trocados entre os senhores sempre terminam da mesma maneira: com as letras sds. Isso não lhe parece uma espécie de sigla ou mensagem cifrada? O senhor poderia explicar o significado? E o inquirido, então, respondeu: “Que eu saiba, quer dizer “saudações”, deputado”.
No tempo da TV em preto e branco havia uma série muito engraçada que tinha como personagem principal um detetive trapalhão chamado Maxwell Smart, o Agente 86. A sagacidade do ilustre relator da interessantíssima CPI só pode ter sido inspirada naquele destemido defensor do mundo livre. E foi aí que me deu uma saudade danada dos tempos da televisão sem cores. Não só por causa do Agente 86, mas, também porque, com a TV em preto e branco, não haveria o risco de aparecer na tela a cara vermelha de alguém com vergonha. Mas, sabem, mais tarde eu vi um pouco daquilo pela televisão moderna e colorida e não tinha ninguém de cara vermelha por lá, não. Ainda bem. Essa história de saudade não é boa, não, Atrasa a vida da gente. E eu ando achando que essa tal vergonha na cara é meio parecida com abotoadura, camisa de punho duplo, Karman-Ghia. “Como é que é, tio?
22 de maio de 2008
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