sábado, 14 de junho de 2008

Crônica - Os clichês do rádio

Miguel Oliveira
Editor-Chefe

Já é mais que notório que este cronista ainda é um apaixonado pelo rádio, hábito adquirido em sua infância. Vez por outra entro no túnel do tempo ao ouvir nas emissoras atuais a repetição de clichês do velho rádio AM.
Por ocasião do dia dos namorados, nesta semana que se finda, muitas emissoras e até alguns telejornais, repetiram a velha fórmula de mexer com o sentimento apaixonado das pessoas Aquela pergunta clássica - existe amor ideal?- permeia esses programas.
No fundo, no fundo, até quem tem a função de produzir esses programas não sabe a resposta certa.
É por isso que nos tempo idos em Santarém, meu dileto amigo Santino Soares, recém-chegado de Juruti, sua terra natal, arrebatava suspiro de moiçolas e arrancava lágrimas até de marmanjos ouvintes com seus programas 'A música de sua vida' e "A história da sua vida', apresentados por ele através da Rádio Rural, na década de 70.
Eu, àquela altura da vida, era apenas um ginasiano. Não passava pela minha cabeça almejar um lugar na imprensa paraense. Contentava-me com o posto de ouvinte e colecionador de pilhas Ray-O-Vac usadas.
À tarde, na hora dos programas, estava eu a escutar o velho radinho de pilha, após o cumprimento das tarefas escolares. E até me emocionava com as trágicas e apaixonantes 'estória' de moças e rapazes desiludidos com o amor de suas vidas. Por isso, contavam seus dramas através de cartas envidadas ao programa. No final das missivas, solicitavam ao apresentador para ouvir a música que havia marcado aqueles momento s inesquecíveis.
Muitos anos se passaram dessa distração vespertina nos tempos em que a televisão ainda não havia invadido os lares de todos os lugares deste país quando, já atuando na imprensa de Belém, conheci pessoalmente Santino Soares, ele locutor laureado da Rádio Liberal.
Como Santino começou a trabalhar mais cedo do que eu a diferença de idade entre mim e ele não é tão grande assim. Mesmo assim, o meu amigo tem muito mais histórias para contar sobre o programa que ele apresentava na Rádio Rural.
Quando passamos a trabalhar juntos na Rádio Cultura do Pará e, depois, na Prefeitura de Belém, ficava atento às rememorações de Santino, mas atrevia-me, vez por outra, a corrigir-lhe em alguma imprecisão.
Mas, no fundo, no fundo, o que eu queria mesmo era matar a minha curiosidade sobre o conteúdo daquelas velhas cartas. Com o tempo, ganhei intimidade, angariei confiança e, por último, conquistei cumplicidade suficiente para testar a sinceridade do apresentador.
Certo dia, em meu gabinete de coordenador de comunicação da prefeitura de Belém, realizei com Santino uma sessão nostálgica sobre a nossa juventude em Santarém, ele na condição de apresentador e eu na condição de ouvinte. Após intermináveis 'estórias' da era de ouro do rádio santareno, fiz-lhe a pergunta que jamais deixei calar:
- Santino, aquelas cartas que tu lias eram verdadeiras ou produzidas?
- Mas que pergunta de amigo da onça, meu caro Miguel? Respondeu-me.
E emendou Santino: - Já se passaram muitos anos, acho que a maioria nem lembra dos conteúdos, e tu me vens com essa pergunta embaraçosa - provocou o velho amigo.
Mas eu estava obstinado a tirar a limpo essa dúvida que eu carregava desde a juventude e contra-ataquei: - Não precisas responder mais nada. Se continuares em silêncio é sinal que minhas suspeitas se confirmam.
Santino abriu um largo sorriso, cumprimentou-me com um aperto de mãos e retirou-se de meu gabinete, quem sabe, com um peso a menos na consciência.

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