Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Para o bem e para o mal, Roberto Marinho foi um dos homens mais influentes no Brasil do século XX. Os efeitos dessa influência se fazem sentir até hoje e ainda persistirão, ao menos enquanto seu império de comunicações se mantiver. Embora tenha começado a atuar na imprensa na segunda metade da década de 20, quando herdou do pai, subitamente falecido, o jornal O Globo, por ele fundado um ano antes, Roberto Marinho só se tornou um potentado depois do golpe militar de 1964.
Não podendo confiar no cangaceiro do achaque Assis Chateaubriand e em seus Diários e Emissoras Associados, os dominantes da imprensa nas quatro décadas anteriores, os militares apostaram suas fichas no doutor Roberto, como ele gostava de ser tratado. E ele não os desapontou, muito pelo contrário: estendeu às comunicações o projeto de reformismo conservador e autoritário do regime de exceção - e com resultados ainda melhores.
É próprio de um país acomodado como o Brasil, que não gosta de revolver suas feridas, até hoje não haver uma biografia séria sobre o fundador da Rede Globo de Televisão. A que Pedro Bial escreveu é pouco menos do que uma hagiografia. Perdi o gás antes das últimas páginas. E resisti durante quatro anos a ler Roberto & Lily, o relato memorialístico da última das três mulheres do doutor Roberto, publicado em 2004 (Editora Record, (181 páginas, mais caderno fotográfico). Venci a resistência pela curiosidade de penetrar um pouco mais na personalidade de dona Lily, quando ela decidiu sair da mansão do Cosme Velho, vender todos os seus bens, dividir a renda e retornar ao seu apartamento de Copacabana. Uma decisão lúcida, que a poupa - e aos herdeiros - da batalha campal que costuma se seguir à morte de alguém de muitas posses.
O livro é como daqueles presentes embrulhados com tal maestria e sofisticação que decepcionam, uma vez retirados do seu maravilhoso invólucro. Lilly é uma mulher de personalidade, sofisticada, gentil, atenciosa, marcante e bela. Essas e outras qualidades foram desperdiçadas pela sua obsessão (que ela considera um elemento natural do seu modo de ser) de ocupar sempre a posição de esposa fiel. Ela, por sua vontade, ou pelas circunstâncias da história, foi colocada ao lado (ou um tanto mais atrás) de dois homens de relevância na trajetória da imprensa brasileira: Horácio de Carvalho, cuja riqueza lhe permitiu manter um dos melhores jornais do Rio de Janeiro e do país, o Diário Carioca, e Marinho. Dos 45 anos de casamento fiel (por parte dela) com Horácio restaram fiapos de memória. Sobre a convivência de 15 anos com o poderoso magnata da mídia há apenas narrativas domésticas, cosméticas e auto-elogiosas.
Embora em alguns momentos ela deixe escapar confissões que poderiam resultar em histórias muito interessantes, se se dispusesse a ir em frente (ou abaixo), esses momentos são meteóricos. Sempre acabam provocando a frustração no leitor mais interessado em outras dimensões da vida que não sejam a glorificação da viúva, embora com algum requinte na preocupação em parecer modesta. No caso, a mulher por trás do grande homem só se tornou grande pela vizinhança topográfica.
O livro é uma sucessão de caixas glamorosas que escondem o diminuto presente colocado ao final da última dessas caixas, um presente que, a rigor, é mais promessa do que realidade. Exceto para a autora do livro. Ela conseguiu transformá-lo num passaporte para passar a um novo estágio de vida, agora (ou por enquanto) sem um grande homem para estender-lhe sua grandeza. Quem sabe, já em jornada individual, dona Lilly decida-se a patrocinar a edição do seu livro na língua em que o escreveu, o francês das suas origens e do seu expressar natural. Talvez assim a sensaboria desapareça.
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