Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
A atual crise financeira internacional, a maior em 80 anos no mundo, desencadeada a partir dos Estados Unidos, colocou nas mãos de Henry Paulson, até então um extremado defensor da liberdade de mercado, o poder de dar destinação, no curto período de um mês, a quase um trilhão de dólares de recursos do tesouro dos EUA, que ele dirige há dois anos, naquela que foi definida como a maior intervenção estatal na economia em toda a história americana.
Desse total, US$ 285 bilhões foram torrados em menos de duas semanas: US$ 200 bilhões para absorver a gestão das duas maiores companhias hipotecárias americanas (barris de pólvora monetária sob as inocentes e siamesas designações de Fannie Mae e Freddie Mac), que ficaram insolventes, e US$ 85 bilhões para capitalizar até então poderosa a seguradora AIG (como a dose foi insuficiente, em seguida o governo a estatizou). Os restantes US$ 700 bilhões constituem o fundo através do qual a administração Bush, de forma plenipotenciária, utilizará para a aquisição de ativos dos bancos que ficaram com os cofres vazios de dinheiro (e cheios de papéis podres).
Por maior que fosse sua capacidade de previsão, Paulson jamais poderia supor que ao aceitar, com relutância, o convite do desgastado presidente para assumir o Tesouro, iria protagonizar um capítulo tão conturbado da história econômica americana, derivada para todo o planeta em função do papel que os EUA desempenhavam como o gerador de moeda forte e de confiabilidade do sistema financeiro internacional. Se tivesse conseguido recusar a oferta, como era seu plano original, ainda assim Paulson não teria tido compensação: o Goldman Sachs, o maior banco de investimento do mundo, que ele comandava, também fez água. Ele teria que contemplar a imersão como um impotente comandante na sua cabine dourada. Saiu antes.
Quem acompanhar esse capítulo da novela da crise, muito mais movimentada do que qualquer encenação na televisão, descobrirá ligações entre esses super-poderosos do universo (descritos com maestria por Tom Wolff em Fogueira das Vaidades e o singelo Brasil. Corrado Varoli, hoje sócio de uma firma de investimento com sede em São Paulo, a (bem previsível) G5 Advisors, trabalhou durante 14 anos com Paulson no Goldman, do qual foi sócio e presidente para a América Latina.
Mas o elo principal desse homem de 62 anos e fortuna pessoal de mais de 500 milhões de dólares com o Brasil é pela ecologia. Paulson é tido como um ambientalista fanático. Foi presidente da Nature Conservancy, ONG que dispõe de US$ 3 bilhões de capital para investir na proteção da natureza, com atenção especial pela Amazônia e o Pantanal. O próprio secretário do Tesouro já esteve várias vezes no Brasil, realizando excursões pelo interior do país.
É o olho (outrora) clínico de Wall Street se imiscuindo na ecologia apenas para gerar novos lucros, com a mesma sofreguidão e desfaçatez? Não exatamente, garantem os brasileiros que conhecem Paulson e outros executivos de porte semelhante, inclusive por terem trabalhado ou estudado com eles em algumas das principais empresas e instituições americanas. A globalização do mundo aproximou ainda mais as pessoas, sobretudo os poderosos. Para eles, as fronteiras nacionais e as rígidas divisórias dos negócios são apenas formais.
Essa nova situação exige um estado de alerta permanente, mas também uma capacidade especial para perceber o novo que surge sob as formas rotineiras. Nem sempre é possível separar ou mesmo discernir um mundo que desmorona do outro que se eleva em momentos cruciais, como este que estamos vivendo. Nossa Terra ficou menor e está mais frágil. Não só nas suas relações simbólicas, algumas delas elevadas artificialmente à condição semidivina, como o sistema financeiro, mas também na relação física do homem com a natureza.
A ecologia deambula e flutua entre cifrões, mas não há mais dúvida: tem sua autonomia. Henry Paulson se ligou ao meio ambiente como um negócio, mas também porque o planeta está realmente ameaçado. E estamos no centro dessa crise porque o Brasil e alguns dos seus biomas, como a Amazônia e o Pantanal, são um dos elementos vitais para a saída dessa crise, menos espalhafatosa – e mais grave – do que o mundo financeiro de Wall Street e derivativos.
Ou será que chegamos a uma crise inteiramente nova na história da humanidade, após a qual o império decadente não será substituído pelo império em ascensão, mas pelo nada, ou pelo fim da história, não propriamente a dos homens, mas a da própria Terra? A reflexão, mesmo exagerada, pode ter o poder de alertar o homo sapiens para a profunda gravidade da crise atual. No susto, pode ser que, desta vez, ele não aceite apenas mais um remendo no planeta desgastado. Para não voltar a ser apenas homo sapiens.
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