Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
No encontro que teve com a governadora Ana Júlia Carepa, dia 30 à noite, antevéspera da eleição do novo presidente da Assembléia Legislativa do Estado, o deputado federal Jader Barbalho lhe teria apresentado a possibilidade de ser candidato ao governo do Estado em 2010. Para ganhar, o dono do PMDB do Pará teria que contar com várias outras circunstâncias e, ainda assim, a vitória lhe seria conquista remota. Mas para passar para o 2º turno só dependeria dele mesmo. Jader já mostrou que tem votos suficientes para influir no resultado de eleições majoritárias, mesmo que não as vença. Na hipótese de um terceiro candidato forte, a reeleição da governadora do PT estaria ameaçada. O mesmo político que a tem ajudado a se eleger pode ser fatal para desbancá-la do poder, junto com seu partido.
Jader Barbalho estaria mesmo disposto a arriscar sua carreira política com uma temerária candidatura ao governo, depois de ter sido derrotado por Almir Gabriel em 1998? É provável que não, mas não é uma hipótese impossível. Por enquanto, é uma carta no jogo político. Mesmo que por trás dela haja um blefe, não pode ser ignorada. Ao atirar essa carta, Jader quis advertir Ana Júlia para sua condição de jogador escolado nas artimanhas do poder, passado várias vezes na casca do alho, como se dizia no Pará de antanho. A governadora está pagando barato pelo apoio que ele lhe tem dado. Mas pode pagar muito caro se decidir obrigá-lo a exibir suas cartas.
Só quem possui destreza no pôquer pode enfrentar essas situações com savoir-faire. O PT, e dentro dele sua tendência minoritária, mas dominante, a Democracia Socialista, e Ana Júlia Carepa, sua maior estrela (embora de pouco brilho próprio), sabem do pôquer político pelos manuais e por experimentos controlados. Quando a cena se passa para uma mesa de verdade, revelam sua incompetência, inapetência ou ingenuidade. Podiam mudar essa rotina se tivessem força suficiente para estabelecer novas regras.
Ao invés de discutir posições em torno dos recursos do erário e dos efeitos da caneta que assina os atos públicos, ou tentar vencer com rasteiras primárias, podiam definir programas e projetos sólidos e a partir deles atrair apoios ou gerar afastamentos. Seria uma deliberação de alto risco, mas pelo menos daria um sentido de realidade às teorias e propagandas do PT, conversa que só tem validade até o partido assumir o poder. Uma vez ocupados os cargos de mando, o palavreado pode continuar programático e ideológico, mas a prática é a mesma dos demais partidos. Até, às vezes, mais fisiológica e de compadrio.
A sucessão do presidente do poder legislativo se torna mais importante quando se aproxima uma eleição majoritária. Jader Barbalho não tolerou a eventualidade de o cargo cair nas mãos do deputado Martinho Carmona, que já foi presidente da casa e é do PMDB, mas tem um projeto próprio de poder, que pode não se identificar com o do dono do seu partido. Jader mudou então as regras do jogo: Domingos Juvenil, fiel correligionário, permaneceria no cargo. Para garantir o acatamento à quebra da regra, costurou alianças, inclusive com o execrado PSDB. Deu aos tucanos a 1ª vice-presidência. Com o rendimento complementar de uma coligação para 2010, se as circunstâncias tornarem-na atraente e rentável.
O que parecia impossível aconteceu: Domingos Juvenil seria candidato à reeleição e sua recondução se faria por aclamação unânime, contra os prognósticos enfáticos de O Liberal, que apostou na divisão. Talvez por acreditar no que se dizia das tramas do PMDB, sem ir conferir a realidade caso a caso, o PT, que vinha endossando as articulações, mudou de opinião e saiu atrás do prejuízo. Achou que recuperaria a perda com o peso da caneta da governadora e suas elásticas possibilidades de pressão. Conseguiria reverter completamente o quadro, se houvesse tempo. Embora em política até boi possa voar, há um limite para os milagres. Certas situações são produto de um trabalho demorado e complexo. Esse tipo de trabalho pode ser considerado menor e inglório pelos altos teóricos da ciência política, mas é elemento vital da política do dia a dia. Já era tarde para realizar as bravatas de última hora. O PT comemorou como vitória impedir um tucano de ficar na 1ª vice-presidência, deslocando-o para a quase sempre decorativa 2ª presidência. Mas esse cargo não foi um boi de piranha ou uma manobra diversionista, assim como despistamento podem ser os enfáticos desmentidos sobre acertos entre Jader e Jatene para 2010?
O PT paga mais uma vez o preço da presunção, de se achar o dono de todo saber e de toda malícia. Nem o ex-governador Almir Gabriel ignora que só não venceu Ana Júlia em 2006 porque Jader Barbalho ficou do lado dela. O peso dos votos do ex-ministro suplantou o da sua grande rejeição (mesmo porque não surge um vislumbre de líder impoluto e de credibilidade para contrastá-lo, reforçando a impressão de que só há gatos no saco da política).
A eleição municipal deste ano seria a contrapartida ao serviço prestado, mas Ana Júlia deu mais importância ao crescimento da influência de Jader, com eventuais vitórias acumuladas em Belém e Ananindeua, do que à dívida da campanha anterior. De forma não muito sutil, contribuiu para as obras eleitoreiras com as quais Duciomar Costa fez a balança do eleitorado pender para o seu lado, esvaziando José Priante, do PMDB, graças à imagem de gestor operoso (seu desaparecimento pós-eleitoral, ausência que caracterizou grande parte do seu primeiro mandato de prefeito, revela o tamanho da ajuda dos recursos estaduais).
Jader Barbalho resolveu dar um troco bem pesado, sem avisar os navegantes petistas. Quando eles tomaram consciência do tamanho da ameaça já era tarde. Ninguém sabe se Jader pretende ser isso ou aquilo, mas seu movimento sagaz e antecipatório lhe permitiu essas alternativas. Um espectro bem maior do que o dos petistas, embora estes se encontrem no domínio da maior máquina pública do Estado. Se a disputa pela Assembléia Legislativa foi um ensaio para 2010, a governadora Ana Júlia Carepa saiu dela em apuros. Sua reeleição começa a perigar. Ou o preço para mantê-la será muito maior do que imaginavam ela e, sobretudo, seus “luas-pretas”.
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