Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
A Mineração Rio do Norte, uma das maiores empresas de bauxita do mundo, instalada em Oriximiná, no Pará, bateu dois recordes com o seu desempenho no ano passado. Seu faturamento líquido superou um bilhão de reais e as vendas ultrapassaram a marca de 18 milhões de toneladas, 3% a mais do que no exercício de 2007. Em seu porto privativo, às margens do rio Trombetas, 393 navios atracaram para embarcar minério, 15 a mais do que no ano anterior, numa média de mais de um navio por dia durante 2008, ano em que foi considerada “a melhor empresa de mineração do Brasil” no anuário Valor, que seleciona as mil maiores empresas do país.
Para um empreendimento que começou a operar exatamente 30 anos atrás, com uma capacidade instalada de 3,5 milhões de toneladas, a multiplicação da sua produção por cinco é um fato de grande significado. E a escala deverá se manter pelos próximos anos, conforme a diretoria da MRN anuncia no seu relatório anual, divulgado no mês passado. Apesar do desempenho apreciável, o lucro líquido da empresa quebrou pela metade, descendo de R$ 432 milhões em 2007 para R$ 220 milhões no ano passado.
As causas principais foram a forte valorização do dólar no final do exercício (que ocasionou variação cambial líquida negativa de R$ 106 milhões) e o novo sistema de tributação, que passou a incidir sobre o lucro real e não mais sobre o lucro presumido. A mudança resultou do encerramento da participação da empresa no programa de refinanciamento da dívida junto ao governo federal, o Refis. Como efeito dessa nova aplicação, a MRN recolheu quase R$ 110 milhões de imposto de renda e contribuição social em 2008 contra R$ 33 milhões em 2007.
A empresa teve que continuar recorrendo a financiamento de curto prazo para manter o seu fluxo de capital. Mas acredita que sua capacidade de geração de caixa “permite a renovação dos empréstimos de curto prazo ou a troca para linhas de crédito de longo prazo”, como observa o relatório da diretoria. Ela acredita que poderá também reassumir o controle de R$ 573 milhões, que depositou em juízo para poder recorrer da multa que lhe foi aplicada em 2003 pela Receita Federal, sobre uma redução de capital que efetuou em 1999, segundo o fisco, de forma ilegal. O valor original da multa, então a maior do país, era de R$ 316 milhões. A Rio do Norte acha “possível” ter êxito nesse recurso. Por isso, não contabilizou o passivo contingente nesse valor.
Dez anos depois do fato que provocou a ação da Receita Federal, a matéria ainda está dependendo de uma decisão final da justiça. Na época, os sócios da mineradora decidiram reduzir em um terço o capital da empresa, por considerá-lo excessivo. “Esqueceram” que parte desse capital foi constituída graças à colaboração financeira do governo federal, através dos recursos dos incentivos fiscais, e de outros tipos de benefícios, que não foram devidamente abandados do dinheiro que voltou aos cofres dos sócios por conta da redução do capital. O erário nada recebeu por isso e a comunidade, com o encolhimento da empresa, deixou de ser favorecida por investimentos sociais como contrapartida aos subsídios econômicos e financeiros.
Talvez hoje a empresa não repetisse a iniciativa, ou, pelo menos, não agiria da mesma maneira, categórica e autoritária. A MRN possui hoje mais elos com a comunidade em torno do projeto e assumiu compromissos com suas condições sociais e ambientais de vida. Há uma melhora evidente nesse relacionamento, à parte o marketing de relações públicas e propaganda. Ele ainda impede um aprofundamento da análise sobre o que essa grande mineradora, a melhor do país na classificação do Valor, pode significar para os municípios onde atua e para o Estado.
Os mecanismos de regulação e intervenção do governo federal no empreendimento melhoraram, beneficiando o seu recolhimento de impostos. Mas as rendas estadual e municipais não acompanharam esse incremento, sobretudo porque continuam em vigor (e assim permanecerão até, pelo menos, 2013) os favores aos exportadores de matérias primas e semi-elaborados. Enquanto a receita específica do imposto de renda quase dobrou entre 2007 e 1008 (de R$ 40,5 milhões para R$ 79,2 milhões), a de ICMS praticamente não mudou (R$ 25,7 milhões e 25,8 milhões, respectivamente). A compensação financeira prevista pela execrável Lei Kandir, de 1997, sofreu uma pequena involução (de R$ 29,8 milhões para R$ 27,1 milhões), enquanto melhoraram o PIS/Cofins (de R$ 27,2 milhões para R$ 33,5 milhões) e as contribuições previdenciárias (de R$ 24,5 milhões para R$ 27 milhões).
Para manter o seu front de produção no impressionante nível de 18 milhões de toneladas de bauxita por ano, a MRN vai alterando a geografia das minas (quatro estão em produção), abrindo novas áreas de lavra e descompromissando outras, sem que os poderes públicos – estadual e municipais – acompanhem como deviam essa dinâmica, seja no sítio em si dos acontecimentos ou em seu reflexo nas práticas gerenciais e nos números das demonstrações financeiras. Hoje, embora não tenha retornado ao perfil societário de sua origem, quando era propriedade única da multinacional canadense Alcan, a Mineração Rio do Norte, que chegou a ter controle estatal, está completamente privatizada. E também deixou de ter maioria nacional. As quatro multinacionais que a integram já somam mais de 51% do capital, ficando os restantes das ações com a Companhia Vale do Rio Doce e o grupo Votorantim. Essa nova configuração nunca foi examinada e o status decorrente jamais estabelecido. Já é mais do que hora de fazê-lo.
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