Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Os cientistas definiram a existência de um Centro de Endemismo Belém, uma área homogênea, que abriga espécies únicas da natureza (por isso mesmo, endêmicas do local). Esse centro abrange as florestas e os ecossistemas situados entre o leste do rio Tocantins e a porção amazônica do Maranhão, de mais antiga ocupação humana, o primeiro ponto de ataque das frentes pioneiras nacionais impulsionadas pela geopolítica da integração regional.
No entendimento dos cientistas, esta é a área mais ameaçada da Amazônia, porque 70% de suas florestas já foram colocadas abaixo. Justamente por seu endemismo, a continuidade da destruição causará um dano irreparável global. Mas nem é preciso pensar em futuro: a lesão - profunda - já pode ser percebida a olho nu. Quem anda por essa região já não consegue percebê-la como parte do bioma amazônico: ela se tornou uma extensão do sertão brasileiro. O colonizador refez a paisagem para que ela se assemelhasse ao seu ponto de origem. Pouco fez para se adaptar ao lugar no qual se instalou, respeitando-lhe a integridade, entendendo seus mecanismos de equilíbrio e adaptando-se a essa engrenagem natural.
Motivos não faltam para preocupação com o que já foi realizado. Mais motivos ainda existem para inquietação com o que está em curso ou pode ser previsto. Todas essas razões foram apresentadas por 35 pesquisadores reunidos em Belém pelo Museu Emílio Goeldi, no mês passado, para participar do seminário "Espécies Ameaçadas e Áreas Críticas para a Biodiversidade no Estado do Pará". A Secretaria de Meio Ambiente do Estado e a ONG Conservação Internacional apoiaram o encontro.
Segundo o informe do seminário, os especialistas indicaram ao governo paraense como prioridades para ações emergenciais de conservação quatro áreas do Centro de Endemismo Belém: a antiga fazenda Pirelli, localidades do litoral paraense, as propriedades do Grupo Agropalma e da empresa Cikel, e as corredeiras junto à Serra dos Martírios-Andorinhas, no rio Araguaia. Provavelmente esses locais estão ainda mais ameaçados do que o relato do encontro indicou.
Na área de oito mil hectares da antiga Fazenda Pirelli, adquirida pelo Estado durante o governo Almir Gabriel, o atual governo pretende construir nove mil casas populares. Esse local é um dos dois de maior diversidade arbórea e de maior concentração de espécies ameaçadas da Região Metropolitana de Belém, segundo os pesquisadores. Não podia ser menos indicada a escolha dos construtores oficiais. Não há outro sítio urbano com passivo ecológicol tão elevado? Aliás, nenhuma instituição do setor vai se pronunciar? A construção pode ser feita sem aprovação ambiental?
Já nos 106 mil hectares de propriedade da Agropalma em quatro municípios paraenses (Acará, Tailândia, Moju e Tomé-Açu), de onde saem 80% da produção de óleo de palma do Brasil, o grande desafio é saber se o que a empresa está fazendo é correto e suficiente para conciliar dois elementos conflitivos: o plantio homogêneo (e de uma espécie exótica, o dendê) e a enorme diversidade da mata nativa. No meio dos extensos plantios a empresa mantém 75 mil hectares de florestas secundárias "de grande importância para a conservação da biodiversidade global", diz o informe do Goeldi. Há dois anos (muito depois, portanto, da formação dos plantios), um dos patrocinadores do seminário, a Conservation, mais o Instituto Peabiru, responsável pela parte social do programa conjunto, defende a biodiversidade nessa reserva. Se faltam informações independentes sobre o alcance da iniciativa, que também é promovida pelo grupo Cikel na mesma região, pelo menos ela existe, contrastando com a mera destruição em torno, onde o desmatamento ocorre "numa taxa bastante alta", segundo os pesquisadores.
O alvo mais recente nesse centro de endemia é o projeto da hidrelétrica de Santa Izabel, que ameaça a área das corredeiras do Araguaia. Esse projeto, das décadas de 70/80, parecia definitivamente arquivado por seus efeitos ecológicos, inundando área bem maior do que a hidrelétrica de Tucuruí e produzindo quatro vezes menos energia. Surpreendentemente, foi retirado da prateleira das inviabilidades, reformulado e reapresentado como obra do Programa de Aceleração do Crescimento do presidente Lula e da ministra-candidata Dilma. Tudo isso sem a menor discussão prévia. Talvez por isso sente-se um frisson de alarme que os participantes do seminário mal conseguem conter - e que cabe à opinião pública repercutir.
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