Vista aérea de plantação de arroz na várzea do Ituqui,
no rio Amazonas(Santarém). Foto: Edson Queiroz
no rio Amazonas(Santarém). Foto: Edson Queiroz
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
Andreia Fanzeres ganhou uma bolsa para pensar, a partir da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, sobre sua experiência de jornalista especializada em meio ambiente, baseada em Juína, no Grosso. É uma excelente repórter, como se pode ver por suas matérias para a revista eletrônica O Eco. A qualidade da cobertura que faz da mais representativa unidade federativa do agronegócio brasileiro chamou a atenção dos patrocinadores da bolsa, do Press Fellowship Programme. Ela desenvolve uma pesquisa sobre o valor da comunicação ambiental no chamado “arco do desmatamento”.
Como parte do seu projeto, Andreia está ouvindo jornalistas “que noticiam a questão do desmatamento na Amazônia para o público estrangeiro e questionar um pouco o paradoxo da comunicação: enquanto uma imensa quantidade de artigos e pesquisas é diariamente publicada e promove mudanças visíveis no comportamento das pessoas, os dados e notícias sobre mudanças climáticas, implicações locais, mitigação, adaptação, etc. simplesmente não adquirem a capilaridade suficiente para influenciar quem vive na Amazônia”, disse ela numa mensagem por e-mail que me mandou, antes da nossa conversa.
Já de Cambridge, ela me ligou no dia 1º de maio para me ouvir a respeito. Nossa conversa acabou se concentrando na minha idéia do kibbutz científico: campi experimentais espalhados pelo interior amazônico, conforme as aptidões definidas pelo zoneamento econômico-ecológico, preparando cientistas para intervir na realidade – e não apenas estudá-la. Num dos pontos, falei da necessidade de desviar o rumo da agricultura para a várzea do rio Amazonas, nela instalando centros de formação, pesquisa e tecnologia que difundiriam e sustentariam o uso desse solo privilegiado para culturas de ciclo curto.
No dia seguinte, li, feliz, um artigo de Erich Imbiriba em O Liberal. Antigo paladino em defesa das áreas inundáveis da região, o advogado e homem público alenquerense não ensarilhou suas armas. Não só mantém antigas idéias: além de renová-las, acompanha em cima os acontecimentos. Defende no artigo a conversão de uma usina de álcool que foi instalada há 10 anos a 25 quilômetros de Santarém, sem nunca ter entrado em funcionamento.
Ao invés de continuar à espera do plantio de cana-de-açucar, que até hoje não saiu, para poder movimentar suas máquinas e gerar cinco mil litros por dia, a Usina Santa Rosa podia usar como matéria prima o mucajá, abundante no local, para a destilação de biodiesel. No dia 7 de abril o presidente Lula inaugurou em Montes Claros, Minas Gerais, terra do antropólogo Darcy Ribeiro, uma usina de biodiesel à base de sementes de macaúba, a versão mineira do mucajá santareno. Além dela, Erich Imbiriba garante ser possível lançar mão de outras sementes: de buriti, ucuúba, inajá, andiroba, tucumã ou murumuru.
Pensar nessas alternativas e colocá-las em prática seria a tarefa do Núcleo de Tecnologia Varzeira, a ser instalado na Ponta Negra, em frente a Santarém. Esse núcleo se interessaria pelas três mil ilhas de várzeas, de alta fertilidade, localizadas entre Parintins, no Amazonas, e Prainha, no Pará, conforme a visão de Erich. Um dos principais alvos seriam as fibras, com ênfase no curauá, que pode estar sendo levado para o Amazonas.
Se o Pará não tomar uma iniciativa, acabará importando do Estado vizinho o Linho Curauá, sonhado por alguns visionários, como Erich (agora com a companhia do filho). A juta, fibra importada da Ásia há 90 anos e aqui bem adaptada, serve de advertência: a Amazônia importou 10 mil toneladas da Índia em 2007. A juta, que chegou a ser o segundo item na pauta de exportação, tem agora produção simbólica. Erich calcula a perda de 20 mil empregos no campo. Uma perda agravada por outro fato: as condições quase medievais nas quais a juta amazônica costuma ser produzida, degradando o ser humano.
Outro centro, voltado para a produção de alimentos, poderia ficar em Almeirim, à sombra do modelo de como não fazer plantio de arroz, deixado pela Jari do milionário americano Daniel Ludwig, acrescento eu. E um centro dos peixes de lagos, em Mamirauá, ou dos quelônios, em Oriximiná, e assim sucessivamente, até que o véu da ignorância sobre as terras de mais antiga ocupação da Amazônia tenha sido rompido e nelas se estabeleça, enfim, a inteligência humana contemporânea. Poupando a terra firme, onde está a kaapor, a floresta verdadeira, da sua assustadora e irracional destruição atual.
Quem quer embarcar nessa utopia para colocá-la ao alcance das mãos?
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