sexta-feira, 19 de junho de 2009

Belo Monte: por que a pressa com a obra?

Lúcio Flávio Pinto

Editor do Jornal Pessoal

Não partilho a posição do Ministério Público Federal, que pediu e obteve da justiça federal a suspensão do recebimento do EIA-Rima da hidrelétrica de Belo Monte, entregue à Aneel pela Eletronorte e a Construtora Camargo Correa. O estudo e o relatório de impacto ambiental são insuficientes, de fato, para atender as exigências do licenciamento ambiental da obra. A maior preocupação dos responsáveis pelos documentos parece ter sido mais de natureza didática, para informar o cidadão comum e influir sobre o seu ânimo em relação ao projeto, do que de aprofundamento técnico.

Mas o necessário adensamento poderá ser feito no curso do licenciamento, entre a licença provisória e a licença de instalação, até a elaboração do plano básico ambiental. Toda e qualquer intervenção no local, no sentido da execução da engenharia da obra, será sustada até que as dúvidas, questionamentos e oposições a Belo Monte tenham sido eliminadas. Ou, caso contrário, seja a hidrelétrica eliminada das cogitações.

A principal lacuna quanto à hidrelétrica do rio Xingu é a sua falta de viabilidade econômica. Até hoje os projetistas da obra não conseguiram demonstrar a lógica da sua construção. Por que submeter a grande risco um dos vales mais importantes da Amazônia, situado numa zona de tensão entre a expansão irracional das frentes pioneiras e as reservas mais próximas de recursos naturais, se não há demanda local que justifique uma usina de tal porte, para 11 mil megawatts? A conseqüência desse fato é que a energia será transferida em bloco para o sul do país (ou para o Sistema Integrado Nacional, como prefere a Eletronorte). O problema é que o sistema de transmissão é muito caro, exigindo um investimento inédito, quase tão pesado quanto o destinado à geração. Sistema que não funcionará, no sentido inverso (sul-norte) porque não haverá mercado a atender do lado de cá, mesmo que haja energia em excesso do lado de lá, em função dos regimes distintos entre as várias bacias hidrográficas do sistema integrado.

Os estudos sobre o impacto ambiental de Belo Monte deviam continuar, mas o cronograma da engenharia deveria ser congelado. Não há razão para a marcha batida que lhe querem impor a empresa estatal e a cobiçosa empreiteira privada. Há excedente de energia no país no momento e a tendência é que assim permaneça a curto prazo. Há tempo não só para examinar melhor a situação no Xingu como para acelerar novas alternativas de geração de energia limpa, como a eólica e, sob condições, a do gás natural.

Nosso modelo, os Estados Unidos, está fazendo uma severa revisão dessas fontes. O desenvolvimento da energia eólica foi incrementado: ela quadruplicou nos últimos três anos e poderá dobrar até o final de 2010 na região noroeste, a maior produtora. Ao mesmo tempo, surge uma oposição mais forte ao barramento dos rios para a produção de energia. Dias atrás o New York Times relatou essa empreitada no sentido de desmontar hidrelétricas, como as da agência Boneville, que barraram o rio Colúmbia e o Snake, prejudicando a pesca das espécies mais nobres de salmão. Mesmo com escadas nas barragens, o peixe enfrenta dificuldades crescentes para manter o seu ciclo. Sua taxa de sobrevivência caiu muito. Há decisão judicial acusando os responsáveis pela geração de energia de não terem feito o suficiente (e possível) para evitar essa ameaça.

O debate tenta definir se simplesmente as usinas devem ser desativadas e substituídas por outras formas de energia limpa, ou se é possível conciliar os dois meios, num modelo novo. Devemos acompanhar e incorporar os benefícios dessa discussão. O que não podemos é ignorá-la, simplesmente deixando intocável a atual matriz energética brasileira, que pretende cobrar um preço insuportável na (e à) Amazônia, mantendo métodos já superados. É o que os barragistas querem impor, sem um decidido e bem apoiado esforço para não só diversificar a geração como conservar energia e combater as perdas.

Se bem feitos e sem estarem tão umbilicalmente condicionados à construção das usinas, os estudos ambientais poderão dar boa contribuição: para antever o que pode acontecer com a construção de uma grande barragem e para perceber o que já foi feito de ruim através de outros empreendimentos, como a pecuária, a agricultura, a extração de madeira ou o garimpo. Eles são tão ruins ou piores do que uma hidrelétrica mal definida. Olhando em volta e não apenas num ponto pode-se chegar a essa conclusão.

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