Muito lobby foi feito e o jogo de pressões contou no desfecho, assim como pesou a impressão causada pelos esquemas oficiais montados para influir sobre o comitê de seleção. O problema é que Belém embarcou numa canoa furada. Não podia ter outro destino: naufragou. Enquanto – bem ou mal, com seriedade ou com muita propaganda – o Amazonas investe no desenvolvimento sustentável, associando sua imagem à natureza selvagem, o Pará tenta se projetar com seu desenvolvimento mineral, sua pecuária, certa agricultura comercial e sua capital, o já fictício portal da Amazônia.
Contra a integridade do Amazonas estão em curso frentes de expansão pelo sul, que começam a derrubar a floresta, mas ainda não é uma situação visível para o público. Já o Pará é campeão de desmatamento, de conflitos de terras, de trabalho escravo, de violência. Quando emerge nacionalmente é em função de fatos ruins, que projetam uma imagem de desorganização, inépcia e incompetência. A maior prova é a incapacidade de usar seus abundantes recursos naturais em proveito próprio, não apenas – ou principalmente – para benefício externo.
As pessoas parecem não ter-se dado de conta que o Fórum Social Mundial, em fevereiro, foi um teste de avaliação. Se Belém mal conseguiu dar conta das tarefas para um encontro alternativo, realizado com o objetivo de protestar contra a via oficial de desenvolvimento, não haveria de convencer nos promotores de um acontecimento comercial, do “establishment”, de estar à altura de responder por um evento esportivo (mas também de largo faturamento econômico) do porte da Copa do Mundo.
A cidade tem sua rede hoteleira, seu estádio e atrações que o belenense considera maravilhosas, como a Estação das Docas ou o Hangar, mas que contam pouco como elemento prévio de consideração numa análise prospectiva. Talvez os componentes da cidade até pudessem render mais na proposição de Belém como sede se o enfoque fosse outro, vinculando a estrutura urbana à paisagem tipicamente amazônica, que constitui o fator de maior atração para o visitante estrangeiro. Ele viria para cá guiado por dois objetivos: ver os jogos e ver a Amazônia. Como não é de se esperar que as melhores seleções de futebol sejam deslocadas para o extremo norte do país, o fator amazônico pesará ainda mais do que o esportivo.
Há vários anos Manaus vem se conectando ao espaço em torno da cidade para aproveitamento turístico e conseguiu seus resultados. O visitante internacional pouco vem a Belém e, quando muito, no caminho pelas águas para a capital amazonense, faz uma parada em Alter-do-Chão, um ponto inusitado no roteiro mundial. Poderia ir mais ao Marajó, com potencial semelhante, mas com que roupa? Dependendo de transporte irregular, deficiente e inconfiável? Hospedando-se onde? Comendo o quê?
Desde o novo Landi (corruptela de novo Dândi aos ouvidos do messias Gabriel), nossos dirigentes têm a ilusão de que Belém, mesmo com seus penduricalhos urbanísticos e arquitetônicos, além do resíduo da época em que foi metrópole de fato, pode exercer fascínio do outro lado do oceano sem se tornar um meio de passagem fluente para a jungle e tudo que lhe diz respeito. É isto o que mais interessa aos outros mundos em relação a este nosso universo exótico.
As belezas da cidade, que, por milagre, ainda subsistem, são quase anuladas por seus atrozes problemas: criminalidade incontrolada, violência no ar, sujeira, incivilidade, selvageria urbana. Se para os belenenses mais alertas e sensíveis viver aqui já é um martírio, imagine-se para aqueles que, mesmo por alguns dias, se apresenta a perspectiva de estar numa cidade que sugere uma situação de risco permanente? Ainda mais quando conduzida por líderes que, ao estrangeiro, não dão a impressão de controle da situação, sequer de entendimento sobre o que acontece. Como podemos convencer as pessoas de fora sem atender aos nativos? Como parecer que podemos hospedar visitantes se não damos condições decentes de vida aos moradores do lugar?
Manaus não é a contrafação de Belém, muito pelo contrário. Mas, em relação ao “espírito” da Copa do Mundo, como uma promoção internacional, realizada para atender clientes de todo o planeta, a capital amazonense adotou a estratégia correta, enquanto nós, presumindo um cosmopolitismo que já nos falta, agimos como provincianos, acreditando nas próprias fantasias. Os governos – estadual e municipal – foram incompetentes nessa competição, o que constitui a regra, não a exceção. Nem por isso é procedente a interpretação de que Manaus ganhou porque o governador Eduardo Braga (por ironia, um paraense) fez a politicagem certa, enquanto nossa governadora fez a politicagem errada. A decisão foi uma combinação de fatores, mas tudo indica que o peso maior foi a vontade da Fifa, que há quase 70 anos organiza a Copa do Mundo com competência específica e resultado final satisfatório.
Na deliberação de escoar o minério paraense de Carajás pelo porto de maranhense da Ponta da Madeira, o que pesou foi o interesse do principal comprador, o Japão, e não o desfecho da balança entre José Sarney e Jarbas Passarinho. Ao repetir esse erro de avaliação, por se comportar emocionalmente diante das questões, o Pará mostra que continua a não aprender as lições da história.
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