É interessante observar como certas expressões, por mais usadas e batidas que possam ser, conservam o caráter de precisão e clareza quanto ao que pretendem definir ou ilustrar. Quem nunca ouviu o conhecidíssimo “são duas faces da mesma moeda” para indicar a similaridade gêmea entre duas situações ou circunstâncias? Existe, de fato, uma série de sentimentos e atitudes que, por mais que se pareçam completamente diferentes e às vezes até frontalmente opostos, acabam se revelando exatamente idênticos, só mudando a aparência externa. Amor e ódio, por exemplo, costumam mudar de lado sem a menor cerimônia, justificando plenamente a afirmativa de que entre eles a fronteira é quase nenhuma, tênue, imperceptível. Quantos casos não se têm noticia de pessoas que defendem de forma absurdamente rigorosa um comportamento moral espartano em relação à sexualidade, condenando sem a menor clemência qualquer desvio dos parâmetros mais conservadores e rígidos que a mentalidade mais vitoriana possa conceber. E eis que, um belo dia, se descobre que o candidato a santo nunca passou de um grande devasso enrustido, desses que se babam de luxuria usando a calcinha da parceira como gorro e dando base à idéia de que tarado é aquele sujeito que faz o que todo mundo faz, mas é pego. Isso tudo e muito mais é o universo daquilo que se designa como “faces da mesma moeda”.
E por fala nisso tudo, será que alguém ainda se lembra da Copa do Mundo de Futebol no México em 1970? O Brasil vivia momento dos mais agudos do período da ditadura militar. Grupos armados, perspectiva de guerrilha urbana e rural, seqüestro de embaixadores, prisões arbitrárias, militantes desaparecendo de lado a lado. E chegou a Copa do Mundo. Havíamos sofrido uma verdadeira humilhação na anterior, em 1966, na Inglaterra, com os nossos descobridores e colonizadores nos despachando mais cedo. Era a hora do revés e a pátria mais uma vez se calçou de chuteiras para defender a honra nacional. O técnico da seleção era o jornalista João Saldanha que, dentre outras coisas, se mostrou um bocudo de primeira. Sim, porque, em meio aos preparativos, eliminatórias e tudo mais, o então presidente de plantão, um militar de nome Emilio, resolveu dar palpites nas convocações. E, em meio aquele clima de hostilidades e insegurança que se vivia, o técnico da seleção não hesitou em mandar um recado ao palpiteiro federal: Emilio, escalaria o ministério enquanto ele, Saldanha, escalaria a seleção. Não durou muito, é claro. Foi rapidamente substituído por um outro cidadão bem mais maleável e flexível que resolveu atender a sugestão do palpiteiro de gandolas e dragonas. A seleção foi ao México, arrasou adversários e voltou consagrada trazendo em caráter definitivo a tão cobiçada Taça Jules Rimet que, de fato, conheceu seu último dono: foi furtada e aparentemente derretida pois nunca mais se teve noticia dela. Mas isso só aconteceu algum tempo depois da conquista. Essa, em si, sacudiu o país que se esqueceu do momento dramático que vivia e se permitiu extravasar uma enorme euforia que, ao menos para alguns, andava reprimida por conta do medo. E o Sr. Emilio e toda a turma do comando se empanturrou e se lambuzou de demagogia entrando firme na onda da comemoração e quase demonstrando que o sucesso da seleção era fruto da política que fazia do Brasil “um pais que vai pra frente”.
Os críticos da ditadura militar na época tiveram que engolir a indignação pois, tirando malucos do naipe do João Saldanha, pouca gente se atrevia a ousadias dessa ordem. Quando a ditadura se retirou de cena, foi possível, então, trazer à tona o quanto aquela vitória na Copa do Mundo foi explorada pelos donos do país na época para fins demagógicos e de auto-celebração. Era um regime ilegítimo tentando ganhar simpatia da massa por meio do esporte mais popular do país. Mas, felizmente, o tempo passou e isso tudo virou história. Muitos daqueles que combateram a ditadura militar se alçaram à condição de dirigentes políticos nos dias de hoje. Pode-se dizer que quase todo ou, ao menos, boa parte daquele contingente que se insurgiu contra o regime da época está, hoje, na política nacional. Portanto, aquele tipo de comportamento demagógico adotado pelo Sr. Emilio e sua troupe não tem mais espaço no Brasil moderno e emergente. Não mais se concebe que autoridades, independente do escalão a que pertençam, possam pensar em se aproveitar de eventos esportivos para alavancar a própria imagem e incrementar popularidade.
Portanto, o fato de a delegação da equipe paulista que recentemente conquistou um campeonato nacional no país, ter tido que alongar a viagem de retorno à cidade natal e fazer uma escala em Brasília para que o Presidente da República possa cumprimentar os integrantes, deve ter alguma outra explicação. E, em conseqüência, os torcedores que aguardavam os jogadores para uma celebração já no aeroporto por volta de 12:00 horas, vão compreender que eles só chegarão bem mais tarde. Os motivos para o atraso certamente são justificáveis.
Ah, a história das duas faces da mesma moeda? Não sei. Acho que me confundi.
02 de julho de 2009
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