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Em 6 de julho, um juiz de Belém, o da 4a Vara Cível, Raimundo das Chagas Filho, convocou os espíritos de uma certa reunião ocorrida no Palácio Laranjeiras, Rio de Janeiro, em 13 de dezembro de 1968. Em sentença à ação proposta por Rômulo e Ronaldo Maiorana, controladores do Grupo Maiorana de Comunicação, o Juiz impôs ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, medida que acerta Lúcio e atinge toda a democracia brasileira, ao fazer lembrar o Ato Institucional - 5. Atendendo aos Maiorana do Pará, Chagas Filho impôs a Lúcio tutela inibitória antecipada e o impediu de mencionar em seu Jornal Pessoal Rômulo Maiorana, pai, e seus filhos. Na prática, o juiz de Belém ressuscitou a censura prévia a um meio de comunicação 41 anos após a fatídica reunião do “às favas com os escrúpulos de consciência”.
O fato, porém, passou em branco nos noticiários das empresas de comunicação. Aquelas mesmas que há algumas semanas faziam campanha pela desregulamentação profissional para o exercício do jornalismo, apontado com estardalhaço interesseiro como um entulho autoritário dos tempos de AI-5, agora não se interessam por denunciar a censura prévia ao Jornal Pessoal.
Os Maiorana dizem que Lúcio atingiu a honra de seu pai, Rômulo, em artigo publicado no Jornal Pessoal em setembro de 2005. Lúcio argumenta em nota que “A leitura isenta da matéria (...) revela que se trata de um pequeno trecho inserido em um texto mais amplo, sobre as origens do império de comunicação formado por Rômulo Maiorana. Antes de comprar uma empresa jornalística, desenvolvendo-a a partir de 1966, ele estivera envolvido em contrabando, prática comum no Pará até 1964. Esse fato é de conhecimento público, porque o contrabando fazia parte dos hábitos e costumes de uma região isolada por terra do restante do país”.
A potencialidade antidemocrática da sentença do juiz de Belém se esconde aí, atrás do biombo dos danos morais. Ela vai pressionar as opções editorias do Jornal Pessoal, que cobre sistematicamente a economia política do modelo de crescimento econômico instalado na Amazônia. Amordaçá-lo agora será ainda pior no futuro breve, porque justamente nos próximos anos se inicia um novo ciclo de um ve poder deletérias e causadores de todos os tipos de impactos sociais e ambientais negativos e irreversíveis nas áreas em que se instalam.
As críticas do Jornal Pessoal a essa opção econômica têm sido tão certeiras que os seus três mil exemplares atraem a atenção e a preocupação das autoridades paraenses e dos executivos dos maiores conglomerados instalados na Amazônia. Por exemplo, Roger Agnelli, presidente da Vale, a mineradora que controla boa parte do subsolo brasileiro, sempre abre o olho quando um artigo do Jornal Pessoal cita a Vale.
A sentença do juiz de Belém é ainda mais grave se observado o cenário da mineração no Pará. O Estado receberá novos grandes projetos a partir de 2010, quando deverá entrar em vigor a normatização da mineração em terras indígenas. Repositórios de incalculáveis volumes já instaladas no Brasil e de outras gigantes (como as chinesas) que nesse momento estão fechando as estratégias para entrarem um terreno amplamente dominado pela Vale e suas conexões com o Estado brasileiro.
A atuação desimpedida de jornalistas como Lúcio Flávio Pinto ajudaria a revelar para a sociedade essa nova fase do modelo primário-exportador na Amazônia. Por isso é urgente restaurar o Estado democrático de direito e retirar de cima da cabeça de todos os jornalistas independentes a espada da censura prévia imposta por um juiz de Belém.
Carlos Tautz é jornalista
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