O Diário do Pará silenciou por completo a respeito. Já O Liberal deu chamada na capa e meia página interna da sua edição do dia 8, com uma caricatura em tamanho grande do personagem. A omissão do primeiro e a ênfase do segundo tiveram o mesmo objeto: a condenação de Hélio Gueiros por improbidade administrativa, na primeira instância da justiça federal do Pará. Ele perdeu seus direitos políticos e terá que pagar multa de 24 mil reais por aplicação irregular ou indevida de recursos do fundo partidário destinados ao PFL (hoje Democratas), do qual era então presidente no Estado. Também ficará proibido de contratar com o poder público e receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de cinco anos.
A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal e acolhida pelo juiz Ruy Dias de Souza Filho. O MPF utilizou na denúncia os documentos dos processos nos quais tanto a justiça eleitoral quanto o Tribunal de Contas da União rejeitaram a prestação de contas do Partido da Frente Liberal. Elas abrangiam de despesas não autorizadas a gastos sem comprovação ou com notas fiscais rasuradas e com prazo de validade vencido.
A omissão do Diário diante de um fato tão grave se explica: Hélio Gueiros se reconciliou com Jader Barbalho e hoje é um dos seus liderados no PMDB. Gueiros foi sucessor de Jader no governo do Estado, em 1987, mas os dois romperam antes do final do mandato. Hélio apoiou a candidatura do ex-prefeito de Belém Sahid Xerfan, nomeado por Jader para esse cargo, no qual permaneceu até 1985, quando foi substituído cirurgicamente pelo então governador, que colocou no cargo o ex-secretário de saúde do coronel Alacid Nunes, Almir Gabriel. Apesar do uso ostensivo da máquina oficial, Jader derrotou Xerfan, em 1990. Foi uma das campanhas eleitorais mais violentas dos anos recentes. Jader e Hélio trocaram acusações pesadas.
O Liberal se tornou a caixa de ressonância dos ataques a Jader Barbalho, acusando-o principalmente de enriquecimento ilícito e desvio de recursos públicos em benefício pessoal. Hélio Gueiros rompeu com Romulo Maiorana, pai, do qual era amigo e com quem trabalhava, como um dos redatores da principal coluna do jornal, o Repórter 70. Hélio sabia que Romulo apoiaria os candidatos do PDS (o partido do regime militar, que sucedeu a Arena) ao governo (o empresário Oziel Carneiro) e ao senado (o coronel Jarbas Passarinho). Como também era candidato ao senado, não só se incorporou definitivamente à oposição (que contava com a adesão do governador Alacid Nunes, rompido com o governo federal para não apoiar Passarinho) como passou a atacar o amigo e sua família. Revelou detalhes íntimos da atividade empresarial e política de Romulo e também atacou sua vida privada, não poupando sequer sua esposa, Déa.
Jader se elegeu governador pela primeira vez, Hélio conseguiu a vaga do senado e a antiga relação com o dono do grupo Liberal foi restabelecida, mantendo-se até a sua morte, em abril de 1986. A partir daí a convivência de Hélio Gueiros com os herdeiros de Romulo dependeu dos seus interesses políticos e comerciais. Sem a intimidade que havia com o fundador do império de comunicações e com os desgastes da litigância de 1982, nunca inteiramente superados, a aliança do grupo Liberal com Gueiros dependia da retribuição que ele desse ao apoio recebido. Teria que pagar para continuar a merecer a cobertura dos veículos da corporação.
Gueiros pôde pagar a conta e, com isso, adiar uma eventual retaliação: depois de ter sido senador, na volta à carreira política, interrompida pela cassação durante o regime militar, foi governador do Estado e prefeito de Belém. Com abundantes verbas publicitárias, o erário manteve seus elevados índices de aprovação no jornal e nas emissoras de televisão e rádio dos Maiorana. Fiel ao seu estilo, porém, ao sair da prefeitura, em 1996 (seu último cargo político, em virtude da fracassada tentativa, feita logo depois, de voltar ao senado), Hélio Gueiros deixou muitas contas pendentes para seu sucessor, o adversário Edmilson Rodrigues, do PT. O passivo de um milhão de reais de restos a pagar ao grupo Liberal causou o primeiro atrito entre o novo alcaide e os Maiorana, que só não levou a uma guerra aberta porque o erário logo contemporizou as diferenças.
O episódio revelou que, por trás do entendimento entre Gueiros e os Maiorana, oneroso para os cofres públicos, havia uma mal acomodada desconfiança, que, mais cedo ou mais tarde, conforme as circunstâncias, evoluiria para um novo acerto de contas. Aos 82 anos, é pouco provável que Hélio Mota Gueiros ainda consiga conquistar algum cargo político, que lhe devolva a condição de ordenador de despesas, com poder sobre a destinação de verbas de publicidade.
O poder que lhe resta é a página semanal que Jader Barbalho voltou a lhe reservar no Diário do Pará, depois de um período de privação (ou provação). Nela, conforme a vontade do padrinho, poderá ainda cometer alguma retaliação ou dano, graças ao seu estilo de jornalismo, forjado no próprio O Liberal, quando instrumento de combate do PSD (Partido Social Democrático), de Magalhães Barata. Mas não muita, nem de maior alcance. A chamada da primeira página e a destacada matéria interna do dia 8 podem ter sido a oportunidade para a segunda geração dos Maiorana declarar que a história de Hélio Gueiros acabou, ao menos nos veículos do império das comunicações. O ex-prefeito nada disse em sua coluna: nem sobre a condenação nem sobre a matéria dos seus ex-amigos. Deve ter repetido para seus botões uma frase com a qual ficou famoso: e eu choro? O choro cabe mesmo é ao povo, que paga a conta.
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