Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
O presidente Lula foi o mais lembrado e o maior ausente na solenidade realizada no mês passado, em Marabá, para o início da implantação da siderúrgica da Vale, que devia render tantos dividendos ao PT. A razão estava em outra ausência: a de Jader Barbalho.
Um ponto foi comum em todos os discursos feitos durante a solenidade de entrega do licenciamento ambiental da Aços Laminados do Pará, em Marabá, no mês passado: a usina siderúrgica só saiu do papel graças à pressão direta do presidente Lula sobre o presidente da antiga Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli. A imprensa nacional reconstituiu o episódio: irritado, o presidente exigiu que a Vale não se limitasse a extrair o minério de ferro de Carajás. Queria a verticalização do processo produtivo até o aço. Se não fosse atendido, usaria o poder ao seu alcance para tirar Agnelli e colocar em seu lugar alguém de confiança, como o presidente do fundo de previdência do Banco do Brasil, o Previ, o principal acionista da Vale, que executaria suas ordens. Para se manter num dos postos mais cobiçados do país, Agnelli cedeu ao presidente.
Lula foi convidado para o ato formal que dava partida ao projeto, no valor de 5,3 bilhões de reais, mas não compareceu, não mandou razões públicas para a ausência e nenhum dos oradores, que tanto citaram o presidente, se lembrou do detalhe da sua ausência. Ainda mais injustificável porque Lula compareceu a eventos até insignificantes, na voragem de promover a candidata do PT à sua sucessão, a ex-ministra Dilma Rousseff. Por que faltaria justamente à partida de um dos maiores empreendimentos econômicos em curso no Brasil e para o qual sua intervenção teria sido decisiva, ao menos na versão oficial, aceita por todos?
A razão certamente é política e se deve à diretriz que Lula já estabeleceu para sua participação na campanha eleitoral deste ano: não irá aos Estados onde a base aliada do governo federal está dividida. Este é o caso do Pará. Se ainda havia alguma dúvida sobre o rompimento do PMDB com o PT, o episódio serve para eliminá-la de vez. Jader Barbalho não foi a Marabá para a festiva solenidade programada pelo governo do Estado.
O presidente da república podia até ter pressionado o líder do PMDB paraense para viabilizar sua própria presença em um ato tão importante, de repercussão nacional (e até internacional). Ou então abrir mão do compromisso firmado e aproveitar a oportunidade para ajudar o desempenho da sua cria política, mesmo contrariando o deputado federal peemedebista, um dos seus principais interlocutores nas manobras políticas palacianas. Não seria por esse incidente que os dois romperiam. Acabariam por acomodar seus interesses.
Havia, porém, um detalhe para complicar a iniciativa: a governadora Ana Júlia Carepa também se atribui a – no caso – maternidade da siderúrgica. De fato, ela se empenhou para que o projeto não ficasse apenas como uma vaga promessa da Vale, sem cronograma certo. Mas a mineradora é maior do que o próprio governo do Estado e está acostumada a adotar a estratégia de prometer algo maior e compensar sua falta com algo bem menor, mas o suficiente para adoçar a boca da voraz classe política local.
A frágil pressão da governadora se fortaleceu pela participação pessoal de Lula e a intrincada teia de relações que se formou entre a mineradora, o governo e o mercado. De fato, a Vale não pretendia implantar a siderúrgica do Pará, ao menos de imediato. Tanto que é o único – dentre os cinco projetos siderúrgicos definidos em todo país – em que a empresa aparece sozinha, sem nenhum sócio.
Além disso, surgiu um componente conjuntural de última hora que deve ter influído na decisão de Roger Agnelli de receber pessoalmente a licença ambiental prévia que o Conselho Estadual do Meio Ambiental concedeu à Alpa. O ex-governador Almir Gabriel retornou de vez ao Pará, abandonando seu fugaz retiro no litoral de São Paulo, disposto a usar politicamente uma arma poderosa: o sentimento anti-Vale. A liderança de Almir já é mínima até no seu próprio partido, o PSDB, mas justamente por essa fraqueza seu discurso e seus atos estão se radicalizando e se tornaram obsessivamente monocórdios: o Pará só terá futuro se atacar a maior empresa que atua no seu território, com uma capacidade de gerar dinheiro incomparavelmente superior aos recursos da administração pública. Para vários interlocutores, sem pedir reserva, e até para a imprensa (que preferiu ignorar a informação), o ex-governador chegou a afirmar que esse combate podia chegar a atos de sabotagem, caso a empresa não mude sua forma de exploração das riquezas do Estado.
Nesse contexto, o presidente da Vale decidiu reagir. Prestigiou a governadora, que passou a utilizar o projeto da siderúrgica como o principal mote da campanha publicitária em andamento, e mandou um recado para o ex-governador, ao ressaltar que agora a empresa consegue se entender com o poder público, sem as inconstâncias e rabugices próprias do temperamento de Almir, agora agravadas pela sua fixação numa meta: não permitir que Simão Jatene, outrora seu amigo, correligionário e a quem escolheu para substituí-lo, seja o candidato tucano ao governo estadual. A qualquer custo, mesmo o desproporcional em relação ao objetivo.
Essa ênfase impediu que Jader Barbalho, imbuído de espírito olímpico, pudesse também ir a Marabá para um acontecimento que o diminuiria. Dificilmente ele conseguiria algum faturamento pessoal num cenário montado para destacar a governadora. Mas ele deve ter sido o responsável pela ausência de Lula, que, dias antes, no interior de São Paulo, participara da entrega de ambulâncias a prefeituras paraenses, principalmente as controladas pelo PMDB. Jader Barbalho esteve lá e ficou próximo do presidente o bastante para sair em fotografias. Nessa “inauguração”, a governadora não apareceu. Foi um capítulo da base aliada nacional, a que mais conta para a candidatura de Dilma Rousseff.
Se esses episódios demonstram a dissolução da aliança partidária que possibilitou a eleição de Ana Júlia Carepa em 2006, desfazendo a hegemonia de 12 anos do PSDB, apontam também para o reforço de outra hipótese cogitada nos procedimentos para a campanha eleitoral, de que Jader Barbalho será candidato ao governo e não à reeleição ou ao Senado. O fato de ele não querer dividir palanque com Ana Júlia, de tal forma a obrigá-lo a privar-se de participar junto com ela de atos que poderiam proporcionar rendimento conjunto, significa que irá disputar na eleição o mesmo espaço que atualmente ela ocupa?
Jader já não estaria apenas abrindo campo para alguém que, à última hora, tirará do bolso do colete para apresentar como candidato do PMDB, mas ocupando ele mesmo esse lugar? Pode ser que, na hora oportuna, ele reverta a expectativa que tem criado nas suas peregrinações pelo interior do Estado, de que concorrerá contra Ana Júlia, e apóie outro nome, favorecido por essa estratégia. Mas pode ser que o recuo lhe acarrete tal desgaste que já não poderá fazê-lo.
Qualquer que venha a ser a hipótese confirmada, os últimos acontecimentos indicam que a eleição deste ano será pesada e desgastante no Pará, mobilizando mais recursos e mais personagens, mesmo que seja para, com nova mudança, tudo continuar como está.
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