sexta-feira, 28 de maio de 2010

Liberdade de imprensa e o dono da liberdade

Lúcio Flávio Pinto

Editor do Jornal Pessoal

Foi a Unesco, a agência da ONU para ciência, cultura e educação, que instituiu o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado todos os anos a 3 de maio. Na sua mensagem sobre a data, a Unesco “conclama os governos e autoridades públicas ao redor do mundo a colocarem um fim na cultura da impunidade relacionada à violência contra jornalistas, por meio da investigação e da punição dos responsáveis pela violência contra profissionais de mídia, e por tomar as necessárias precauções para tornar possível que os jornalistas possam continuar a nos oferecer o conhecimento essencial e a informação que emanam de uma imprensa livre e independente”.

Eu achei que a conclamação era válida não apenas em Nova York, mas também nos confins amazônicos. Por isso, quando fui agredido pelo diretor do jornal O Liberal, Ronaldo Maiorana, em função de um artigo que escrevi neste jornal, em janeiro de 2005, procurei a proteção da agência da Organização das Nações Unidas. Ela tinha em seu poder um instrumento concreto para transformar palavras em ação. Juntamente com a Associação Nacional de Jornais (ANJ), órgão patronal de representação das empresas jornalísticas brasileiras, a Unesco criou, em 1997, o Programa em Defesa da Liberdade de Imprensa, que recebe recursos do Programa Internacional de Defesa da Comunicação. Até a época em que fui agredido, por exercer a profissão de jornalista e nenhuma outra, a ANJ registrara 200 atentados à liberdade de imprensa no Brasil. Dessa relação, porém, não constava a agressão que sofri. Por iniciativa própria, a agência não fez o registro.

A falha era desconcertante, mas presumi a boa fé da instituição. Enviei-lhe um relato do acontecimento e pedi sua inclusão no levantamento, no qual havia numerosas ocorrências de muito menor relevância, mas a ANJ, falando também em nome de sua parceira, se recusou a a acrescentar o que lhe informei à relação de atentados à liberdade de expressão. Forçada por minhas cobranças, usou como fundamento da sua atitude um parecer que encomendou. Sua assessoria caracterizou o episódio como produto de “rixa familiar”. E assim a questão foi arquivada.

Quando a entidade fez um novo levantamento, achei que chegara a hora de abrigar um novo atentado à liberdade de imprensa, quando o juiz Raimundo das Chagas Filho, da 4ª vara cível de Belém, me condenou a indenizar os irmãos Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, por supostamente ofendê-los em um artigo, no qual fiz referência à origem do grupo de comunicação da família, o maior do norte do país, afiliado à Rede Globo de Televisão.

Além de me condenar ao pagamento de 30 mil reais a título de indenização, o juiz me impunha a publicação de uma carta da dupla, no exercício do direito de resposta, carta essa que eles nunca anexaram aos autos do processo (e, por isso, não fez parte da instrução; logo, não existia para o mundo jurídico). Também me proibiu de fazer qualquer referência a Romulo Maiorana e a seus dois filhos, embora eles tivessem pedido a tutela inibitória apenas para a memória do pai e não para si.

O caso era grave: censura prévia pela via judicial, algo proibido pela Constituição. Nem assim a ANJ se dispôs a incluir a censura determinada pelo juiz Raimundo das Chagas ao Jornal Pessoal na relação dos 31 casos que o seu portal relatava. Ficava claro que a defesa da liberdade de imprensa estava condicionada aos interesses corporativos da associação, que não ia aplicar os seus princípios a um associado, que, ainda por cima, é um dos 13 jornais que financiam o Programa em Defesa da Liberdade de Imprensa da ANJ/Unesco. Mas e a Unesco, que alega agir em nome de toda humanidade: como se curvou a essa vilania? Qual a legitimidade para falar em nome da liberdade de imprensa no Brasil depois dessa conivência?

A perseguição dos irmãos Maiorana, com a cumplicidade de membros do judiciário paraense, que lhe fazem todas as vontades se mantém e novamente se aperta em torno de mim. É a razão de este jornal ter perdido a sua pontualidade nas últimas edições e não poder acompanhar como devia os acontecimentos. A movimentação forense dos processos me desvia do exercício da minha profissão, apesar dos esforços que tenho feito para resistir a essa manobra dos que não querem que a verdade seja matéria prima do jornalismo local.

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