Gerson Nogueira:
Quando um técnico usa o termo eficiência para definir a meta da Seleção Brasileira numa Copa do Mundo há algo de muito estranho no ar. Saísse da boca do treinador do Paraguai, do Uruguai ou mesmo da Coréia do Norte a frase seria absolutamente normal. Compreensível até, diante das carências de suas equipes.
Não é o caso do Brasil, um país que frequenta Copas desde que o torneio foi inventado e tem por hábito se apresentar bem. Não só vencendo, mas jogando bola. Mas esse conflito entre a tradição nacional e as crenças do técnico da Seleção é por demais conhecido. Estamos cientes, há quatro anos, da filosofia do técnico Dunga, um cultor do futebol de resultados.
Nesse sentido, a estreia brasileira não poderia ter sido mais coerente com seu comandante. Futebol taticamente pobre, previsível e sem alternativas para superar um adversário limitado, que se manteve sempre em duas linhas de quatro homens, com o objetivo de dificultar as ações do time favorito e mais qualificado. O problema é que, como ocorre de vez em quando, a equipe inferior aos poucos foi ganhando consistência, à medida que o bicho-papão não conseguia se impor. Eram tantos passes laterais nos primeiros 20 minutos que deu sono.
Kaká, Elano e Robinho, os mais acionados, não conseguiam completar uma jogada sequer. No único instante em que levantou a torcida com a possibilidade de uma pedalada, Robinho foi mal auxiliado por Kaká e a bola se perdeu pela linha de fundo.
É bem verdade que Robinho seguiu insistindo. Tentou voltar ao meio-campo quando percebeu que a bola nunca o alcançava lá na frente. Caiu pelos lados, tentando jogar com Maicon, aproveitando o recuo dos marcadores norte-coreanos. E até buscou chutes de média distância diante da impossibilidade de entrar na área. Só não fez o que todo mundo queria ver: a persistência nos dribles como forma de furar o bloqueio adversário. Como quase todos que estão sob as ordens de Dunga, Robinho sabe que não pode ousar muito. Está atento aos ensinamentos do mestre, que enaltece os eficientes, mas não aplaude molecagens (no bom sentido) em campo.
Pela própria formação e histórico profissional, Dunga admira o futebol marcado e repetitivo como um bate-estaca. Tudo que foge ao programado é imediatamente visto como desorganização. A surpresa, virtude fundamental num esporte tão aberto a variáveis, não é exercitada pelo time brasileiro. Contra times mais modestos, o Brasil se apequena, desaprende tarefas banais, como investir nas tabelinhas rápidas para confundir os defensores. Esquece até do feijão-com-arroz para jogos de forte marcação: buscar esticar o jogo até a linha de fundo para abrir defesas.
Em determinado momento, olhando o jogo lá do alto das tribunas do Ellis Park, o desenho exposto no gramado era curioso e engraçado: oito norte-coreanos em formação quase militar formando uma parede contra oito brasileiros que não conseguiam sair da armadilha. Seleções de nível não se atrapalham com tão pouco. Usam a velocidade e a pressão ofensiva para provocar erros e demolir esquemas fechados. O Brasil de ontem à noite não teve recursos para isso. E talvez a explicação esteja no baixo rendimento de seu meio-campo, onde Kaká é a referência e não se apresentou com o brilho que uma estrela de seu porte deve ter.
Elano, que é apenas eficiente, como defende Dunga, foi quem mais tocou na bola em toda a partida. Acabaria premiado com o segundo gol, depois de um passe precioso de Robinho, que incorporou a persona de meia clássico e encaixou uma bola que nenhum dos armadores em campo conseguiu em toda a partida. Pena que tenha sido uma tentativa solitária. Se repetida, poderia ter permitido mais facilidades à Seleção.
O gol da Coréia do Norte, nos instantes finais, foi justo na medida em que evidenciou a obstinação da equipe, que se tornou mais confiante a partir do pálido primeiro tempo brasileiro. O gol, ao mesmo tempo, permite ver com clareza os pecados do time de Dunga. Se o placar fosse 2 a 0 pareceria um resultado cômodo e tranquilo para um jogo que esteve longe de estar sob total controle. Há muito a fazer para avançar na Copa e os treinos fechados soam como piada diante da ausência de jogadas e do desentrosamento entre os jogadores.
Uma falsa torcida em verde-amarelo
Quem chegou cedo ao Ellis Park, ontem, observou a chegada da torcida brasileira em bom número, mas não em quantidade suficiente para preencher 54 mil assentos de arquibancada. A explicação talvez esteja na saída encontrada pelo comitê organizador da Copa: distribuição de ingressos para escolas e associações sul-africanas, que fazem com que muitas pessoas possam ter acesso aos jogos, sem ter que desembolsar 400 euros por um bilhete. O problema é que, de uniforme verde-amarelo, os “torcedores” locais parecem brasileiros, mas aplaudem qualquer jogada perigosa, contra ou a favor do Brasil. E, obviamente, usam as vuvuzelas a todo instante, o que ensurdece todo mundo no estádio e acaba sendo conveniente para abafar vaias, como a da torcida brazuca de verdade no final do primeiro tempo.
Fica para a próxima Copa
Em entrevista ao repórter Giuseppe Tomaso, da Rádio Clube, na tumultuada passagem pela “zona mista” depois da partida, o atacante Robinho não deixou de registrar seu carinho pelo paraense Paulo Henrique Ganso. Disse que espera estar com o talentoso meia na próxima Copa do Mundo. Desejo que não é só dele, a levar em conta a opinião da maioria dos jornalistas (até estrangeiros) que viram o Brasil estrear e saíram frustrados com a ausência de talento na meia-cancha.
Todos de olho na Fúria
Depois que o Brasil desceu para os vestiários do Ellis Park firmou-se uma convicção entre os jornalistas que cobriram a estreia. A Copa ainda não teve seu grande jogo e não surgiu a seleção francamente favorita ao título. Esperava-se que fosse a brasileira, pelas expectativas que sempre cercam o time canarinho, mas a atuação irregular e pouco convincente baixou o entusiasmo. A partir de agora, as atenções se voltam para a Espanha, cantada em prosa e verso pelos craques que tem. Hoje, a Fúria encara a Suíça, sob os olhares ansiosos de todos que sonham em ver um futebol bem jogado.
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