quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O círculo vicioso da política no Pará

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal

Há décadas (ou será desde sempre?) o Pará pratica a "política do vácuo". Foi essa a expressão que Armando Mendes utilizou, com propriedade, num artigo que escreveu para a Folha do Norte em novembro de 1959. Com a força do seu estilo, raciocínio e biografia (era um jovem intelectual já lançado à política, como vereador e deputado estadual), o futuro presidente do Banco de Crédito da Amazônia pretendia demarcar épocas.

Uma parecia estar acabando naquele momento, com a morte, cinco meses antes, de Magalhães Barata, o caudilho que o tenentismo entronizou no Pará. Barata se estabeleceu no poder com imagem, mensagem e prática inovadoras. Buscou o apoio do povo, até então apenas uma figura de retórica, e a modernização. Começou promovendo reformas e desfazendo elos sob o controle das elites. Mas logo renovou a política plebiscitária da República Velha e dos políticos carcomidos, para os quais seria a alternativa: quem não era a seu favor, automaticamente era seu inimigo. A aceitação teria que ser incondicional. A divergência significava inimizade, heresia, crime. Nas três décadas de baratismo, a lei foi potoca. Mas se era preciso aplicá-la, todos os favores aos amigos do rei; aos inimigos, os rigores. Não havia meio termo.

Essa extrema e radical personalização do ato político criou um vácuo. Os adversários se defrontavam e se enfrentavam com todas as armas. Não havia meios tons ou relativismos. O inimigo representava tudo que não prestava. Não se devia perscrutar por suas qualidades, muito menos tentar utilizá-las. Não havia composições, combinações, alianças. A radicalização das lutas provocou o esvaziamento do plano das idéias, teses e projetos. O que importava era vencer. O Pará das batalhas e das guerras pessoais e partidárias era um vazio de conteúdo.

Mas o caudilho estava morto. A motivação para tanta violência desaparecera. Não se justificava mais que a luta política fosse travada entre dois campos antagônicos, do baratismo e do anti-baratismo. Era preciso levantar esses "acampamentos partidários" e refazer as legiões, ajustando-as a um novo tempo. Armando Mendes era otimista:
- Hoje em dia - escrevia ele - queiram ou não alguns chefes políticos reconhecê-lo, os votantes começam a libertar-se do dilema inexorável a que foram subjugados durante tanto tempo - e já agora substancialmente deteriorado - para nivelarem no mesmo padrão de julgamento todos os Partidos regionais, e assim escolherem de dentro deles o candidato que lhes pareça mais digno.
Mas Armando também estava consciente da permanência das práticas do passado e por isso previamente lamentava que ela pudesse persistir mesmo com o desaparecimento de Barata, praticadas pelos herdeiros dos dois grupos políticos, caso eles viessem a se lançar "pura e simplesmente à criação de caudilhos substitutos". Nesse caso, arriscavam-se a alimentar novos "ismos", que nada mais expressariam "senão a capacidade de sorrir, prometer ou intimidar".
Assim, o Pará continuaria a assistir "à discussão mais vazia e inútil que a coisa pública suporta, e também a mais torpe, de vez que ela é erigida freqüentemente em mero instrumento de vaidades e proveito próprio ou de partilha doméstica de benesses, e desaparece como meio para a consecução do Bem Comum".

Passado meio século dessa análise, o Pará mudou ou continua a ser vítima da mesma "política de vácuo" praticada em toda a sua vida republicana, com graus acentuados em alguns momentos? Os baratistas tentaram manter o baratismo sem o chefe. Iam conseguindo o objetivo até que o golpe militar os expurgou. Ao invés de a partir daí se realizarem as melhores expectativas de Armando Mendes (que assumiu o Basa por indicação do novo chefe), surgiram dois novos caudilhos, personagens bifrontes com a mesma origem: o coronel Jarbas Passarinho e o tenente-coronel Alacid Nunes.

Depois deles, Jader Barbalho. Mesmo sem a força aglutinadora de Barata, do qual não deixava de ser herdeiro, Jader passou a ser o vértice da política paraense. Todos os seus interlocutores ou antagonistas definem a posição que assumem não sobre uma plataforma de idéias e projetos própria, mas como extensão ou contrafação de Jader.

Almir Gabriel justificou os 12 anos de tucanos no governo alardeando que o PSDB não gravitava em torno de nomes, mas de programas. E que o programa social-democrata era fazer o Pará crescer, verticalizando sua produção, sobretudo a de base mineral. Essa propaganda começou a se corroer quando o governador, por um ato de império, de uma tacada liquidou o Idesp, apenas porque o instituto divulgara estatísticas indesejáveis sobre emprego, que tornavam vazia a promessa tucana de criar 400 mil postos de trabalho.

O arremate do descrédito veio com a cizânia infantil e vazia entre o criador e a criatura. Se nomes não eram importantes, por que Almir Gabriel transformou o seu pupilo (e até então um poste eleitoral), Simão Jatene, em razão da sua existência política, para destruí-lo de qualquer jeito?
Qual o pecado mortal do ex-governador e até então homem de confiança e amigo do seu padrinho? Não ter colocado a máquina pública a serviço da nova candidatura do doutor Almir, que queria ir para o Olimpo como o único político paraense eleito três vezes para o governo do Estado, superando aquele que era então o seu espantalho, o nefando Jader Barbalho. Assim como ficou para sempre como frase de Magalhães Barata de que no Pará lei é potoca, a fortuna crítica da política paraense preservará ao infinito o pensamento do doutor Almir, de que governador só perde eleição nesta terra se for negligente no emprego dos recursos públicos que administra.

Nessa premissa, Jatene fez corpo mole e traiu seu benfeitor, não aplicando em seu favor as burras do tesouro e a gente do aparelho estatal. Neste ponto o doutor Almir tem razão. Mas ele omite que lançou sua candidatura sem ouvir ninguém, valendo-se para tanto dos préstimos de O Liberal; que atropelou a pretensão legal (no quadro eleitoral em vigor) do governador de tentar a reeleição; e que um dos motivos para o rompimento dos tucanos foi exatamente Jader Barbalho. Jatene se mantinha mais próximo do Anhanga do que admitia o inquisidor Almir Gabriel. Por isso, mereceu o tratamento de traíra.

Como ficam esses juízos de valor agora que o doutor Almir está no mesmo palanque de Jader, apoiando o candidato do PMDB que disputa o cargo contra o candidato do PSDB? O que fez o doutor Almir mudar de rumo, depois de se ter despedido por duas vezes de correligionários e amigos (mas só dos que foram convidados para testemunhar o ato), confessando-se desiludido com a política (e o próprio Estado, já que foi morar em outro domicílio)? Nenhuma razão de fundo foi apresentada para o contorcionismo. O que o motivou foi pessoa, passional, ególatra.

Quando disputou pela terceira vez o governo, depois de três mandatos seguidos do PSDB, o doutor Almir ignorou a conjuntura e ficou cego para as evidências. A opinião dominante no eleitorado era favorável à gestão dos tucanos em si, mas contrária aos seus efeitos. Qualquer que fosse a sentença individual sobre esses 12 anos de uma administração elitista e auto-suficiente, refratária ao povo, era evidente que o Pará a considerava coisa do passado, da história. Queria agora algo novo.

Almir Gabriel estava muito longe de personificar essa busca pela novidade. Talvez, se Simão Jatene fosse o candidato, trazendo consigo a máquina oficial, o resultado da votação tivesse sido outro. Talvez Jader Barbalho não lançasse seu candidato. Certamente Ana Júlia Carepa não se apresentaria à disputa. E se fosse lançada, é pouco provável que ganhasse.

Quando Almir Gabriel se declarou à beira do gramado, de meião e chuteira, pronto para entrar no jogo, Jader percebeu na hora que ali estava a oportunidade da revanche. Foi a Lula, convenceu-o a arrastar Ana Júlia para o picadeiro, lançou Priante na arena, garantiu o 2º turno e preparou o buraco para o seu antigo aliado (em 1985, quando colocou na prefeitura de Belém o então secretário de saúde, pouco mais do que um poste eleitoral). Arrematou a vingança, que gosta de saborear gelada, fazendo o doutor Almir subir no palanque de Domingos Juvenil, ao seu lado.

E Ana? Sim, na perspectiva de Jader, Ana Júlia Carepa era um detalhe. Político ladino como poucos no Brasil dos nossos dias, o cacique peemedebista sabia que os compromissos não seriam honrados, que ciladas seriam armadas por trás das declarações de amor e que, no final, seria um desastre. Ana Júlia podia se tornar o pior governante da história do Pará, um dos mais rejeitados pela população. Mas aí o PMDB estaria do outro lado, sem sair de muito perto do popularíssimo Luís Inácio Lula da Silva. Para o que der e vier no 2º turno, com o aval da "contradição ambulante". Para circular no mesmo eixo, de volta ao futuro imperceptível. À política do vácuo, velha de um século.

Os franceses têm uma frase perfeita para definir essa situação: plus ça change, plus c'est le même. Em tradução parauara, quanto mais muda, mais fica na mesma. Por isso o Pará continua sendo o Estado de maior potencial do Brasil. E sempre mais pobre. Para esta obra, não se pode negar, muito contribuem os políticos.

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