domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ninguém fala Português ...

Ruth Rendeiro*

Tudo bem que lá apenas Portugal e seus dez milhões e meio de habitantes fazem uso do nosso idioma, mas precisam nos humilhar perguntando, insistentemente, em Londres ou Paris se hablamos espanhol? Sim, porque quase todos falam inglês, italiano, francês e obviamente espanhol. Mas o pior mesmo é acharem que português e espanhol são exatamente a mesma coisa. Falou espanhol fala português e vice-versa!

Para nós brasileiros, mesmo o Português de Portugal sendo tão diferente desse que falamos, tanto que algumas vezes sequer compreendemos o que eles dizem e eles muito menos entendem o que dizemos, estar em Lisboa ou Porto é como estar em casa. Ninguém quer saber se hablamos, parlamos ... Basta usar um sinônimo que já somos entendidos. Mais familiar ainda quando de trem vamos passando por cidades que nos remetem ao Brasil, mais especificamente para o Estado do Pará, minha terra natal. Vi passar Santarém, uma plaquinha indicando que Ourém não estava tão longe assim e sei que poderia ter ido ainda a Alenquer, Baião, Chaves ou Óbidos. Mas isso foram só alguns dias. Em Londres e Paris o que tínhamos mesmo era que exercitar o portunhol ou o espanhês, como alguns preferem.



Os guias falavam das “mais grandes ventanas” dos palácios como se todos os brasileiros que os ouvia soubessem exatamente o que estavam dizendo. Não entendiam e ainda pensavam, certamente, que ele acabara de cometer um erro gramatical terrível. E no dia de seu “feliz cumpleaños“ o imperador etc etc.. Como ? indagava com o olhar, o brasileiro com traços tão nipônicos que todos juravam que ele nascera em Tóquio ou Kyoto. Feliz o quê?

 
Hora de visitar mais um museu, conhecer um pouco mais da história que só sabíamos pelos livros escolares e um aviso que novamente leva os brasileiros (grande maioria na excursão, por sinal !) a indagar com de novo só com os olhos, o que o guia deseja que fizéssemos:? tiene sencillo? E ele, sorridente aguardava a resposta, acreditando que trocado em português era exatamente a mesma coisa que em espanhol. Pagamos com sencillo ou não e ficamos sem entender de novo !

Yo hablo un poquito, pero no muy bien. Uma feliz conseqüência de contatos com pessoas que vivem em países de língua espanhola, sobretudo na Panamazônia e um boliviano, em especial, me correspondi por muitos anos. Abençoada experiência. Graças a ele e a minha persistência em tentar entendê-lo conseguia saber que calle é rua; ou algo mais sofisticado como dónde puedo cambiar dinero? Ou decidir por um cerdo assado e jamón no lugar de uma mantequilla.

Mas, mesmo convivendo e lendo anos e anos, quase diariamente textos em espanhol, ainda apanhei muito, entendi muita coisa errada e devo ter feito os atendentes rirem às minhas costas. Comprei ou pedi raras vezes em Pirinópolis, Brasília, Manaus ou Cuiabá plátanos e quando me ofereceram em Paris, disse que não queria. Justo eu que adoro bananas !!! Não me arrisquei a optar pelos galletas e os amanteigados ou recheados franceses são ótimos!

Somos cerca de 250 milhões de pessoas falando português, mas ao viajar pela primeira vez à Europa constatei que isso é pouco. Muito pouco ! Talvez na África onde o Português está em Cabo Verde, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Timor Leste, Macau São Tomé e Príncipe, seja mais fácil a comunicação. E aí sim, hablar como nosotros que vivimos en Brasil!

Picanha com feijão em Londres


Quantas vezes já passei semanas sem comer feijão e até meses sem uma picanha? Perdi a conta. Mas foi só sair do Brasil pra saudade bater antes mesmo de completar uma semana. O provável estímulo deve ter sido o que comi nos quatro primeiro dias no País da Rainha: macarrão com um molho estranho e aguado de mostarda; hambúrguer com batata frita e pão e risoto de molho indecifrável.

Jantar ? nem pensar ! O preço impeditivo em libras nos conduzia a uma mistura de minimercado com cafeteria, padaria que oferecia sanduíches e um café duplo por cinco libras, ou seja, “apenas” 15 reais, bem em frente ao hotel.

No quarto dia perguntamos a um italiano que tentou nos empurrar todos os produtos que vendia em um quiosque no meio de uma galeria, talvez percebendo nossa origem sulamericana, para eles quase seres de outros planetas e certamente desprovidos de inteligência mínima, onde comer uma carne. Brasileira? Quis saber ? claro !! claro !! respondemos eufóricas eu e minha filha. É só andar duas quadras, dobrar a direita e verão a bandeira do Brasil pendurada na entrada. A nossa bandeira? que emoção !! Deu uma vontade de beijá-la e explicar aos pedestres apressados que aquilo ali era um pedacinho do meu País. 

De fato lá estava ela. Linda, tremulando ao vento gelado londrino. O restaurante era simples, mas acolhedor. Dez mesas, não mais do que isso. No ar o cheiro de churrasco e no bufê feijão preto, feijão carioquinha, farofa, pimenta baiana, maionese de batata, arroz branco, batata frita e carnes à vontade no rodízio. Não podia acreditar! Alcatra, sobrecoxa de frango, calabresa, carneiro e a suculenta picanha com a gordura tostada ao ponto. Por alguns minutos achei que estava em Ribeirão Preto onde existem churrascarias fantásticas.

O proprietário era um ex-guia de turismo que diante de tanta curiosidade de minha parte, contou que o lugar era freqüentado basicamente por turistas brasileiros ou ingleses que um dia conheceram o Brasil e se apaixonaram pelo nosso churrasco. “Os que vivem aqui não aparecem. Preferem se achar londrinos”, fez questão de comentar com certo ar de desprezo. A carne vem da Austrália e às vezes do Brasil. “O boi daqui não produz carne pra churrasco”, garantiu.

Em uma mesa dois jovens brasileiros que começavam uma amizade com um terceiro bem mais jovem que falava para todos ouvirem que estava em Londres pra estudar. Orgulho explícito e latente. Na mesa em frente uma grande família que pela conversa e depois que me aproximei confirmei, morava em Rondônia. Falavam em JiParaná, Vilhena, Ouro Preto D’Oeste cidades que conheci quando trabalhei na Embrapa. Estavam passeando e fizeram o percurso inverso ao nosso. Primeiro foram a Portugal e Paris e estavam terminando por Londres.

Comemos tanto que mal podia respirar. O fôlego só veio mesmo quando chegou a conta. Cada refeição custava18 libras, ou seja, algo em torno de 55 Reais por pessoa e eu que achava que uma das melhores churrascarias de Ribeirão era cara. Lá o casal paga 50 com direito a sobremesa e uma variedade enorme de carne que vai do cupim ao coração de frango; da maminha à costela de porco ou da costela bovina à capivara.


Sabe qual a principal diferença? Estávamos a alguns passos da chiquérrrima Oxford Street ! 

*Ruth Rendeiro, jornalista paraense, consultora, diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, radicada em Ribeirão Preto(SP)


2 comentários:

Carlos Gomes disse...

Apreciei bastante este artigo. Como é natural do Estado do Pará e no artigo referiu Ourém, o que me levou por pesquisa ao seu blogue, queria apresentar-lhe o blogue AUREN em http://auren.blogs.sapo.pt/ que é dedicado à Ourém portuguesa. Neste blogue poderá encontrar também algumas referências à Ourém brasileira, do Pará.
Muito gostaria que ambos os municípios de Ourém - de Portugal e do Brasil - viessem um dia a geminar-se e a encontrar as suas raízes comuns que se ligam às origens portuguesas do fundador da Ourém do Pará.
- Felicidades!
Carlos Gomes

Ruth Rendeiro disse...

Amigo Miguel !
Muito obrigada pela postagem. Adoro escrever sobre esses bastidores. Há mais uns dez rascunhados mentalmente sobre a viagem.
Só uma correção: sou aposentada APENAS da Embrapa! e como jornalista, pois voltei como consultora, sou da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Científico e prestes a voltar aos bancos escolares: esta semana ingresso em uma pós em jornalismo literário.
Não me chame de aposentada !! Pelo amor de Deus, amigão ou eu paro de escrever.
Beijo grande