domingo, 26 de junho de 2011

Vale: grande mudança, tudo fica como estava

Lùcio Flávio Pinto

No cargo de presidente da Vale, a maior empresa privada brasileira, há menos de dois meses, Murilo Ferreira deu à revista Exame a sua primeira entrevista individual. Não disse muito, mas o que disse indica uma mudança de estilo no topo da companhia, sem que haja qualquer alteração significativa nos seus rumos. O novo executivo da mineradora lembrou ao entrevistado que esteve na empresa durante 11 dos seus últimos 13 anos. Deu uma pista para sua saída: provavelmente desentendimento com o então presidente, Roger Agnelli, ao qual viria a suceder.

Por sua visão exageradamente imediatista e estritamente financeira, Agnelli promoveu demissões na Vale logo que os efeitos da crise financeira de 2008 começaram a ser sentidos. Fiel ao seu estilo autoritário e voluntarioso, incluiu no rol das demissões 900 empregados da Inco, empresa canadense adquirida pela Vale, que ainda estavam protegidos por uma cláusula de garantia de trabalho. Ao ser pela repórter Roberta Paduan sobre o episódio para confirmar se foi contra a antecipação por um ano ds dispensas, Murilo simplesmente respondeu: “Uma coisa que eu posso garantir é que fui um guardião daquele acordo. Para mim, contratos são feitos, assinados e respeitados”.

Haverá outra mudança de estilo na presidência da Vale: menos cobrança por resultados, menos açodamento na busca de resultados. Murilo Ferreira quer “desestressar” os funcionários da mineradora, que trabalhavam sob o chicote digital de Roger Agnelli. Era um ritmo tal de cobranças e exigências que no ano passado a empresa teve 11 acidentes fatais, que poderiam ser evitados se medidas adequadas, visando o bem estar das pessoas, fossem adotadas, conforme o novo presidente ouviu de outros executivos da Vale. É, finalmente, uma boa notícia na área de recursos humanos, tão massacrada na gestão anterior.

Murilo, porém, tangenciou a questão quando confrontado com a interferência do governo na companhia para pôr fim aos 10 anos de Roger Agnelli na Vale. Garantiu que a Previ e o BNDES, dois dos maiores acionistas da empresa, não são “agentes do governo”, atuando como entidades autônomas. A primeira como representante dos seus aplicadores, funcionários do Banco do Brasil, e o segundo como agente financeiro de fomento, em busca de resultados. Disse que não precisou falar com ninguém do governo para ser eleito presidente da Vale, apenas se reportando aos acionistas.

É evidente que a versão não procede. Quem pediu a cabeça de Agnelli ao presidente do Bradesco, Lázaro Barbosa, responsável pelo executivo, foi o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O distanciamento crescente entre o PT e Agnelli não podia ter motivo no desempenho da companhia, que era excepcional, nem em eventuais divergências de opções de política empresarial, que estavam sendo resolvidas.

Foi um conflito de poder, que levou Agnelli a abrir o jogo, ao acusar o PT de querer cargos dentro da mineradora, e o governo Lula a considerar a cabeça da criatura do Bradesco questão fechada, ou de honra (se tal valor pudesse estar em causa). Sem consideração pelo seu posto, o ministro Mantega foi ao criador em pessoa, ignorando os dirigentes da Previ e do BNDES (com os quais a relação é de mando), com um tacape na mão: a concessão do Banco Postal ao Banco do Brasil e não ao Bradesco, que considerava ganha a parada milionária. Saiu com a cabeça do desafeto.

Murilo Ferreira foi o escolhido porque deverá manter tudo que vinha sendo considerado exitoso na Vale (para cujo resultado deu sua contribuição ao longo de 11 anos) e por ser muito mais afirmativo aos interesses do controlador oculto do que o antecessor. O novo presidente, tão fascinado por indicadores quanto Agnelli, acomodará melhor situações que haviam se tornado tensas e explosivas, como a implantação de pelo menos uma siderúrgica na área de Carajás.

Entrando na retórica da agregação de valor, repetida como litania por Lula & Dilma, a mineradora construiu uma usina no Rio de Janeiro em parceria com os alemães. Também deu início a outra siderúrgica em Marabá, mas não conseguiu atrair sócios, que não acreditam ainda na viabilidade do empreendimento. Roger dizia isso de uma maneira. Murilo o repete em outro tom, como na entrevista:
“Temos interesse em participar de siderúrgicas nas quais, de preferência, não sejamos líderes. Em algumas circunstâncias até seremos líderes, mas, quando o projeto estiver maduro, a Vale sai”, disse ele. Murilo, como Roger, continua apostando na continuidade do ciclo de ascensão de preços das commodities e tem motivos para defender essa posição, como ao exemplificar:
“Em 1996, paguei 3.500 dólares pelo meu primeiro notebook. Naquela época, o minério de ferro era cotado a 17 dólares. Hoje, compro um computador por 1.000 dólares, mas a tonelada de minério custa cerca de 150 dólares”.

Em primeiro lugar, um notebook não é exatamente um “computador” genérico (e há notebooks muito mais caros do que mil dólares). Naquela época, a China e outros enormes países emergentes ainda não haviam se enganchado no mercado, o que fizeram de forma tão atrelada aos índices miraculosos de crescimento que não se ativeram o suficiente sobre questões como as fontes de energia para sustentar esse dinamismo e as condições de vida de suas gigantescas populações.

Decidiram pagar alto por certas matérias primas que lhes permitem contornar esses problemas e lhes dão fôlego para o futuro. Nós subimos do outro lado dessa gangorra de benefícios, mas de olho no imediato. Se levantarmos mais a vista, constataremos a sangria de recursos naturais não renováveis – e únicos pela combinação rara de qualidade e quantidade. Ainda estamos no momento da cigarra, que canta e encanta. Mas logo sentiremos a falta do trabalho da formiga, sobretudo quando grande parte dessa riqueza for volatizada por exportações mastodônticas e relações de troca erosivas.

A Vale está no eixo dessa diretriz. E a substituição de Roger Agnelli por Murilo Ferreira não deverá representar alteração significativa nesse rumo. O maior trem de cargas continuará em função, com mais viagens e mais carga originária de Carajás com destino ao Oriente, onde brilha a estrela mirífica.

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