“Altamira vai piorar muito antes de melhorar”. Esta frase, saída da boca de um engenheiro envolvido na construção da hidrelétrica de Belo Monte, define bem a situação atual da cidade que é o principal núcleo urbano da região próxima à usina. Desde que as obras começaram pra valer, a cidade vive uma explosão imobiliária sem precedentes, que elevou os preços dos imóveis em até 1.000%, desencadeou um processo de invasão e está tirando o sono de milhares de famílias de baixa renda.
Por enquanto, quem está pagando a conta dos impactos negativos da construção da usina é a população mais pobre. Cerca de cinco mil famílias que vivem em moradias alugadas estão sofrendo com o aumento abusivo do preço do aluguel. Uma casa que há um ano era alugada por R$ 500,00 hoje não sai por menos de R$ 1.500,00 ao mês. Muitas famílias estão sendo pressionadas pelos donos dos imóveis a deixarem as suas residências, abrindo caminho para quem pode pagar os valores mais elevados.
O desespero também toma conta das famílias que residem em áreas de risco, que serão alagadas com a construção da hidrelétrica. “Nos baixões, uns saem porque não sabem se vão perder a casa, outros porque não podem pagar o aluguel. E o motivo é Belo Monte. É Belo Monte que está empurrando o povo pra fora. O povo não teria porque sair do seu canto, se não estivesse acontecendo essa barragem. É assim que a gente se sente: expulsos”, disse dona Raimunda, de 54 anos, moradora do bairro Invasão dos Padres, em depoimento à Defensoria Pública de Altamira.
O caos aumenta porque a Norte Energia, empresa responsável pela usina, ainda não definiu para onde serão removidas as pessoas afetadas nem como viverão depois que perderem as suas casas. Depois que o Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu (FORT Xingu) - que congrega mais de 170 entidades da região – iniciou uma mobilização pela definição do futuro destas famílias, a Norte Energia divulgou uma nota garantindo que elas ganharão novas casas, em um bairro com total infraestrutura.
Mas a indefinição criada pela empresa está levando muitas famílias a buscarem alternativas. E ai entra um novo ingrediente: as invasões. Há cerca de um mês, 198 famílias ocuparam um terreno em desuso no perímetro urbano da cidade. Elas dizem que estavam amedrontadas pelo alagamento que a construção da barragem poderá causar, e por isso deixaram suas casas montadas em palafitas para construir novos barracos em terra firme. A Justiça mandou a polícia retirar as famílias, mas novas invasões começaram a ocorrer na cidade.
Para o coordenador do FORT Xingu, Vilmar Soares, estes são problemas que estavam previstos, mas faltou um planejamento mais eficiente e ações para evitar que um caos urbano se instalasse em Altamira neste momento. “A demora em definir as áreas para onde serão reassentadas estas famílias é um dos problemas. Muita gente não sabe o que vai acontecer, não sabe que tem direito a uma nova moradia e ai entra em desespero”, lamenta Soares.
O Fórum está realizando uma campanha para pressionar a Norte Energia a definir logo a sua política de reassentamento, de acordo com o prescrito no Plano Básico Ambiental (PBA). “Publicamos uma mensagem em outdoors e vamos colher cinco mil assinaturas em um abaixo-assinado pedindo uma solução”, diz Vilmar Soares, acrescentando que hoje há uma intensa especulação imobiliária gerada pela demora da Norte Energia em definir as áreas onde serão construídos os novos bairros. “O que está em jogo é o futuro de Altamira e estamos percebendo alguns encaminhamentos que podem comprometer de forma definitiva o desenvolvimento urbano do município”, alerta Soares.
A Norte Energia, em comunicado, argumenta que estas famílias residentes nas margens dos igarapés vivem há anos em situação insalubre, com agravante de estarem sujeitas às variações no regime de cheia do Rio Xingu. “A realocação faz parte do Projeto Básico Ambiental da Usina Belo Monte. As famílias receberão novas casas em áreas completamente urbanizadas, com água, esgoto, drenagem de águas pluviais, luz e toda a infraestrutura necessária, incluindo escolas, postos de saúde e segurança pública", diz o comunicado da NESA.
A empresa considera que divulgar o local, neste momento, vai levar apenas ao aumento da especulação imobiliária nas áreas próximas à essas áreas e prejudicar aos que têm direito a esse benefício. A Norte Energia ainda promete cumprir integralmente as disposições do PBA, de forma que, em caso de remoção, as famílias serão reassentadas em áreas urbanas, localizadas a uma distância de, no máximo, três quilômetros dos locais onde moram atualmente.
Empresa trabalha com números defasados
Mas o próprio comunicado da Norte Energia mostra que a empresa trabalha com números defasados e com uma realidade que não existe mais. Ela cita que são 4,5 mil famílias que vivem nas áreas de risco, mas este número é de 2009, do cadastro feito pelos Estudos de Impactos Ambientais (EIA) do projeto. De lá pra cá, embalados pelo sonho da usina, pelo menos duas mil novas famílias passaram a morar em palafitas nas margens dos igarapés Altamira, Ambé e Panelas.
Vilmar Soares explica que este é o maior problema social de Altamira, por isso deveria ter sido prioridade. O empresário alerta que o problema só tende a aumentar, com a demora da aplicação da política de compensação. “Temos conhecimento de que muita gente está construindo novas moradias nestas áreas, com a intenção de ganhar uma casa da Norte Energia. E muitas famílias que estão chegando de fora ou vão ocupar estas áreas de risco ou vão invadir terrenos urbanos”, alerta Soares.
A doméstica M.S.P, de 34 anos, é uma dessas pessoas que não sabem o que vai ser do futuro. Ele reside em uma moradia pobre na Baixada do Tufi, um bairro construído sobre palafitas, na margem do Igarapé Altamira. Maria mora em uma casa juntamente com dois filhos e o marido, o seu pai e a sua mãe, uma irmã, o cunhado e mais dois sobrinhos. São três famílias em uma única casa, mas disseram para ela que somente uma família iria ganhar uma nova residência. “Aqui tem muita gente na mesma situação, até me chamaram para ir para uma invasão”, diz a doméstica.
Para tentar ajudar estas famílias, integrantes do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi à Defensoria Pública de Altamira pedir que a Justiça intervenha nas ocupações. Afora a falta de acesso ao direito à moradia, todas as famílias sem-teto correm o risco de serem despejadas a qualquer momento pela Polícia Militar, que já foi solicitada para realizar a reintegração de posse.
“Nós temos um problema sério de moradia. A população está aumentando e não temos perspectivas de projetos de habitação para agora”, analisa o defensor público de Altamira, Fabio Rangel. Para o defensor, os dois casos de ocupações coletivas são conseqüências de Belo Monte. “E estes os casos serão objeto de demandas judiciais para que haja retirada dessas pessoas. Elas irão pra onde?”, questiona.
Uma comissão da Secretaria Especial dos Direitos da Pessoa Humana, do governo federal, definiu bem a situação de Altamira hoje: absoluta falta de diálogo entre poder público, movimentos sociais e empresas construtoras.(FortXingu)
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