quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A grave responsabilidade pela redivisão do Pará


Lúcio Flávio Pinto
Articulista de O Estado do Tapajós

O Brasil ainda não se deu conta de que um novo capítulo da sua história está se oferecendo para ser escrito. Pela primeira vez a feição geográfica do país não dependerá de um ato de império do poder central. Ao invés disso, um plebiscito inédito será realizado, graças à regra estabelecida pela constituição de 1988. Os eleitores votarão para definir o novo perfil do Pará, o segundo maior Estado da federação.

A consulta plebiscitária acontecerá dentro de quatro meses, em 11 de dezembro, mas nem a opinião pública se interessou até agora pelo tema, certamente por desconhecer a sua importância, nem as regras básicas estão definidas. O Tribunal Superior Eleitoral, que já baixara suas resoluções, terá até o final do mês para decidir se aproveita ou não as sugestões apresentadas na audiência pública, realizada na semana passada, em Brasília.

O que está em causa é um território de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, onde vivem mais de 7,5 milhões de pessoas. Se o Pará atual constituísse um país independente, seria o 25º mais extenso do mundo. No continente, só a Argentina, o próprio Brasil e o Peru o superariam. Seria um pouco maior do que a Colômbia. Pelo critério populacional, ficaria na 97ª posição mundial.

A primeira ordem de grandeza que impressiona resulta do contraste entre extensão física e população. É o critério que mais pesa nas decisões tomadas pelo poder central em relação à Amazônia. Os estrategistas de Brasília acham que a dispersão demográfica é um elemento de fragilidade da região diante da cobiça internacional que provoca.

Pouca gente espalhada por um espaço tão grande também dificultaria o aproveitamento das riquezas naturais da Amazônia e sua integração econômica ao país, expondo-a ao risco de interesses externos e a uma eventual usurpação por potência mundial, como os Estados Unidos. Seria necessário encurtar o espaço e adensar a presença do pioneiro nacional (o colono e o colonizador) para garantir a soberania e a segurança nacional.

Este seria o principal fundamento para dividir o Pará. Seu atual território passaria a abrigar mais dois Estados: Tapajós, a oeste, e Carajás, ao sul.  O Pará remanescente seria o menor territorialmente dentre os três, porém o maior em população. O novo Pará cairia da 2ª para a 12ª posição no ranking nacional por extensão, ficando quase do mesmo tamanho de Roraima e Rondônia, na própria Amazônia, e de São Paulo, a mais habitada das unidades federativas brasileiras, no conjunto nacional. A queda seria menos acentuada do ponto de vista demográfico: sairia do 9º para o 12º lugar entre os Estados mais populosos.

O possível Estado do Tapajós, com 722 mil km2, seria o 3º maior do Brasil (superado apenas pelo Amazonas, com 1,5 milhão de km2, e Mato Grosso, com 903 mil, mas estaria no rabo da fila demográfica: teria mais habitantes apenas do que Acre, Amapá e Roraima, todos na Amazônia mesmo (os dois últimos transformados em Estados pela constituição de 1988). Já Carajás, com 285 mil km2, seria o 8º maior do país em extensão e estaria apenas uma posição acima do Tapajós em população.

Mas não é só – nem principalmente – esse conjunto de grandezas que estará em jogo no plebiscito. O território que pode vir a abrigar esses três eventuais Estados é o maior exportador mundial de minério de ferro, o maior produtor de alumina , o 3º maior produtor internacional de bauxita, significativo produtor de caulim (o de melhor qualidade do mercado para papéis especiais) de alumínio, e possui crescente participação em cobre e níquel. Ainda tem florestas e espaço territorial para ser um grande produtor agropecuário e madeireiro, à custa de continuar a ser líder em desmatamento.

Só a pauta de exportação mineral é mais diversificada do que a da África do Sul, cuja atividade econômica é muito mais antiga do que a do Pará. Sem falar em várias outras riquezas naturais, reais ou potenciais, que fazem dessa parte do Brasil uma fonte de commodities para o mundo, que, na crise atual, verá a Amazônia como fronteira ao seu alcance.

Com a exploração desses recursos, o Pará se tornou o 5º maior produtor de energia (e o 3º maior exportador de energia bruta) do Brasil, o 2º maior minerador nacional, o 5º maior exportador geral e o 2º que mais divisas fornece para o país. De cada 10 dólares recolhidos pelo Banco Central, 70 centavos são provenientes do Pará. Em compensação, ele é o 16º em desenvolvimento humano e o 21º em PIB/per capita (a riqueza dividida pela população). Está do lado do 3º Brasil, o mais pobre, na companhia de seis Estados nordestinos

A nova configuração física dessa vasta área de 1,2 milhão de km2 vai mudar esse paradoxo, que submete o Estado, por decisão tomada de fora para dentro, e de cima para baixo, a um processo de desenvolvimento semelhante ao do rabo de cavalo: quanto mais cresce, mas vai para baixo?

Com base nessa realidade, é impossível não concluir que o Pará segue um modelo colonial. Não sendo o detentor do poder decisório, a utilização das suas riquezas beneficia mais a quem compra do que a quem produz. Os efeitos multiplicadores ocorrem fora do seu território, assuma ele sua configuração atual ou venha a ser retalhado em mais duas partes. Essa modificação não atingirá o processo decisório.

Se realmente o Brasil considera a Amazônia a sua grande fronteira, a ser utilizada para poder crescer mais e com maior rapidez, o debate sobre a redivisão do Pará devia ser item importante da agenda nacional. O jurista paulista Dalmo de Abreu Dallari, com o endosso do senador – também paulista – Eduardo Suplicy, interpelou o TSE para que o plebiscito, ao invés de ser realizado apenas junto à população do Pará, se estenda a todo país.

O pedido não tem fundamento legal. A constituição, ao determinar a consulta específica à “população diretamente interessada”, eliminou a audiência generalizada. Do contrário, não precisaria fazer a restrição. Mas se não pode votar no plebiscito, o brasileiro pode – e deve – se manifestar sobre a causa. Pela primeira vez, se o Brasil mudar de feição, terá sido pelo voto do cidadão e não por ordem de Brasília. É uma responsabilidade e tanto.

Os políticos, aos quais o TSE conferiu a exclusividade de iniciativa na organização das frentes que vão tentar influir sobre o eleitor no plebiscito, já se mostraram aquém dessa responsabilidade. Foi através do voto dos líderes de partido, coagidos pela contingência da votação de matérias urgentes pendentes na pauta do Congresso Nacional, e não através de discussão e votação em plenário, que o plebiscito foi decidido. Decisão grave demais para ficar restrita a esse ambiente fechado – e, frequentemente, viciado.

3 comentários:

Anônimo disse...

INTERESSANTES considerações. Por considerar o tema de alta relevância, não só para os paraenses, como para o brasileiro, sou francamente favorável à redivisão territorial do Pará, estado onde o governo é ausente na quase totalidade de seu território. Que o digam as pessoas do oeste paraense.
POSTAREI a matéria no BLOGUE do Valentim (www.bloguedovalentim.com).
Saudações.

Paulo Cidmil disse...

Como sempre você é esclarecedor. É triste ver essa campanha sendo CAPETAneada por nossos políticos. Enfim,sou a favor da criação do Estado do Tapajós. De Carajás nem tanto, nesse caso sim, me parece oportuno para pequenos grupos com grande poder econômico e interesses suspeitos, que não têm nada a ver com as prioridades da população local.
Ao cidadão comum resta ocupar espaços como esse aqui e se manifestar, atento às manobras dos políticos, partidos e grupos econômicos.

Wagner Linhares disse...

É interessante notar que a maioria da população, ou a totalidade, interiorana, discorre e argumenta que o estado não executa seu papel. Pergunto-lhes: Seus representantes são preparados suficientemente para isso? Bem, os daqui de Belém não são. Perdão! É um crime afirmar isso! São sim! Mas, preparados para defender seus próprios interesses. Se acham que o estado se faz presente por essas bandas - estão completamente enganados. Basta que visitem as cidades circunvizinhas à Belém. Municípios abandonados, onde quem tem uma renda familiar acima de R$ 1.500,00, é considerada "rica". Se tais cidades crescem, é por esforços próprios. Belém não é uma exceção. Por acaso, conhecem o subúrbio de Belém? É o retrato do descaso. Nosssa capital é desprovida de saneamento, como o restante do Pará. A saúde vai péssima, obrigado! Qual a diferença que há? Segurança? Não sei se há. Veja bem, o que precisamos é de gente nossa, e competente, nos representado. De onde surgiram esses camaradas que nos representam? Digo-lhes o que são: aproveitadores, que chegaram por aqui, com um único intuito, explorar a natureza - incluo o ser-humano nisso - a fim de enriquecerem. É esse tipo gente que nos representa. Prestem bem atenção nisso.