Lúcio Flávio Pinto
Articulista de O Estado do Tapajós
A pior ofensa que pode ser dita a um advogado é chamá-lo de chicaneiro, aquele que pratica a chicana (ou seja, a fraude) no exercício da sua profissão. Desde o final do mês passado é esta a acusação que tem sido feita a cinco diretores da OAB do Pará, incluindo o seu presidente, Jarbas Vasconcelos do Carmo. Um mês antes, ele liderou uma passeata contra a corrupção na companhia das Organizações Romulo Maiorana.
Apenas as ORM, dentre vários grupos locais de comunicação, foram convidadas – não só para participar da manifestação, mas para liderá-la. Embora os dois principais donos do grupo Liberal, Ronaldo Maiorana e Romulo Maiorana Júnior, já denunciados pelo Ministério Público Federal, estejam sujeitos a condenação na justiça federal por crime de “colarinho branco”, forma sofisticada de corrupção.
A partir dessa decisão, a seção paraense da Ordem dos Advogados do Brasil foi atrelada a um dos concorrentes comerciais na área de comunicações e partidarizada diante da guerra pública e notória que travam os Maioranas e os Barbalhos, com profundas repercussões políticas, além de graves injunções sobre a sociedade paraense. A OAB destravou os controles e restrições que ainda restavam, sancionando o vale-tudo em que se transformou a vida pública no Estado.
Por causa desse contexto, o escândalo no qual a OAB do Pará submergiu passou a ser tratado à base do passionalismo e da unilateralidade, como mais um componente da disputa pelo poder local. Os personagens tentam induzir a opinião pública a sair atrás dos bastidores para identificar quem fomenta os acontecimentos e quais os seus interesses. Eles existem, é verdade. Acima de tudo, no entanto, está uma história como nunca foi registrada nos anais da OAB, tanto na seccional paraense quanto na de qualquer outro Estado.
A história escabrosa começou quando a seccional de Altamira decidiu vender um terreno de sua propriedade para fazer receita e com esse dinheiro construir sua sede própria. A área, de quase 1.100 metros quadrados, foi doada à seccional pela prefeitura municipal em 1990. O título de propriedade foi expedido e entregue, mas desapareceu dos arquivos da entidade, “razão pela qual nunca foi levado a registro” no cartório de imóveis, como admite seu atual presidente, Otacílio Lima Júnior, que também é o maior corretor de imóveis do lugar.
Essa lacuna, ainda mais grave porque mantida por advogados, não foi considerada obstáculo para a transação. A seccional estava disposta a alienar o bem, doado exatamente para abrigar a sede da OAB (mas não para gerar renda com esse fim), que avaliou em 350 mil reais.
Embora a história ainda esteja confusa, pode-se supor que o processo da venda saiu do controle dos dirigentes da OAB de Altamira quando o presidente estadual da Ordem, Jarbas Vasconcelos, conseguiu uma 2ª via do título de propriedade, emitido em nome da subseção de Altamira, só que levado a registro como sendo da OAB/Pará. A 2ª via foi assinada pela atual prefeita, Odilena de Souza Sampaio, em 2 de maio. No dia 18 a escrivã do cartório de Altamira concedeu uma certidão na qual o título já era de propriedade da OAB/Pará.
O presidente da OAB de Altamira disse ter enviado um ofício ao cartório “para retificar o erro e não transferir o bem a terceiros”, sem obter resposta. No dia 15 de junho a OAB em Belém publicou o edital de venda do bem, uma única vez, dando prazo de cinco dias para a apresentação dos interessados. Um único fez seu lance: Robério d’Oliveira se dispôs a pagar 301 mil reais pelo terreno.
Logo no dia 21 ele entregou um cheque nesse valor e no dia seguinte recebeu a quitação da OAB. O problema é que só nove dias depois a transação foi consumada, com a aprovação, no mesmo dia, em sessões contínuas, do conselho seccional e da diretoria. Cinco diretores assinaram, no mesmo dia 29, uma procuração delegando plenos poderes sobre o imóvel a Luciana Ackel Fares, sócia do comprador.
A certidão foi assinada pela escrevente do cartório Moreira de Castro, Anabela de Melo Alencar, porque a tabeliã titular estava ausente. Anabela fez questão de anotar que não lhe foram apresentadas “as Certidões do Registro de Imóveis e do Depósito Público”. Os declarantes é que teriam que assumir “expressa e formalmente os riscos pela não apresentação dos aludidos documentos”.
Quando o assunto se tornou público, um desses diretores, o 2º vice-presidente Evaldo Pinto, denunciou que sua assinatura fora falsificada. No dia da reunião ele estava em Castanhal, não veio a Belém e nem autorizou que alguém o substituísse. O 4º secretário-adjunto, Jorge Medeiros, confirmou a versão de Evaldo e de imediato pediu a instauração de inquérito policial para apurar os fatos.
A chefe do setor jurídico da Ordem, Cynthia Portilho Rocha, admitiu que fez a falsificação, mas sustentou ter agido assim por orientação de Evaldo – e não fora essa a primeira nem a segunda vez em que procedera dessa maneira. A tranqüilidade com que admitiu a prática do crime de falsidade ideológica e falsificação de documento público levou os observadores a associá-la a Mônica Pinto, ex-chefe do departamento de pessoal que deu início ao escândalo no poder legislativo estadual, reconhecendo sua culpa e lançando acusações sobre muita gente na Assembléia Legislativa.
De imediato o comprador pediu o desfazimento do negócio, mas outro membro da Ordem imobilizou essa iniciativa solicitando o bloqueio do dinheiro até a apuração dos fatos, para se verificar se houve prejuízo à instituição a exigir ressarcimento. Robério d’Oliveira, além de ser conselheiro da OAB, é assessor jurídico da prefeitura de Altamira, como de várias outras no interior do Estado.
Os envolvidos se empenham agora em desviar a atenção das características escabrosas da estranha operação de venda, que pode levar à revelação de uma trama para favorecer algum dirigente da Ordem, para suposta manobra política visando atingir o atual comando da OAB. De fato, o terreno está minado de interesses corporativos e políticos, mas, em qualquer cenário, o que aconteceu é um grande, surpreendente e inédito escândalo. Como nunca houve outro.
O inusitado talvez explique atitudes como a da direção da OAB local, de promover duas sindicâncias internas para apurar os fatos, que já são investigados pela direção nacional da Ordem, cujo presidente, o paraense Ophir Cavalcante (que apoiou a eleição de Jarbas Vasconcelos, assim como a presidente anterior da seccional, Angela Sales), declarou que não se envolveria nos procedimentos para garantir a lisura e autonomia das providências. A polícia e o Ministério Público também vão participar das apurações.
Certamente, se não houvesse a pressa em vender e desvios tortuosos do procedimento regular, a OAB do Pará não estaria passando pelo vexame atual. Provavelmente essas características têm algo a ver com a corrida de advogados (e outros profissionais)para Altamira, onde, com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, há a expectativa de grandes negócios a realizar. Quem chegar primeiro e bem posicionado, levará vantagem.
Um comentário:
Haveria algo de podre no reino da Dianmarca? Shakespeare, responderia.
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